Entrevista/ “Cidades portuguesas podem ser verdadeiros laboratórios vivos”
A 7 dias do evento Smart Cities, falámos com o ex-secretário de Estado para conhecer o trabalho que tem desenvolvido na área da Business Intelligence e das Smart Cities, e o que perspetiva para o futuro das cidades.
Foi nomeado este ano personalidade Smartcities 2017 pela Green Business Week pelo trabalho que tem desenvolvido na área das Smart Cities, em que, inclusivamente, coordena uma pós-graduação na Information Management School (IMS) da Universidade Nova.
Enquanto secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza dos XIX e XX Governos Constitucionais da República Portuguesa, Miguel de Castro Neto desenvolveu um conjunto de iniciativas que impactam a construção das cidades inteligentes. Entre elas, destaca a “Reforma do Ordenamento do Território que alterou de forma estrutural o modelo de planeamento territorial e a estratégia “Cidades Sustentáveis 2020”.
Miguel de Castro Neto vai marcar presença como orador no dia 7 de junho na segunda edição do fórum Zoom Smart Cities, em Lisboa, evento no qual está também envolvido na organização e que espera que reúna “a comunidade que hoje transforma as nossas cidades e vilas, criando as bases para um novo paradigma de inteligência urbana, mais sustentável e sempre focada no cidadão”.
Recebeu o prémio de Personalidade do Ano Smartcities 2017 em Portugal. O que tem o país feito no âmbito das Smart Cities?
A construção de cidades mais inteligentes é hoje um imperativo decorrente, não apenas da necessidade de uma maior eficiência na gestão dos serviços e infraestruturas urbanas e de um melhor serviço ao cidadão, visando garantir qualidade de vida e desenvolvimento económico sustentável, mas também da necessidade de combater as alterações climáticas e cumprir os objetivos traçados pelo Acordo de Paris.
Portugal tem vindo a dar passos muito interessantes e relevantes no contexto das Smart Cities, que hoje já vão muito além de projetos e iniciativas pontuais nas cidades e vilas do nosso país.
Efetivamente, observamos hoje que inúmeras cidades portuguesas já têm estratégias formais para a construção da inteligência urbana, que existem responsáveis com essa responsabilidade nas estruturas autárquicas e que a transformação digital necessária para que tal aconteça já começou.
Como exemplos estruturantes para o país destaco a criação na Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) de uma secção Cidades Inteligentes e o lançamento de um Cluster Smart Cities Portugal, iniciativas que configuram uma mudança de paradigma e permite ambicionar colocar o nosso país na linha da frente da construção da inteligência urbana no panorama internacional.
Como se deve integrar a transformação digital na estratégia de desenvolvimento sustentável das cidades?
A construção da inteligência urbana apenas será possível de forma sustentável e duradoura caso ocorra efetivamente uma profunda transformação digital das estruturas de governação das nossas cidades e vilas.
Os alicerces deste novo paradigma na gestão da cidade assentam na utilização da inteligência urbana, através da utilização das tecnologias de informação, comunicação e sua gestão, e no bem-estar do cidadão, colocando-o no centro da solução.
Neste contexto é de salientar o risco associado aos projetos pilotos que são realizados e que, apesar de muito importantes, se não tiverem por trás uma estratégia global onde se inserem, devidamente enquadradas na transformação digital, podem acabar por tornar-se ilhas comprometendo o objetivo para o qual foram concebidos.
Com a disponibilização de dados abertos? Porquê?
Os dados abertos, mais concretamente a prossecução de políticas de dados abertos, permitem alcançar um conjunto de benefícios que se podem agrupar em quatro grandes eixos:
1) Transparência – quanto mais dados estiverem disponíveis mais transparente será a governação e maior o conhecimento do cidadão sobre a cidade ou vila onde reside, trabalha ou visita;
2) Participação – um melhor conhecimento decorrente de uma maior transparência resultante da abertura dos dados cria as condições para mais e melhor participação, na medida em que será uma participação informada;
3) Serviços melhores e mais eficientes – a partilha de dados e a interoperabilidade de sistemas permitirá gerir melhor as infraestruturas urbanas e prestar serviços mais próximos das reais necessidades do cidadão; e
4) Desenvolvimento económico – a libertação dos dados da cidade criará um ambiente indutor da inovação e do empreendedorismo, na medida em que esses dados podem ser utilizados para criar novos produtos e serviços e mesmo mercados, que ainda nem sequer imaginamos que vão existir, e induzir ganhos económicos significativos em termos de captação de investimento, criação de emprego e geração de rendimento, conforme temos testemunhado a nível internacional.
No entanto, para alcançar estes benefícios é indispensável que os municípios tenham iniciado a sua transformação digital, através da alteração dos processos de gestão de informação, incluindo as tecnologias associadas à recolha, armazenamento, processamento e disponibilização dos dados, não esquecendo os aspetos relacionados com a segurança e proteção da privacidade, que, consoante o estado atual em que cada município se encontra, poderá ser mais ou menos disruptivo.
Como é que a transformação digital pode tornar-se numa oportunidade para criar novos produtos e serviços e apoiar o empreendedorismo e o desenvolvimento económico?
Efetivamente se, na sequência da construção de uma visão estratégica para a construção da inteligência urbana, tiver lugar um processo de transformação digital que alavanque uma política ativa de abertura de dados (nomeadamente livres para qualquer uso, em bruto, sob a forma de serviços e legíveis por máquinas), estarão reunidas as condições para que este processo se transforme numa oportunidade para criar novos produtos e serviços, em grande medida assentes no capital humano e no empreendedorismo.
Acrescento que este processo pode ser simultaneamente uma oportunidade para os municípios desenvolverem programas de aceleração para start-ups e empreendedores locais, na medida em que, pela sua dimensão, as cidades e vilas portugueses reúnem caraterísticas únicas para serem verdadeiros laboratórios vivos onde é possível testar soluções com elevado potencial de valorização económica e de internacionalização.
Qual o papel da data science e do big data na transformação digital?
As capacidades analíticas estão crescentemente no centro das prioridades de qualquer programa de Smart Cities. De facto, se as nossas capacidades de recolha de dados crescem exponencialmente a cada dia que passa (IoT e Big Data), o desafio de transformar esses dados em informação é também cada vez mais premente e complexo. Assim, os cientistas dos dados e a emergência da analítica urbana como nova área de conhecimento é uma realidade incontornável e apenas com recursos humanos qualificados e competentes nesta área será possível vencer o desafio e estar na linha da frente da construção da inteligência urbana.
Como acompanha hoje a academia estas novas tendências e a evolução constante neste setor?
Julgo que a academia está atenta aos desafios que as cidades hoje enfrentam, mas neste contexto em particular, gostaria de salientar o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela NOVA Information Management School, uma das faculdades da Universidade Nova de Lisboa, com uma longa tradição e reputação, nacional e internacional, no campo analítico e na formação de cientistas de dados, como comprova a recente atribuição do título de Melhor Mestrado do Mundo na área da Business Intelligence pelo ranking internacional Eduniversal.
No contexto das Smart Cities, a NOVA Information Management School lançou a iniciativa NOVA Cidade, onde agregamos um conjunto de atividades que visam promover a criação e partilha de conhecimento na área da analítica urbana, com um foco especial nos dados abertos. Entre as atividades que a NOVA Cidade tem vindo a desenvolver destaco a única Pós-Graduação em Smart Cities oferecida em Portugal, o Smart Cities Tour 2017 – um programa realizado em parceria com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, onde percorremos o país a debater e conhecer projetos que as cidades e vilas portuguesas têm vindo a desenvolver – e a Conferência Internacional Zoom Smart Cities, que se realiza anualmente na NOVA com uma numerosa e ativa participação da comunidade nacional envolvida na construção da inteligência urbana.
Foi secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza. Quais os desafios que se colocam hoje neste setor?
Enquanto secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza dos XIX e XX Governos Constitucionais da República Portuguesa, onde tinha a tutela da política de cidades, desenvolvi um conjunto bastante vasto de iniciativas que de alguma forma impactam a construção das cidades inteligentes. Entre elas gostaria de destacar a Reforma do Ordenamento do Território que alterou de forma estrutural o modelo de planeamento territorial, mas também a estratégia “Cidades Sustentáveis 2020” ou a iniciativa nacional “Cidades Analíticas”, onde percorremos o país a debater os desafios e oportunidades da analítica urbana com o apoio da Direção-Geral do Território e das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional.
Como vê o ecossistema empreendedor nacional?
As inúmeras iniciativas a que assistimos no nosso país de apoio à comunidade de empreendedores e start-ups para criarem novos produtos e serviços que respondam aos desafios da construção de cidades mais inteligentes são um sinal inequívoco de que o ecossistema empreendedor está com uma dinâmica imparável.
No entanto, acreditando no papel dos dados abertos para alavancar este processo, existe ainda uma grande margem para melhorar, na medida em que sendo reduzido o número de cidades e vilas do nosso país que têm políticas de dados abertos ativas e efetivas, corremos o risco de muitas vezes existirem boas ideias que não se podem concretizar pois os dados que as suportariam não estão disponíveis.
É sócio fundador da Agri-Ciência. Quais os grandes desafios que um empreendedor português enfrenta quando quer apostar em novas áreas de negócio e internacionacionalizar?
A Agri-Ciência desenvolve a sua atividade de consultoria no setor primário precisamente no desenho de soluções de gestão de informação suportadas pelos mais recentes avanços tecnológicos e o melhor conhecimento agronómico, visando criar sistemas de apoio à decisão que apoiem a ação do empresário agrícola no campo e no escritório.
Hoje a agricultura é uma atividade tecnologicamente avançada e que exige conhecimento intensivo, onde a denominada agricultura de precisão ganha um protagonismo inegável. Pelo seu posicionamento, a Agri-Ciência tem vindo a desenvolver uma intensa atividade de I&D, nomeadamente em projetos europeus, pelo que considero esta área da agricultura inteligente uma área de negócio emergente e com elevado potencial de internacionalização.
Que alterações gostaria de ver acontecer em Portugal?
Num país com a nossa dimensão o reforço da cooperação autárquica permitiria atuar de forma mais eficaz e célere tanto nas alterações de metodologias internas inerentes à transformação digital, como na construção das próprias soluções para a cidade, como por exemplo nos transportes em mobilidade suave.
Paralelamente, é vital um reforço da cooperação entre autarquias, academia, empresas e sociedade civil, visando criar condições para a inovação aberta e a cooperação tenha uma maior expressão associada a uma aposta clara na abertura de dados.
Está envolvido na organização da Zoom Smart Cities, onde é também orador. O que espera desta edição?
Encontrar um espaço renovado de partilha do que melhor se faz em Portugal e no estrangeiro onde estará reunida a comunidade que hoje transforma as nossas cidades e vilas, criando as bases para um novo paradigma de inteligência urbana, mais sustentável e sempre focada no cidadão.
Respostas rápidas:
O maior risco: não ser compreendida a real capacidade transformadora e disruptiva da inteligência urbana, tanto dos seus benefícios potenciais como dos riscos que têm de ser geridos.
O maior erro: os projetos pilotos não enquadrados numa estratégia global de construção da inteligência urbana.
A melhor ideia: está onde menos esperamos.
A maior lição: “size doesn’t matter “.
A maior conquista: constrói-se passo a passo.
Foto: Luis de Barros
* Subdiretor da NOVA Information Management School (NOVA IMS), coordenador da iniciativa NOVA Cidade, personalidade Smart Cities do Ano (Greenbusiness Week 2017)