Entrevista/ “A Áustria é um local fantástico para criar uma empresa”

Através do podcast Startup Milestones, Florian Kandler dá a conhecer os empreendedores europeus, bem como os seus projetos e trabalhos desenvolvidos. A um dia de lançar o Startup Report Portugal, que irá dar destaque a quem conseguiu captar financiamento no ano passado, o austríaco falou com o Link To Leaders.
Florian Kandler é cofundador da Ulmon GmbH, uma das principais aplicações móveis de viagens, que tem sede em Viena. Foi responsável pelo desenvolvimento de vários negócios, aquisição de utilizadores e crescimento de downloads de zero a 15 milhões. Liderou o processo de angariação de 1,2 milhões de euros junto da empresa de investimento de Oliver Samwer, a Global Founders Capital.
Ulmon é a terceira empresa de Florian, após quatro anos a trabalhar para uma empresa de TI, em Munique. A sua veia de empreendedor sempre esteve bem presente desde os tempos de estudante, altura em que criou o primeiro clube de empresários da Áustria.
Em 2016, o austríaco lançou o Startup Milestones, um podcast europeu que partilha entrevistas com empreendedores europeus. E prepara-se agora para lançar, em Portugal, o Startup Report, “uma ideia alternativa de celebrar os sucessos dos empreendedores portugueses e de dar destaque aos que realmente conseguiram captar financiamento no ano anterior”.
A sua vida de empreendedor integra vitórias, mas também derrotas. Qual a lição mais importante que aprendeu durante este caminho de empreendedor?
Por vezes, queremos ir a tudo, mas, quando começamos, temos de saber que há sempre um amanhã e que mais vale fazer as coisas bem-feitas no próximo ano, do que fazer à pressa. Devemos aplicar esforço, dinheiro e foco naquilo que conseguimos fazer bem. Numa visão de curto e de longo prazo, temos sempre de ter em conta que virá um novo ano, em que poderemos fazer melhor do que até aqui e convém não perder isso de vista. Especialmente quando se trata de relações, porque estas levam tempo a serem construídas e o negócio é, em grande parte, feito de relações, pelo que temos de ter uma visão de longo prazo.
Fundou três empresas, tendo em duas delas levantado vários milhões de euros de financiamento em três rondas de investimento distintas. O que é mais importante no processo de financiamento de uma empresa, para que seja possível alcançar os objetivos?
A relação com o investidor é o que tento ensinar aos mais jovens e o que não consegui perceber na primeira vez que passei por este processo. Primeiro, é a relação com os cofundadores e, depois, com o investidor, pois ele é também dono da empresa, como são os cofundadores. Se escolhermos o investidor errado, com diferenças culturais, forma de pensar diferente sobre o que é mais importante, pode haver um grande problema. Isso irá criar problemas e fricções que atrasarão o desenvolvimento da empresa e mesmo ameaçar o seu sucesso. Se começar a trabalhar numa ideia para uma start-up, deverá começar a trabalhar desde muito cedo nessas relações com os investidores, conhecê-los, para que, quando precisar mesmo do dinheiro, saiba claramente quais deles estão alinhados com os seus objetivos, pontos de vista, aquilo a que, às vezes, chamamos de química entre as pessoas. Para mim, o mais importante não são as técnicas ou como fazer o pitch, mas antes este aspeto da relação.
Existem diferenças entre negociar com investidores europeus ou com investidores norte-americanos?
Não existem grandes diferenças. O que existe é uma tendência dos investidores norte-americanos para quererem definir objetivos maiores do que os europeus, bem como estarem dispostos a correr mais riscos, para conseguirem, por exemplo, que a empresa cresça na sua base de dados, antes de avançar com a monetização, a pensar sempre em ser o maior no setor. Já os investidores europeus, às vezes, sentem-se mais confortáveis quando existe um retorno de uma empresa que é apenas a quinta em termos de mercado, mas que é lucrativa, ou que é passível de ser vendida por um bom valor. Acho que tem a ver com o grau de maturidade do ecossistema. Não sou historiador sobre as start-ups nos EUA, mas suponho que, quando não havia grandes desinvestimentos, se vendêssemos uma empresa por 300 mil, seria um êxito estrondoso e as ambições cresceriam consecutivamente daí para a frente. Suponho que, na Europa, vá acontecer o mesmo, assim como nos países mais pequenos, como a Áustria e Portugal. Tivemos um desinvestimento na Áustria avaliado em algumas centenas de milhares e presumo que agora as pessoas se tornem mais ambiciosas e a próxima avaliação passe a ser meio milhão, para que se pense que foram mais bem-sucedidos do que nos anteriores, e por aí fora.
Como dar o melhor uso ao capital levantado e respetivas condições acordadas com os investidores?
Quando recebemos o montante, habitualmente há uma espécie de plano do que vamos fazer com o dinheiro. Pela minha experiência e tendo em conta aquilo que alguns amigos meus me vão contando, quando é primeira vez que se levanta dinheiro e não se está habituado a ter tanto, deixamo-lo no banco e gastamos com extremo cuidado. Mas, por vezes, é preciso mudar a forma de pensar e gastar um pouco mais em coisas que fazem sentido. Claro que se pode cair no erro de gastar demais. Um grande erro que, por vezes, vejo acontecer, é começarmos a contratar pessoas indiscriminadamente, porque temos dinheiro e sabemos que, especialmente nas empresas tecnológicas, a forma de tornar o dinheiro em lucro é através das pessoas. Mas, se contratarmos pessoas às cegas, poderão surgir problemas sérios, como incompatibilidade com a cultura da empresa, a ética dos fundadores do negócio… Às vezes, o problema começa logo após o recrutamento. Diz-se: “És o nosso diretor de marketing”. Responde-nos que “Sim, e qual é o meu objetivo?”. E ouve-se: “Cria-nos uma equipa de marketing de qualidade mundial”. Esta não é a melhor orientação que esta pessoa precisa para atingir os objetivos, porque são demasiado elevados. É importante definir objetivos realistas.
O que pensa do ecossistema empreendedor austríaco? Quais os seus pontos fortes e fracos?
Está a correr bem. Aprecio o apoio governamental em termos de empréstimos e programas de financiamento em estádios mesmo muito iniciais, com programas que dão algumas centenas de milhares de euros a projetos para desenvolverem alguma tecnologia. É dinheiro que se consegue facilmente, para se conseguir dar os primeiros passos numa start-up. Também temos um grande número, mas no bom sentido, de business angels bem-sucedidos, o que os torna bastante visíveis e que acaba por incentivar outras pessoas, como empreendedores experientes, pessoas da área dos negócios ou pessoas com riqueza e muitos conhecimentos, a também se tornarem business angels. Tenho amigos na Áustria que fizeram o seu primeiro investimento e estão a adorar, bem como alguns com fundos para estádios iniciais, que estão a fazer um trabalho fantástico.
Para nós, é fácil atrair investidores alemães, por termos a mesma língua e proximidade geográfica. Na Ulmon, o nosso primeiro investidor era da Alemanha e não tivemos qualquer dificuldade em convencê-lo a investir na nossa empresa. Claro que, depois desta fase, há um grande vazio. Quando os volumes de investimento necessário aumentam para 1, 2, 3 milhões, começa a ser difícil encontrar resposta no país. Mas é como em Portugal, somos um mercado pequeno. Os EUA têm o seu mercado interno e investidores para todas as necessidades. Temos de perceber que o nosso mercado doméstico é a Europa, seja em termos de contratação, de clientes, mas também em termos de investidores. É preciso olhar para lá das fronteiras do país, ir a Londres falar com investidores, para Berlim, Munique, e talvez outras cidades com investidores alemães. É preciso ir a cidades com elevado nível de desenvolvimento na área em que atuamos, que tiveram empresas bem-sucedidas nessa área e que, provavelmente, terão investidores mais sensibilizados nesse setor. A Áustria é um local fantástico para criar uma empresa, mas onde não há muita gente com vontade de se tornar empreendedor.
Porquê?
Porque se pode ter um bom trabalho no governo e temos lá grandes empresas. Embora haja start-ups, as pessoas continuam a sentir-se mais confortáveis a trabalharem para uma grande empresa e a receberem 14 salários por ano. Como empreendedor é ótimo, porque temos menos concorrência e temos todo o apoio do governo. Digo-o porque é verdade, mas também porque pretendo espicaçar as pessoas a serem mais empreendedoras. Comparativamente com os EUA, a concorrência na Europa é muito baixa. Lá, há muitas pessoas a criarem start-ups e a competirem pelos mesmos mercados.
Quais são as start-ups que mais estão a dar que falar na Áustria?
Há algumas que conheço melhor, cujos fundadores conheço ou que já entrevistei nos meus podcasts. Não sei dizer quais são as que faturam mais, mas há empresas que admiro pela sua abordagem ao negócio, como a My Sugr, que visa combater a diabetes. Frank Westermann, o CEO e cofundador da My Sugr, criou a equipa em torno desta missão de ajudar as pessoas com diabetes e está a fazer um trabalho fabuloso. Ele recruta pessoas que sofrem da doença ou que têm familiares que sofrem da diabetes e que decidiram combater a doença. Por exemplo, encontrou na Alemanha uma rapariga que tinha um blog, onde escrevia sobre a doença. Entrou em contacto com ela e falou-lhe da sua missão. Esta acabou por se juntar a ele como especialista em marketing e relações públicas, alertando para os perigos da doença. Acho que é um exemplo para qualquer tipo de empresa. Procurem pessoas que já partilhem do vosso objetivo, que amem a área em que a vossa empresa atua, e foquem-se menos nos currículos. São importantes, mas não são o mais importante. A equipa do My Sugr tem vindo a crescer, já são umas 20 ou 30 pessoas. Mais de metade têm uma relação pessoal com a doença e isso torna-a uma equipa fabulosa.
Também aprecio o trabalho de uma empresa que atua no setor do turismo, a Tourradar, como o Booking, mas para viagens e programas de vários dias. O fundador foi muito inteligente em trazer conselheiros e investidores para o projeto. Trouxe, por exemplo, o CEO da Expedia, como business angel e conselheiro. É um bom exemplo do que se pode ganhar com o conhecimento que pode vir com o dinheiro. Neste momento, estão a criar equipas de apoio ao cliente por todo o mundo, mantendo a sede em Viena.
Por que criou o Startup Report?
O Startup Report foi uma ideia alternativa para celebrar os sucessos dos empreendedores austríacos e dar destaque aos que realmente conseguiram captar financiamento no ano anterior. É uma lista de empresas e de pequenas entrevistas com alguns deles, em que partilham algumas das lições aprendidas durante o seu percurso empreendedor. A minha ideia foi a de que, se temos pessoas a saírem das universidades e indecisas entre ir para uma grande empresa ou começarem o seu próprio negócio, encontrem no Startup Report uma motivação. É importante ter exemplos que nos motivem a pensar que é possível e acreditei que, se contactasse pessoas que conheço e que partilhassem as suas lições, a lista do ano seguinte seria maior, e isso aconteceu. Surgiram empresas de que nunca tinha ouvido falar e que estão a fazer coisas fantásticas. A ideia sempre foi dar um empurrão à comunidade empreendedora.
Pode partilhar uma das melhores histórias e o que aprenderam?
Gosto muito da história da Symvaro que está no sul da Áustria, numa zona não muito popular do país, mas hoje é possível começar um negócio em qualquer sítio do mundo. É essa a lição desta start-up. Rudolf Ball, o CEO da empresa, juntou-se a uma aceleradora da Eslovénia, a ABC Accelerator, do outro lado da fronteira, que é focada em soluções para smart cities, setor em que atuam. Ele conseguiu fugir à tendência de pensar na capital e viu mais além. Encontrou na Eslovénia mentores fantásticos que se apaixonaram pela ideia e pela equipa e se tornaram seus investidores.
O que lhe atrai no ecossistema empreendor de Portugal?
Gosto de Portugal historicamente e hoje, depois de falar com tantos portugueses nos últimos dias, percebo o porquê do governo colocar tanto a tónica no turismo do país. Tendo trabalhado tantos anos na indústria do turismo, consigo ver o potencial e o que funcionaria em Portugal e deveria ser implementado. Gosto da ideia de partilhar conhecimento como mentor de start-ups ligadas ao turismo em Portugal, porque é um tema que me fascina e que conheço bem. Penso que, tendo grande experiência em angariar investimento, poderei também dar alguma ajuda na preparação de pitch para investidores e estratégias de venda.