Opinião

As empresas não cabem no Teams

Carlos Hernandez Jerónimo, fundador e CEO da Winning Scientific Management

Depois de anos a anunciar que o remoto era o futuro, as empresas descobriram que afinal o futuro tem parque de estacionamento limitado, trânsito caótico e cafés caros. A Microsoft, entre outras empresas, puxou a corda e muitas outras seguem atrás: “voltem”.

Na mudança, muitos líderes recebem queixas. Gente cansada de perder horas todos os dias, de gastar mais dinheiro e de sentir que no escritório nem sempre trabalha melhor. E custa. Porque é verdade: o remoto deu-nos tempo, algum equilíbrio e uma forma diferente de organizar a vida. E também trouxe a questão inevitável da equidade: uns voltam, outros não. Uns chefes obrigam, outros deixam à escolha.

Mas há um lado que o remoto nunca conseguiu dar às empresas: vitalidade. O Teams trouxe eficácia, mas transformou-nos em avatares. Luz ajustada, sorrisos polidos, mute e unmute cirúrgicos. Tudo demasiado perfeito. E demasiado morto.

O regresso trouxe de volta o acaso humano. A conversa não planeada na máquina de café, o desabafo partilhado num corredor, a cumplicidade improvável de um cigarro, a gargalhada que interrompe uma reunião séria. Eu diria até que é no improviso que se gera confiança e é na confiança que se constrói cultura. E cultura, convenhamos, não se cria por Teams.

E há algo que os mais novos sentem de forma ainda mais dura: a ausência de integração. Muitos de nós crescemos a aprender em almoços de equipa, a ouvir histórias num copo ao fim da tarde, a ganhar coragem em conversas informais com colegas mais velhos. Foi assim que descobrimos talentos, que encontrámos mentores, que aprendemos pela experiência dos outros. Hoje, quando os jovens entram numa empresa apenas através de chamadas online, não têm acesso a nada disto. Falta-lhes esse lado invisível mas decisivo: observar, ouvir, experimentar.

E não é só para os jovens. O remoto também cansou muitos de nós em silêncio. O isolamento, a ausência de contacto humano e a vida confinada a ecrãs desgastaram mais do que admitimos. Regressar ao escritório devolve uma rede social natural, não programada, que protege o bem-estar mental. Até o trânsito trouxe de volta rotinas inesperadas: voltámos a ouvir rádio de manhã, a descobrir podcasts novos, a perder-nos em músicas que já não ouvíamos. O caminho custa, mas também devolve um tempo que pode ser só nosso, e que em casa muitas vezes se dissolvia entre o quarto e a sala.

O presencial não serve apenas para coordenar tarefas. Serve para transmitir cultura, para dar palco a quem começa, para passar experiência de forma natural. Os encontros informais são críticos para a criatividade e para o desenvolvimento de talento. E sem essa convivência, as empresas arriscam-se a perder não só inovação, mas também gerações inteiras de líderes em potência.

Não se trata de negar a flexibilidade. O futuro pode ser híbrido e, em muitos casos, deve ser. Mas uma coisa é certa: não dá mais para viver apenas online. Uma empresa que acredita que pode continuar a sustentar liderança, cultura e inovação apenas com reuniões digitais arrisca-se a descobrir, tarde demais, que não tem nada disto.

E para os colaboradores há também uma escolha. Estar presente é ser visto, é ser lembrado, é estar onde as oportunidades acontecem. O escritório não é só um lugar de tarefas, é um palco de relações. Aproveitá-lo ou desperdiçá-lo pode ser a diferença entre passar despercebido ou fazer parte da história da empresa.

As empresas estão mais vivas no barulho do café do que no silêncio do Teams. E os gestores ficam perante a escolha difícil: prefiro perder alguns colaboradores que não querem voltar ou prefiro matar a cultura e ter uma empresa sem fulgor?


Carlos Hernandez Jerónimo é CEO e fundador da Winning Scientific Management, Professor Assistente no ISCTE-IUL e Diretor Executivo do Executive Master em Gestão de Programas e Projetos do ISCTE Executive Education. Apaixonado pela evolução da gestão profissionalizada, dedica a sua carreira a apoiar organizações na reinvenção dos seus modelos de negócio, encontrando soluções elegantes para problemas complexos com foco na criação de valor e na previsibilidade dos resultados.

Licenciado em Engenharia de Computadores e Telemática pela Universidade de Aveiro e Doutorado em Business Administration and Management pelo ISCTE, tem conciliado a consultoria de gestão com a academia. Na Winning, lidera equipas e projetos de transformação estratégica e digital em setores como banca, seguros, saúde, transportes, logística, retalho, construção e telecomunicações. Fazendo uso de metodologias internacionais de referência em Estratégia, Benefícios, Portfólios, PMO’s, Programas e Projetos, assegura que cada transformação se traduz em inovação técnica, qualidade de execução e impacto sustentável.

Enquanto académico e formador, soma mais de 10.000 horas de ensino e experiência na conceção de centenas de cursos de referência em Estratégia, Business Cases, Business Analysis, Project Management e Cost Management, tendo preparado várias centenas de candidatos a certificações internacionais do PMI®. Detentor do certificado de aptidão pedagógica (CAP), procura aproximar de forma contínua a prática profissional da investigação académica.

É certificado PMP® (Project Management Professional) pelo PMI®, MCP (Microsoft Certified Professional: Managing Projects) pela Microsoft, ITIL pela EXIN e MCI (Management Consulting Institute). Ao longo do seu percurso, foi Vice-Presidente do PMI Portugal (2015–2018), mentor de profissionais em diferentes estágios de carreira e orador convidado em diversos eventos nacionais e internacionais de gestão.

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