Entrevista/ “A nossa missão é falar, repensar e adaptar o artesanato à sociedade atual”
A marca de vestuário nacional lançada há dois anos apoia não só a indústria portuguesa e as comunidades locais, como também quer levar além-fronteiras, e através da roupa, a beleza das serras nacionais, revela Tiago Pinto, cofundador do Projeto Serra, em entrevista ao Link to Leaders.
Nasceu em 2021, da vontade de três primos retribuírem à natureza e montanhas portuguesas a felicidade e alegria que tantas vezes lhes deram, nomeadamente em acampamentos escutistas, férias familiares ou passeios e trilhos. Tiago Pinto, João Duarte e Ricardo Amaral criaram o Projeto Serra, uma marca de outwear em que cada peça conta a história de uma serra nacional, as suas pessoas e os seus ofícios.
Apesar do core da marca ter começado pela malha polar, Tiago Pinto revela que “há sempre espaço para explorar novos caminhos e, para além das malhas polares, contamos já com um blusão inspirado pelos blusões dos pastores, uma t-shirt com uma checklist das serras de Portugal que vem com um kit de costura para bordar e dar check em cada serra que conquistam e ainda as meias, lenços dos namorados e bandeirolas. Tudo com a base nas serras e tradições”.
Neste momento estão a testar mercados da Europa Central. tais como Alemanha, Holanda e Bélgica. “Queremos levar o Projeto Serra a todos porque sabemos que temos qualidade para competir com o que se faz lá fora”, explica o jovem empreendedor.
Como surgiu o Projeto Serra?
O Projeto Serra é um sonho antigo que a pandemia permitiu que ganhasse forma e se acelerasse. Foi no verão de 2020, num acampamento na Serra da Freita, que começámos a desenhar o que hoje é o Projeto Serra. A partir daí, e sem qualquer experiência na área do têxtil, dedicamos o ano seguinte à descoberta da indústria. Sabíamos muito bem o caminho que queríamos seguir para a construção deste sonho e isso tornou todo o processo mais desafiante.
Qual a missão?
A missão do Projeto Serra é única e exclusivamente criar discussão, trazer para cima da mesa a portugalidade, as suas tradições e ofícios. Acreditamos muito que a nossa missão é falar, repensar e adaptar o artesanato à sociedade atual. Só assim as nossas tradições sobrevivem. Temos de as deixar viver e entrar na nossa rotina, vesti-las orgulhosamente. Se as deixarmos na vitrine de um museu, elas perdem-se.
“A nossa história confunde-se com as serras e a natureza. Não tenho memórias onde o campo, a montanha e as suas gentes não façam parte”.
Como surgiu o gosto pelas Serras de Portugal?
A nossa história confunde-se com as serras e a natureza. Não tenho memórias onde o campo, a montanha e as suas gentes não façam parte. Desde os seis anos que estamos no escutismo e acho que o movimento foi o grande motor na forma como olhamos o mundo e o nosso país. Os acampamentos nas serras eram uma prática habitual que as fez, naturalmente, tornarem-se casa para nós. Lembro-me de, em cada despedida de um acampamento, ficar a pensar em como seria a partir daí o dia a dia das pessoas que tinham enchido os nossos dias durante o acampamento e que lá viviam sempre. Parecia sempre tudo muito solitário, isolado. O viver para lá da montanha soava-me a solidão. Não que o seja, de todo, mas acho que temos que dar palco e oportunidade a quem lá vive. Há um conhecimento, uma sensibilidade e um desenrasque imenso em todos eles que acaba por ser inspirador.
O que aprenderam no escutismo que trouxeram para o projeto?
A base do método escutista assenta na relação intrínseca com a natureza, no “deixar um mundo um pouco melhor”. E acho que é isso que tentamos fazer com este projeto ao trazer para discussão a preservação dos espaços verdes e das “mãos” que nos deram ofícios e técnicas de artesanato inacreditáveis. E cuidar dos ofícios é também cuidar dos outros e não permitir que ninguém saia da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz. Esta é a grande lição que levamos do escutismo para a vida e para este projeto.
Quais os produtos que podemos encontrar no portefólio do Projeto Serra?
O Projeto Serra nasce como a marca do agasalho. O nosso core começou por ser a malha polar. Queremos ter as melhores peças polares. As peças que todos associem ao conforto, seja no campo ou na cidade. Queremos ser o aconchego. Isto não vamos largar. Contudo, há sempre espaço para explorar novos caminhos e, para além das malhas polares, contamos já com um blusão inspirado pelos blusões dos pastores, uma t-shirt com uma checklist das serras de Portugal que vem com um kit de costura para bordar e dar “check” em cada serra que conquistam e ainda as meias, lenços dos namorados e bandeirolas. Tudo com a base nas serras e tradições. Acabamos por ser um pouco os motores do “merchandising” destes territórios.
“Criámos uma comunidade muito bonita e participativa que, mais do que vestir o Projeto Serra, veste a nossa causa”.
Como tem sido a aceitação?
Sabíamos que tínhamos um produto com qualidade, mas não sabíamos que ia correr desta forma todo o processo. A aceitação foi inacreditável. Sentimos um compromisso dos nossos “companheiros” inexcedível e um entusiasmo a cada coleção. Todos partilham opiniões, ajudam-nos na seleção da próxima serra ou tradição a homenagear. Criámos uma comunidade muito bonita e participativa que, mais do que vestir o Projeto Serra, veste a nossa causa.
Quais têm sido os grandes desafios que têm encontrado pelo caminho?
Como uma empresa pequena, com uma produção reduzida, sentimos uma dificuldade imensa na negociação e no cumprimento de prazos por parte da indústria têxtil., seja na matéria-prima, 100% portuguesa, seja na produção. Com tantos players internacionais a produzir em Portugal, torna-se difícil para marcas pequenas competir pela atenção dos profissionais do têxtil. Este é o grande desafio!
É fácil lançar-se uma marca com produção local e materiais feitos cá?
É um enorme desafio. Tudo é mais caro em Portugal e tudo é mais difícil. Não há margem de negociação nem de prazos enquanto marca pequena.
“Neste momento estamos a testar mercados da Europa Central com ótimo resultado. São eles a Alemanha, Holanda e Bélgica”.
Faz parte da estratégia da marca apostar na internacionalização? Quais os mercados que estão na mira?
Claro que sim. É cada vez mais uma vontade. Participámos em 2022 na Semana da Moda de Londres a convite da ANJE e deu-nos uma visão mais alargada daquilo que queremos fazer. Neste momento estamos a testar mercados da Europa Central com ótimo resultado. São eles a Alemanha, Holanda e Bélgica. Queremos levar o Projeto Serra a todos porque sabemos que temos qualidade para competir com o que se faz lá fora.
Como vê o Projeto Serra daqui a 5 anos?
Queremos continuar a alargar o nosso portefólio de serras para abraçar cada vez mais territórios. Vemos também a internacionalização já como realidade na Europa e estarmos cada vez mais perto do nosso público, seja através de loja física ou outras ações.
Que outros projetos futuros podemos esperar do Projeto Serra?
Para já, estamos com o lançamento da nova coleção. Uma coleção onde arriscamos bastante nos modelos, cores e abordagens. E o caminho será muito por aqui. Queremos desenvolver programas de atividades nas diferentes serras. Que as pessoas nos considerem não só quando precisam de um agasalho, mas também quando precisam de um programa para umas férias ou fim de semana nas nossas serras.
“Neste setor, é preciso acima de tudo paciência. Depois é investir bem, e muito, na criação de uma identidade de marca forte e com um propósito”.
Que conselhos daria a um jovem empreendedor que quer apostar neste setor?
Neste setor, é preciso acima de tudo paciência. Depois é investir bem, e muito, na criação de uma identidade de marca forte e com um propósito. Acho que tudo tem outra força quando é pensado, maturado e sentido. Já não chega produzir uma camisola com uma cor da moda, é preciso dar-lhe exclusividade e autenticidade.
Respostas rápidas:
Maior risco: Sustentar a produção toda em Portugal.
Maior erro: Não ter uma empresa de comunicação em regime continuo desde o início.
Maior lição: Se não agirmos já na defesa das nossas tradições, vamos perder a nossa identidade enquanto país.
Maior conquista: A criação de uma identidade/comunidade, completamente baseada nas pessoas e nas tradições