Opinião

A importância de vestir o escafandro

Pedro Alvito, professor de Política de Empresa da AESE Business School

“Estou soterrado”, “não sei para que lado me vire”, “estou abaixo da tona da água”, “estou com a corda ao pescoço”, “estou a mil”, “estou até aos cabelos”, “não tenho mãos a medir”, “estou submerso”, e tantas outras expressões significam apenas uma coisa – excesso de trabalho.

Curiosamente nenhuma destas expressões usa a palavra trabalho, exatamente como se fosse algo que queremos evitar. Até a frase bíblica “hás-de comer o pão com o suor do teu rosto” indica isso mesmo – esforço! No entanto, ao longo da história vários teóricos têm chamado a atenção para a importância da motivação no trabalho, outros para o trabalho como forma de realização pessoal e outros até para a importância da alegria no trabalho. Tudo isto tem a função de colorir algo que somos forçados a fazer – trabalhar.

Um economista português de renome e do qual tenho o prazer de ser amigo costuma dizer que “o trabalho se chama assim porque dá trabalho, senão chamava-se férias”. Pois, é bem verdade. Por outro lado, o trabalho não é um fator constante, tem altos e baixos e, como sabemos, acontece, em certas alturas, estarmos cheios de trabalho e noutras até “não temos nada que fazer”. Na verdade, escrevi entre aspas esta frase, porque a todos (até a mim) nos custa assumir que isso, por vezes, até é verdade. E o que fazemos diz muito da nossa sociedade: quando temos muito trabalho, queixamo-nos com uma das expressões acima e quando não temos fingimos ter…

Há mais de 30 anos (digo assim para parecer que não acontece agora), um amigo meu queixava-se que o chefe dele ficava a “trabalhar” fechado no seu gabinete, todos os dias, até bastante tarde. Aproveitava esses finais de tarde para tratar de tudo o que eram assuntos pessoais (e já agora contribuía para o “sucesso” do seu casamento não ajudando em casa). Todos os subordinados eram “obrigados” a ficar presencialmente à espera da sua saída, não fosse o chefe pedir alguma coisa. Chefe esse que se vangloriava de que trabalhava muito e até muito tarde, porque o seu trabalho era muito exigente.

Recordo-me da história do António e do João que trabalhavam na mesma empresa. O António tinha a secretária sempre arrumada, saía a horas e ia jogar padel com os amigos. Tinha, naturalmente, um aspeto saudável, enquanto o João tinha ar de doente. O António tirava férias regularmente e o João, pura e simplesmente, não tinha tempo para tal. O João tinha a secretária num caos, cheia de dossiers, e ficava sempre a trabalhar até muito tarde. Um dia o João resolveu perguntar ao António como conseguia ele fazer isso. A resposta foi clássica – delegando. “Mas como?” perguntava o coitado do João. “Muito simples”, disse o António: “chego de manhã e trato imediatamente dos dossiers que tenho em cima da secretária. No cimo de cada um escrevo – ao cuidado do João. E envio-os de volta!”

Infelizmente, muito do trabalho desnecessário que temos nas nossas empresas deriva de duas coisas muito simples: não decidirmos o que é da nossa competência decidir e envolvermos tudo e todos com C.C. desnecessários para garantir que todos sabem do assunto – e nós ficamos protegidos, não vá o diabo tecê-las. Como diria um amigo meu “estou de tal maneira debaixo de água que já vesti o escafandro”. Estaremos a ser efetivamente produtivos?


Pedro Alvito é, desde 2017, professor na AESE, onde leciona na área de Política de Empresa, tendo dado aulas também na ASM – Angola School of Management. Autor de duas dezenas de case studies publicados pela AESE e de dois livros publicados pela Editora Almedina – “Manual de como construir o futuro nas empresas familiares” e “Um mundo à nossa espera, manual de globalização”. Escreve regularmente em vários órgãos de comunicação social especializada. Desde 2023 é presidente do Conselho de Família e da Assembleia Familiar do grupo Portugália e membro do Conselho Consultivo da GWIKER.

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