Entrevista/ “A excelência não é um ponto de chegada, mas sim um hábito diário”

Nuno Melo, CEO e cofundador da Nexus Capital

“O nosso crescimento chamou naturalmente a atenção dos grandes players tecnológicos europeus, como a emagine, que identificou na Boost IT e na Hexis um grande potencial para expandir as suas operações e oferta. Quando se dá um reconhecimento desta magnitude, é inevitável considerar o que é melhor para as empresas e para as suas equipas”, afirma Nuno Melo, CEO e cofundador da Nexus Capital.

Três anos após terem criado o Nexus Capital Group, holding de investimento que detinha a Boost IT e a Hexis Technology Hub, Nuno Melo e Bruno Ribeiro venderam no final do ano passado as duas tecnológicas à emagine, empresa de consultoria empresarial e de TI, com sede em Copenhaga, capital da Dinamarca.

Incluída na lista Deloitte Technology Fast 500 EMEA 2023, a Boost IT tem escritórios em Lisboa e no Porto, e, juntamente com a Hexis Technology Hub, conta atualmente com cerca de 600 colaboradores.

Em entrevista ao Link to Leaders, Nuno Melo, CEO e cofundador da Nexus Capital, refere que “a aprendizagem num processo de M&A [fusões e aquisições – Mergers and acquisitions (M&A), na sigla em inglês] desta dimensão é comparável a tirar um curso intensivo” e que foi importante “saber rodear-se dos melhores e saber como os motivar”.

Para o responsável, que aos 18 anos saiu de Manteigas para prosseguir os estudos no Instituto Superior Técnico, Portugal sempre foi uma vantagem estratégica, “pela qualidade do talento e a capacidade de competir globalmente”. O seu foco esteve “em antecipar as dinâmicas internacionais, adaptando-nos rapidamente e mantendo os nossos valores, para criar impacto lá fora sem perder a essência”.  Sobre o futuro, Nuno Melo, que foi convidado pela emagine para assumir o cargo de Global Practice Director, antecipa que “a Boost IT e a Hexis irão transformar-se”.

Três anos após ter criado o Nexus Capital Group, surge agora a notícia da venda da Boost IT e Hexis à emagine. Como surgiu esta oportunidade?

A Nexus Capital Group é uma holding cuja principal missão é identificar, investir e potenciar projetos empresariais, impulsionando o crescimento das empresas e ajudando-as a alcançar o seu verdadeiro potencial. O objetivo é gerar valor sustentável e preparar essas empresas para desafios e conquistas ainda maiores no futuro.

Ao fundarmos a Boost IT e a Hexis partilhávamos uma visão ambiciosa: liderar o mercado tecnológico português, destacando-nos pela inovação, pela excelência nos serviços e pela capacidade de resolver os desafios mais complexos dos clientes. Ao longo dos anos, essa visão materializou-se em resultados sólidos, não só em termos financeiros, mas também na reputação conquistada tanto em Portugal como internacionalmente. Este reconhecimento reflete-se nos prémios obtidos e na relação de confiança estabelecida com clientes de renome mundial.

O nosso crescimento chamou naturalmente a atenção dos grandes players tecnológicos europeus, como a emagine, que identificou na Boost IT e na Hexis um grande potencial para expandir as suas operações e oferta. Quando se dá um reconhecimento desta magnitude, é inevitável considerar o que é melhor para as empresas e para as suas equipas. A aquisição a 100% da emagine não só reforça as nossas capacidades, mas também projeta as empresas para um patamar mais elevado, algo que faz parte do nosso propósito inicial.

“Ao analisarmos o plano de crescimento da emagine e participarmos em reuniões com a liderança da Axcel e da emagine, ficámos profundamente convencidos de que esta era a melhor decisão para o futuro”. 

O que mais vos atraiu na emagine?

O que mais nos atraiu na emagine foi o facto de ser uma empresa tecnológica em rápido crescimento, com uma visão e uma cultura muito alinhadas com as nossas. Tal como nós, acreditam firmemente no princípio da busca incessante pela excelência e na importância de colocar as pessoas no centro de tudo o que fazemos. Nunca perdemos de vista que foram as nossas pessoas que nos trouxeram até aqui, e serão elas a chave para atingirmos novos patamares de sucesso. Esta partilha de valores e objetivos assegura um total alinhamento cultural entre as duas organizações.

A aquisição pela emagine reforça aquilo que nos torna únicos: os nossos valores. Combinados com a sua experiência e visão, estamos confiantes de que esta parceria impulsionará ainda mais o nosso impacto no mercado. Além disso, a emagine conta com o apoio de um dos principais private equity nórdicos, a Axcel, que gere um capital comprometido de cerca de 4,1 mil milhões de euros. Ao analisarmos o plano de crescimento da Emagine e participarmos em reuniões com a liderança da Axcel e da emagine, ficámos profundamente convencidos de que esta era a melhor decisão para o futuro.

É importante reforçar que esta decisão não foi tomada de ânimo leve. Trata-se do culminar de um processo rigoroso e detalhado, que começou há bastante tempo, desde os primeiros contatos até ao closing do negócio no dia 4 de dezembro de 2024.

O que foi mais desafiante no processo?

Essa pergunta dava para escrever um livro! Num processo de M&A desta envergadura, praticamente tudo é desafiante, desde a escolha das equipas que nos assessoraram – neste caso, a Natixis e a Pérez-Llorca – até às inúmeras decisões críticas tomadas ao longo do percurso.

Um dos maiores desafios foi, sem dúvida, o rigor do processo de due diligence. O comprador estava igualmente assessorado por empresas de referência mundial, o que significava que nada era deixado ao acaso. Cada detalhe foi analisado ao microscópio, o que resultou num volume de trabalho e stress absolutamente intensos. Além disso, este tipo de processo é intrinsecamente “lento”, exigindo paciência e resiliência, ao mesmo tempo que nos obrigava a abdicar de muitas outras prioridades para garantir que o projeto avançava.

Outro aspeto crítico foi a confidencialidade do processo. Não podíamos alocar muitas pessoas internas, o que implicava que, enquanto o processo de M&A seguia o seu curso, continuávamos a gerir as operações diárias das empresas. Mesmo assim, conseguimos manter o ritmo de crescimento de tal forma que, na véspera do closing, fomos reconhecidos pela Deloitte como a 18.ª entre as 50 empresas que mais cresceram em Portugal. Resumidamente, cada etapa do processo foi um enorme desafio. Foram tempos de trabalho e stress intensos, mas também de grandes aprendizagens e realizações.

“A aprendizagem num processo de M&A desta dimensão é comparável a tirar um curso intensivo (…)”.

Que lições retira?

A aprendizagem num processo de M&A desta dimensão é comparável a tirar um curso intensivo, mas a lição mais importante que retiro é a confirmação de algo que sempre acreditei: a função de um líder é saber rodear-se dos melhores e saber como os motivar.

Embora as decisões finais caibam à liderança, nenhuma decisão será boa se for tomada com base em informações erradas ou com aconselhamento inadequado. É essencial construir uma equipa de confiança, composta por especialistas que tragam diferentes perspetivas e conhecimento, e garantir que cada elemento se sente capacitado e valorizado no seu papel.

Além disso, acredito que a autonomia é um pilar fundamental. Um líder deve ser capaz de delegar responsabilidades de forma eficaz, permitindo que a equipa opere com liberdade dentro das suas áreas de especialidade, sem perder o foco no objetivo comum.

Em última análise, este processo reforçou a importância de uma liderança colaborativa, informada e confiante, que se sustenta na força coletiva de uma equipa bem alinhada e motivada.

Qual o segredo para se chegar a uma faturação de 37 milhões de euros em 2024, dos quais 80% gerados nos mercados externos?

Não há um segredo mágico – o principal é trabalho árduo e consistente. Alcançar este nível de faturação exige pensamento estratégico, uma equipa unida e coesa, e uma capacidade contínua de adaptação às diferentes dinâmicas do mercado. É fundamental dedicar tempo à análise dos momentos chave do mercado e tomar decisões informadas, baseadas em dados e em métricas claras. Medir constantemente os resultados, aprender com os desafios e ajustar as estratégias quando necessário são práticas indispensáveis.

Além disso, a internacionalização requer um foco particular: compreender profundamente as necessidades de cada mercado externo, adaptar as soluções e criar relações de confiança com os clientes locais. Por fim, o sucesso vem também de uma dedicação inabalável ao negócio, ao mesmo tempo que se mantém uma visão de longo prazo e o compromisso com os valores que sustentam a empresa. Combinando tudo isto, os resultados naturalmente surgem.

“Gerir um negócio assim exige uma mentalidade global desde o primeiro dia, com processos e estruturas adaptadas a mercados diversos”.

Como se gere um negócio português, mas com os olhos sempre postos lá fora? 

No nosso caso, a pegada internacional foi maior desde o início. Gerir um negócio assim exige uma mentalidade global desde o primeiro dia, com processos e estruturas adaptadas a mercados diversos. Portugal sempre foi uma vantagem estratégica, pela qualidade do talento e a capacidade de competir globalmente. O foco está em antecipar as dinâmicas internacionais, adaptando-nos rapidamente e mantendo os nossos valores, para criar impacto lá fora sem perder a essência.

Como será a integração na emagine? Que processos terão de implementar ou de adaptar?

Acreditamos que a integração será bastante fácil, pois a emagine tem muita experiência neste tipo de processos e, ao mesmo tempo, a nossa equipa é muito madura e profissional.

Como vê a Boost IT e Hexis dentro de cinco anos? 

Com a aquisição de 100% das ações da Boost IT e da Hexis pela emagine, o futuro reserva-nos uma integração total no grupo. Mais do que apenas fazer parte da Emagine, a Boost IT e a Hexis irão transformar-se.

Acredito firmemente que os próximos cinco anos serão marcados por uma expansão global ainda mais ambiciosa, um ritmo acelerado de crescimento e uma capacidade redobrada de atrair projetos de grande impacto para Portugal. Seremos protagonistas na criação de novas oportunidades, no desenvolvimento de talento e no reforço de parcerias estratégicas.

Este ciclo será uma jornada de conquista, inovação e liderança, onde a Boost IT e a Hexis, agora como emagine, continuarão a ser uma referência no mercado internacional, promovendo excelência e valorizando o potencial do mercado português no panorama global. Juntos, estamos a criar um futuro que inspira e transforma!

“Fora do universo emagine, mantenho o interesse em investir em projetos que façam sentido para mim, desde que sejam compatíveis com as minhas responsabilidades atuais”. 

Quais são os próximos passos de Nuno Melo? Que funções irá assumir?

Em consequência do processo de M&A, fui convidado pela emagine para assumir o cargo de Global Practice Director. Estou extremamente entusiasmado com este novo desafio, pois representa uma mudança significativa em relação ao que tenho feito até agora. Acima de tudo, oferece-me a oportunidade de trabalhar diretamente com todos os mercados onde a emagine está presente, dado tratar-se de um cargo com uma abrangência global no grupo.

Vejo este papel como uma evolução natural na minha carreira e estou muito motivado para aprender com a riqueza e diversidade das geografias com as quais irei interagir. É um passo que me permitirá não só crescer profissionalmente, mas também contribuir de forma mais ampla para o sucesso global da emagine. Além disso, sou acionista da emagine o que reforça o meu compromisso com o grupo.

Fora do universo emagine, mantenho o interesse em investir em projetos que façam sentido para mim, desde que sejam compatíveis com as minhas responsabilidades atuais.

O Nuno defende que temos de ser excecionais para navegarmos os mares do presente. Mantém esta máxima nos dias de hoje?

Sem dúvida, e diria até que essa máxima se aplica a todos os mares – do presente, do passado e do futuro! Com o acesso ao vasto conhecimento e com a tecnologia a expandir constantemente os nossos horizontes, os limites estão sempre a ser redefinidos.

Veja o exemplo da Fórmula 1: em 2015, um pit stop demorava, em média, pouco mais de 3 segundos, o que já era impressionante. Hoje, o recorde mundial é de apenas 1,8 segundos para uma troca completa de pneus. Isso mostra que, mesmo quando algo já parece extraordinário, há sempre espaço para melhorar. É uma lição poderosa sobre a melhoria contínua e o compromisso com a excelência.

A excelência não é um ponto de chegada, mas sim um hábito diário. É a prática constante de desafiar o status quo e procurar superar o que parece ser o limite. É isso que nos permite não só navegar os mares do presente, mas também estar preparados para enfrentar qualquer tempestade que o futuro nos traga

Quais as competências chave que um líder deve ter hoje em dia para ser bem-sucedido?

Um líder bem-sucedido nos dias de hoje destaca-se pela inteligência emocional, visão estratégica, capacidade de adaptação e, acima de tudo, integridade. Saber ouvir, compreender as necessidades da equipa e comunicar com clareza são fundamentais para construir confiança e motivar. Com uma visão clara do futuro, o líder deve tomar decisões informadas e éticas, alinhando a equipa com objetivos comuns e inspirando resultados sustentáveis.

A capacidade de se adaptar é igualmente crucial num mundo em constante mudança. Líderes resilientes, que aprendem continuamente, ajustam estratégias com agilidade e mantêm um comportamento íntegro, conseguem superar desafios e aproveitar oportunidades. Com estas competências, um líder não só navega os desafios do presente, mas também prepara a organização para prosperar no futuro, sempre com credibilidade e confiança.

“O país ainda enfrenta desafios significativos, como uma burocracia excessiva, instituições que muitas vezes não funcionam com a eficiência necessária (…)”.

No último “Fast 500 EMEA”, Portugal tinha 16 empresas, era o 10.º país europeu com mais empresas representadas. O maior era o Reino Unido. Olhando para os dados deste ano, poderá repetir-se esse desempenho? E haverá capacidade de Portugal melhorar?

Portugal tem demonstrado um forte crescimento no setor tecnológico, o que pode permitir repetir o desempenho no “Fast 500 EMEA” com 16 empresas representadas. No entanto, o país ainda enfrenta desafios significativos, como uma burocracia excessiva, instituições que muitas vezes não funcionam com a eficiência necessária e um sistema fiscal complexo e desajustado às reais necessidades de pessoas e empresas. Superar essas barreiras será essencial para potenciar o talento e a inovação, permitindo a Portugal consolidar-se como um verdadeiro hub de excelência na Europa.

O Nuno Melo é hoje uma pessoa diferente daquela que há sete anos fundou a Boost IT e Hexis?

No essencial, continuo a ser a mesma pessoa que, com 18 anos, saiu de Manteigas para Lisboa de forma a prosseguir os seus estudos no IST. Os princípios e valores que os meus pais me transmitiram permanecem inalterados e são a base do meu caráter.

Contudo, o percurso que fiz ao longo destes anos trouxe-me inúmeras aprendizagens e histórias que moldaram a minha visão e a minha experiência. Se algo mudou, foi precisamente o meu know-how e a bagagem que adquiri ao longo do caminho. Considero-me um eterno estudante. Hoje, ao olhar para os jovens, sinto que posso partilhar um pouco do que aprendi, oferecendo conselhos e perspetivas que possam fazer a diferença nas suas jornadas

Se pudesse, o que teria feito de diferente? 

Sinceramente, esse não é um tema no qual costumo pensar. O que foi feito está feito, e acredito que todas as decisões, sejam elas certas ou erradas, contribuíram para o que sou hoje. É natural que se alguém tivesse a oportunidade de voltar atrás, provavelmente ajustaria algo aqui ou ali. No entanto, como isso não é possível, prefiro focar-me no presente e no que ainda posso construir, em vez de gastar energia a pensar em cenários hipotéticos. O importante é aprender com o passado e usá-lo como uma ferramenta para continuar a evoluir.

Que conselhos daria a um empresário que quer vender a sua empresa a um fundo de investimento? 

Começo por destacar a importância de manter a empresa bem estruturada e gerida de forma profissional. É essencial que todas as operações estejam documentadas com clareza e qualidade, proporcionando transparência e confiança aos potenciais investidores.

No que diz respeito à avaliação, o EBITDA desempenha um papel crucial, pois é um dos principais indicadores analisados pelos fundos. Além disso, a empresa deve demonstrar um histórico sólido de crescimento consistente ao longo dos anos, o que reforça a viabilidade do negócio a longo prazo. Por fim, o negócio deve estar bem organizado em todas as áreas, incluindo processos internos, equipa, e estratégia de mercado, para maximizar o interesse e a perceção de valor do fundo de investimento.

Projetos para o futuro que gostaria de realizar?

Além dos desafios profissionais que enfrento atualmente, estou envolvido em vários projetos, com destaque para iniciativas de caráter social que tenho desenvolvido ao longo dos últimos anos. Paralelamente, procuro oportunidades para apoiar jovens empresários e empreendedores nos seus projetos, acreditando que a minha experiência pode ser uma mais-valia para quem está a começar. Por isso, tenho interesse em envolver-me ativamente em comunidades de empreendedorismo em Portugal.

Adicionalmente, mantenho-me atento a oportunidades de investimento que sejam alinhadas com os meus objetivos pessoais. Estou sempre à procura de formas de crescer e contribuir em diferentes áreas.

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