Entrevista/ “Estamos a atravessar um momento social em que a confiança é um elemento muito importante”

Pedro Diogo Vaz, Senior Partner da Superbrands

“O digital, em particular, é um canal que tem vindo a afirmar-se como relevante e cada vez mais explorado pelas marcas. Contudo, a componente de estratégia da marca não pode ser desvalorizada”, refere Pedro Diogo Vaz, Senior Partner da Superbrands em Portugal.

Identificar e distinguir as marcas que em cada mercado estão no Top of mind dos consumidores é a missão que a Superbrands tem vindo a desenvolver há 20 anos em Portugal. Anualmente, a iniciativa, que se realiza em 89 países, atribui o selo de excelência às marcas que mais se destacam, num processo baseado num estudo feito aos consumidores e na opinião do Conselho das Superbrands.

Há duas décadas que o projeto se assume como um indicador do impacto que as marcas alcançam junto do mercado, como explica ao Link to Leaders Pedro Diogo Vaz que lidera o projeto em Portugal e em Angola.

Depois de duas décadas a distinguir as marcas presentes no mercado nacional, como analisa o impacto criado no meio empresarial?
Nestas duas décadas temos assistido a uma solidificação da credibilidade do projeto, principalmente junto dos profissionais, maioritariamente ligados às funções de gestão, marketing e comunicação. O mercado tem observado um grande crescimento de projetos de premiação, muito diversificados e com modelos de avaliação completamente distintos e, nesse contexto, o meio empresarial é por vezes muito retrativo.

Contudo, há dois aspetos que têm ajudado na credibilização do projeto: o primeiro é, ao longo das 20 edições, podermos contar com a participação de cerca de 300 profissionais no Conselho, permitindo que conheçam a fundo a metodologia e desconstruam eventuais dúvidas ou desconfianças que pudessem ter, permitindo solidificar essa maior confiança; o segundo é que os dados anuais do estudo têm vindo, nos últimos anos, a mostrar um maior reconhecimento e confiança da distinção por parte dos consumidores.

Ao fim de 20 anos, um dos aspetos cruciais que acreditamos credibilizar o projeto Superbrands é o facto de ser a única premiação que distingue as marcas de forma completamente autónoma, sem qualquer envolvimento prévio ou participação das marcas na fase de análise e desenvolvimento do estudo.

“(…) o que distingue a marca como sendo de excelência é o impacto que ela tem no mercado em que atua”.

O que distingue uma marca/empresa de excelência?
No âmbito da metodologia Superbrands, o que distingue as marcas como sendo de excelência é o equilíbrio entre a forma como ambos – o consumidor e o “profissional das marcas” – veem a relevância de cada uma.

Ao nível do consumidor, é essencialmente o impacto que determinadas marcas têm instintivamente na sua cabeça ou no seu coração, ou seja, a forma como a marca é espontaneamente mencionada, sem ter que se “justificar” a razão pela qual é referenciada. Ao nível do profissional que integra o conselho, decorre da sua visão assumidamente profissional, mais ligada às estratégias, impactos e resultados que cada um atribui à marca, ou seja, o que distingue a marca como sendo de excelência é o impacto que ela tem no mercado em que atua.

Ao longo dos anos, quais têm sido os setores de mercado mais dinâmicos na conquista de clientes?
A análise Superbrands é feita sem que seja imposta qualquer “categorização” na referenciação às marcas que são instintivamente mencionadas. Nessa matéria, faz com que cada entrevistado possa referenciar o que para si, pessoalmente, surja mais instintivamente na sua “cabeça”, sem ter de estar associado a categorias ou setores específicos.

Ainda assim, é possível aferir que as áreas que mais se destacam “instintivamente” nos últimos anos em Portugal, com maiores números de referenciação espontânea pelo consumidor, são a distribuição, setor automóvel, IT e eletrónica de consumo, moda e acessórios, laticínios, cosmética e perfumaria, eletrodomésticos e higiene pessoal.

“O digital, em particular, é um canal que tem vindo a afirmar-se como relevante e cada vez mais explorado pelas marcas”.

Que diferenças têm sentido na forma como as marcas abordam o consumidor, cada vez mais informado e exigente?
As marcas têm procurado, ao longo da história, encontrar eixos alinhados com a evolução da visão dos consumidores. O digital, em particular, é um canal que tem vindo a afirmar-se como relevante e cada vez mais explorado pelas marcas. Contudo, a componente de estratégia da marca não pode ser desvalorizada, pois é assumidamente um dos aspetos impactantes na visão de médio e longo prazo.

Apesar de poder parecer suspeito, fruto da minha faixa etária (que cada uma traz visões distintas…), acredito que se tem verificado uma minimização da relevância que as componentes estratégica e criativa aportam ao valor da marca junto do mercado e do consumidor, no médio e longo prazo, e se tem investido maioritariamente na afirmação do “imediato”, com o digital a ter esse maior impacto e responsabilidade.

Esse será um dos aspetos que deverá ser repensado pelas marcas, para conseguirem investir no impacto a longo prazo. Edson Athayde, por exemplo, recentemente relembrou uma (sua) campanha que se tornou “histórica” – o “Tou xim” da então Telecel – e que, decorridos quase 30 anos, continua a estar na memória dessa geração, pelo impacto que gerou na altura.

“(…) a preferência das marcas nacionais está entre 25% a 35% das referências no Top 20+, o que constitui (…) um desafio e uma oportunidade”.

Os portugueses já valorizam mais as marcas/empresas nacionais, ou as preferências ainda vão para as globais?
Portugal, sendo um território pequeno e com uma história de grande abertura ao mundo em geral, é um país que valoriza muito as “suas” marcas, mas continua a ser muito disponível, aberto e cativado por marcas de referência global e multinacional.

Em 2021, os nossos dados no Estudo ao Consumidor mostravam que, nas 20 marcas de topo referenciadas pelo consumidor, apenas cinco eram portuguesas, valor que cresceu para sete em 20 no estudo de 2023. Ou seja, a preferência das marcas nacionais está entre 25% a 35% das referências no Top 20+, o que constitui simultaneamente um desafio e uma oportunidade.

Um excelente exemplo deste tema de diversidade é o facto de muitas marcas fundadas e produzidas em Portugal assumirem no seu Branding designações internacionais, sendo a moda um dos grandes exemplos, com marcas como Sacoor Brothers, Fly London, Salsa, Lion of Porches ou Parfois a terem grande impacto nacional, mas também internacional.

O que é que as empresas devem fazer para serem relevantes?
Um dos desafios que considero muito relevante – e que decorre da visão do fundador do projeto, que era jornalista da BBC e que ainda persiste nos dias de hoje – é conseguirmos passar, aos profissionais, a mensagem de que falar da marca é muito mais do que ter uma visão meramente comercial.

Um dos aspetos cruciais é que as marcas têm de concentrar a sua comunicação numa visão de abordagem estratégica, em visões que vão muito além do seu propósito comercial. Há marcas que conseguiram afirmar a sua estratégia de forma impactante e única, e que nunca nos saem da cabeça, independente de serem ou não número um em vendas. Deixo alguns exemplos… como referimos um Post-It se não o referenciarmos desta forma? Ou um Tupperware… ou um IceTea? E… será que são as marcas com maior percentagem de vendas no mercado? Podem não ser, mas isso não as torna menos relevantes ou menos referenciáveis.

Por isso, o que acredito que as marcas devem fazer é – ao “mergulharem” no mercado – olhar da mesma forma que se olha para um lago: de forma aberta, assumindo se querem mergulhar nas “águas vermelhas” (repleta de piranhas) ou se preferem arriscar e inovar, entrando nas “águas azuis” que poderão trazer grandes desafios, mas também grandes oportunidades. Ou seja, encontrar eixos que permitam entrar, de forma impactante, na cabeça e coração das pessoas.

 Atualmente, qual o papel de uma iniciativa como a vossa na dinamização da economia ou no eventual sucesso de uma empresa?
Confiança e reconhecimento. Estamos a atravessar um momento social em que a confiança é um elemento muito importante e cada vez mais desafiador para os negócios e para a economia em geral. Se as premiações não conseguirem centrar-se nesta matéria e não conseguirem transmitir e solidificar essa mensagem – quer para as empresas, quer para o mercado – será sempre um enorme desafio.

Um dos exemplos que gosto de realçar é que muitas das marcas Superbrands têm uma relação de confiança muito grande com os clientes, não apenas pela estabilidade ou impacto dos seus produtos e serviços, mas porque sedimentam muito a sua abordagem diversificada ao mercado, por exemplo, em áreas como a responsabilidade social. Temos vários exemplos de marcas cujas iniciativas nesta matéria conseguem impactar positivamente a população, independentemente de podermos adquirir ou não aquele produto ou serviço.

Além de Portugal, a Superbrands também está em Angola. O que distingue os dois mercados e como é que localmente as empresas valorizam este selo de excelência?
A Superbrands está presente em 89 países a nível mundial, apesar do projeto não se realizar anualmente em todos eles. Sob minha responsabilidade está a gestão de ambos os mercados de Portugal e Angola, sendo que devemos olhar para ambos os países como duas realidades completamente distintas, quer ao nível das oportunidades, quer dos desafios que oferecem.

Em Portugal, o estudo ao consumidor é – já há alguns anos – feito através de plataformas online, enquanto em Angola continuam-se a fazer entrevistas na rua, face às diferentes realidades sociais. Temos marcas que apuram anualmente e, nas 19 edições já realizadas, algumas participaram, por sua opção, em quase todas as edições (o que evidencia também a sua sedimentação no mercado). Em Angola, em paralelo, apesar de algumas estarem já nas 10 edições, temos marcas que sendo de elevada relevância num determinado ano, um ou dois anos depois deixam o mercado e “desaparecem” imediatamente da cabeça dos consumidores.

Os dados do estudo em ambos os países mostram que existe um bom reconhecimento e valorização do Selo de Excelência pelo Consumidor, independentemente de poder não saber exatamente como funciona. No caso de Angola, em particular, o Selo Superbrands é amplamente reconhecido há vários anos, sendo a referência para as marcas no mercado e para a captação do interesse dos consumidores.

Qual a estratégia da empresa Superbrands para manter este projeto atual, inovador e adaptado a nova realidade, cada vez mais tecnológica?
A estratégia tem de ser ajustada aos diferentes mercados em que atua. Apesar da “fixação” que a tecnologia vai trazendo em termos de impacto social, não devemos nunca abdicar do conceito da inovação, pelo que pretendemos continuar a inspirar as marcas e os profissionais a olhar para lá do imediato.

O principal eixo da estratégia concentrar-se-á em manter o princípio de idoneidade, de que distinguir as marcas é um reconhecimento espontâneo e de que falar sobre as marcas é muito mais que “vender as marcas”.

Acredito muito – e tento diariamente passar esta mensagem – que “se formos só mais um, seremos um a mais”. Esta frase é um pequeno ajuste à frase do Dr. António Pinto Leite, presidente da Comissão Instaladora da ESCS – Escola Superior de Comunicação Social em Lisboa, no seu discurso de inauguração do atual edifício, em janeiro de 1994 (ano em que terminei o meu primeiro curso superior), e considero uma frase fulcral, que nunca me sairá da cabeça.

O que podemos esperar do projeto Superbrands no futuro?
Há dois objetivos cruciais. O primeiro é que continuaremos a trabalhar para afirmar que falar de marcas é muito mais que “vender” as marcas, pois esse nunca será o objetivo central do projeto. O segundo é que não desistiremos de solidificar a mensagem de que o projeto se baseia em idoneidade e transparência.

Queremos continuar a destacar a relevância das marcas e dos profissionais nos diversos mercados, bem como a promover e inspirar a visão de que – na relação das marcas com os consumidores – se deve privilegiar o seu impacto em diversas dimensões. Esperamos, daqui a mais 10 anos, poder continuar a solidificar essa visão, acompanhando as inovações e os desafios que vão surgindo diariamente em termos da sociedade.

“(…) Será determinante abrirmos as portas a novos desafios, mas não conduzirmos apenas a olhar para a frente (…)”.

Está nos vossos planos recorrer às novas tecnologias (como a IA, por exemplo) para melhorar o vosso produto?
Não sabemos responder no imediato a essa pergunta. Procuramos maioritariamente explorar estes temas como desafios e oportunidades, ou seja, olhando para as perspetivas positivas que podem trazer, mas para os desafios que também podem significar.

Quando surgiu a televisão, assumia-se aquilo que iria comprometer a rádio (e que se tornou numa música emblemática: “Video killed the radio star”). Quando o audiovisual arrancou no mundo digital, a televisão iria “morrer”. A verdade é que, nos dias que correm, a rádio passa em antena e nas plataformas, com som e imagens de vídeo, a TV continua a ser referencial em antena, com abordagens em plataformas digitais, e a imprensa projeta-se em formatos papel, digital e audiovisual. Tudo vai evoluindo e acompanhando o progresso da realidade.

Neste contexto (e na minha visão pessoal) considero que prever que as marcas poderão abdicar de definir a sua estratégia – porque ela será definida “artificialmente” de forma totalmente “inteligente” – é o equivalente a entrar num território inóspito sem que sejam definidos quaisquer propósitos. Enquanto mantiver a gestão do projeto, entendo que será determinante abrirmos as portas a novos desafios, mas não conduzirmos apenas a olhar para a frente, pois os retrovisores continuarão a ser importantes para nos orientarmos no caminho correto.

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