Entrevista/ “A evolução tecnológica tem permitido resolver problemas de forma mais fácil”

“Os fatores ambientais, sociais e de governance (ESG) são hoje determinantes para a resiliência do futuro da economia, das empresas e da sociedade”, afirma Carlos Torres, CEO da Resul, empresa que há vários anos leva energia a muitos países africanos.
Com quatro décadas de atividade no setor da energia, a portuguesa Resul desenvolve, produz e implementa soluções de fornecimento para redes de distribuição de energia, particularmente em África, um dos seus maiores focos de exportação e onde tem desenvolvido muitos projetos no setor da energia. Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe ou Guiné-Bissau são alguns mercados onde tem trabalhado para responder às necessidades das comunidades locais.
O CEO Carlos Torres, destaca que a missão da empresa em proporcionar equipamentos e infraestruturas em comunidades onde ela ainda é escassa ou inexistente, promove melhores condições de vida, inclusão social e desenvolvimento económico. “Reconhecemos que criamos as bases para atrair investimento, fomentar novas atividades económicas e fortalecer a resiliência das comunidades”, afirma em entrevista ao Link to Leaders.
Quando se fala em energia, quais as preocupações empresariais de uma organização como a Resul que se reparte por várias geografias?
As preocupações empresariais da Resul centram-se, sobretudo, em contribuir para a expansão da eletrificação em regiões onde esta ainda é escassa, desenvolvendo infraestruturas e fornecendo soluções que promovam o progresso local. Uma vez que a taxa de cobertura elétrica em várias áreas do globo ainda é pouco expressiva, investimos numa presença local contínua, através da criação de parcerias estratégicas. África é o nosso principal mercado, sendo que a consolidação do nosso negócio nos países africanos levou a que abríssemos escritórios em Angola, Moçambique e Cabo Verde, países com os quais temos estabelecido parcerias recorrentes e nos quais temos implementado vários projetos.
Qual a estratégia para estar 40 anos ativamente o mercado?
A nossa longevidade no mercado, especialmente em geografias desafiantes como o continente africano, assenta numa estratégia de proximidade, adaptação e compromisso com as realidades locais. Enquanto PME, beneficiamos da flexibilidade e dinamismo característicos das empresas de menor dimensão, o que permite uma maior personalização de soluções e processos. Esta agilidade tem sido essencial para responder às necessidades específicas de cada país, respeitando sempre as suas culturas, ritmos e formas de trabalhar.
Nos PALOP, a Resul consolidou-se como um parceiro estratégico para o desenvolvimento do setor energético. Esta presença prolongada foi possível graças à capacidade de adaptação a diferentes prazos, condições comerciais e logísticas e a um profundo conhecimento do contexto africano, onde poucas empresas se arriscam a atuar com presença direta.
Quais os projetos mais emblemáticos desenvolvidos nesse território?
A nossa atuação em África, em especial nos PALOP, tem-se traduzido em projetos com impacto real nas comunidades e no desenvolvimento das regiões. Entre os mais emblemáticos destaco a aplicação do dispositivo Ready Board, que permitiu eletrificar mais de 200 mil habitações em vários países africanos. Este equipamento foi especialmente pensado para contextos habitacionais onde não existem condições adequadas para a instalação convencional de tomadas elétricas, proporcionando uma solução prática, segura e adaptada à realidade local.
Outro exemplo relevante é o projeto de reabilitação da Baía das Gatas, na ilha de São Vicente, em Cabo Verde. Este projeto transformou um dos principais pontos de lazer da cidade, criando um espaço mais seguro, funcional e agradável para a população. O impacto foi tal que o próprio primeiro-ministro cabo-verdiano o destacou como uma nova referência para a ilha. Além desta reabilitação, colaborámos ainda no Projeto Cabo Verde 100% LED, que permitiu a iluminação 100% LED do Tarrafal de Santiago, ou na instalação de centrais fotovoltaicas em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe.
Como é que a transformação tecnológica tem mudado o vosso setor de atividade nos últimos anos?
A evolução tecnológica tem permitido resolver problemas de forma mais fácil, contribuindo com novas soluções e novos equipamentos para a melhoria da qualidade dos sistemas elétricos. Com a transformação da produção de energia e integração de cada vez mais energia renovável, há ainda muito por fazer ao nível da sensorização dos ativos de redes, assim como a necessidade de uma maior inteligência da rede, o que será muito relevante para contribuir para uma maior resiliência dos sistemas.
“Os fatores ambientais, sociais e de governance (ESG) são hoje determinantes para a resiliência do futuro da economia, das empresas e da sociedade”.
E qual o peso que as normas ESG têm no vosso dia a dia empresarial?
Os fatores ambientais, sociais e de governance (ESG) são hoje determinantes para a resiliência do futuro da economia, das empresas e da sociedade. A nossa missão em proporcionar equipamentos e infraestruturas em comunidades onde ela ainda é escassa ou inexistente, promove melhores condições de vida, inclusão social e desenvolvimento económico, pelo que reconhecemos que criamos as bases para atrair investimento, fomentar novas atividades económicas e fortalecer a resiliência das comunidades.
Neste sentido e além do impacto claro na eletrificação, acabamos por ter um impacto muito mais abrangente. Além disso, num contexto global marcado por instabilidade geopolítica e desigualdades acentuadas, a aplicação prática dos princípios ESG deixa de ser uma opção e torna-se uma necessidade, sendo que temos trabalhado para melhorar várias carências e lacunas.
Qual a estratégia da empresa no que respeita às energias renováveis? Com se adaptaram a esta nova realidade?
As energias renováveis são um complemento da nossa atividade, sendo que a estratégia assenta em identificar projetos e oportunidades com impacto relevante, como sejam permitir o acesso à energia em zonas remotas onde a rede elétrica ainda não chega, ou projetos em que podemos mitigar as falhas de energia recorrendo a sistemas de armazenamento de energia, evitando a necessidade de utilização de geradores. Este acaba por ser o caminho natural, de irmos acompanhando e contribuindo para o desenvolvimento dos países onde estamos presentes com soluções para os problemas existentes.
“Este deve ser o primeiro aspeto a ser trabalho pelas empresas portuguesas: conhecer efetivamente o mercado onde vão trabalhar (…)”.
O que podem as empresas portuguesas fazer pela eletrificação nos países africanos? Qual deve ser o seu papel?
As empresas têm visões diferentes do mercado, assim como oferecem e acrescentam valor de modo distinto. No nosso caso, acreditamos que o que nos distingue face a outras empresas portuguesas é o facto de termos uma maior compreensão do funcionamento dos negócios nos países onde atuamos, sendo que somos destacados como uma empresa de confiança e flexível. Este deve ser o primeiro aspeto a ser trabalho pelas empresas portuguesas: conhecer efetivamente o mercado onde vão trabalhar, neste caso, os países africanos, e demonstrar capacidade de adaptação, pois existem várias diferenças e assimetrias que devem ser tidas em conta.
Além disso, é fundamental que as empresas portuguesas adotem uma abordagem de parceria em vez de imposição. É necessário atuar em conjunto com governos e empresas e até comunidades e organizações não-governamentais para criar soluções de eletrificação que sejam sustentáveis, acessíveis e adaptadas às realidades locais.
Diferenciação e globalização continuarão nos planos futuros da Resul?
O nosso grande foco nos últimos anos tem sido o contacto e o desenvolvimento de projetos noutros países. Em 2024, as nossas exportações representaram 65% da nossa atividade e estabelecemos negócios em Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Argélia, Líbia, Senegal, Mauritânia, Burundi, e fora de África, em países como Espanha, França, China e Suriname.
A diferenciação é, sem dúvida, outra das palavras que nos define. Já estivemos envolvidos em projetos de reabilitação de espaços de lazer, eletrificação de centrais, eletrificação de habitações, o que mostra o nosso leque abrangente de atuação. A eletrificação é uma necessidade transversal a vários locais e a diversos tipos de infraestruturas, pelo que a diversificação continuará a ser uma das nossas grandes valências e apostas.
O que têm em agenda, para os próximos tempos, em termos de inovação e expansão geográfica?
Atualmente, estamos a desenvolver um projeto de automatização da central de enchimento de garrafas de gás em São Tomé e Príncipe, ao qual se junta recentemente a adjudicação para a instalação de uma nova central fotovoltaica no mesmo país. A automatização desta central permitirá aumentar a eficiência operacional e agilizar processos críticos na distribuição de gás. Além disso, já temos encomendas em curso para Moçambique e uma nova empreitada em Cabo Verde. No que toca a expansão para outros países, destacamos a Argélia, onde já assinámos um contrato de valor expressivo, e ainda a Tunísia, um mercado com elevado potencial estratégico.