Opinião

A determinação do povo ucraniano

Eugénio Viassa Monteiro, professor da AESE-Business School*

Não é fácil de entender a invasão da Ucrânia pelas tropas da Rússia. Como é que um país soberano, com armas sofisticadas, ameaça e invade outro país soberano, quase sem armas para se defender? Estamos no tempo de Alexandre Magno, quando só a força contava? Os tempos mudaram e a civilização tem novos contornos…

É verdade que um Estado, mesmo soberano, tem de saber situar-se, conhecer a entourage, para agir com prudência. As decisões podem não ser totalmente autónomas, pode haver limitações ditadas pelos receios de segurança dos vizinhos.

Tornou-se útil a doutrina Monroe, imposta pela força e atribuída ao então Presidente dos EUA, de que “os EUA não permitiriam aos países europeus interferir com governos independentes na América”. Ela tem tido interpretações mais livres para se proteger das ameaças de armas de outros países, quando localizadas próximo.

Em 1962, John Kennedy, então Presidente dos EUA criou uma autêntica tempestade quando Krustchev, Secretário-Geral do PC da URSS, quis instalar mísseis em Cuba. Foram dias de grande tensão, com Cuba cercada pelos EUA, até que Krutschev desistiu da ideia, que causava pânico nos governantes americanos. Os seus principais alvos ficariam ao alcance de tais mísseis.

Poderia ter-se evitado a atual crise? Não tem a Ucrânia o direito de se aliar a quem quiser, para trazer desenvolvimento e bem-estar à sua gente? Há quem pense que a NATO teve atitudes ousadas de avançar até às portas da Rússia, a pedido dos países que antes estavam na esfera de influência da União Soviética. Deveria a Ucrânia pensar se os seus avanços seriam provocação e insegurança para a Rússia, pela ameaça das armas da NATO? Talvez.

Contudo, havia também sobejas razões para que a Ucrânia não se sentisse confortável com os governantes da Rússia: houve quem quisesse convencer o mundo de que a Ucrânia não era um país, mas parte da União Soviética e que fora algo inventado por Stalin… Se Stalin fez algo, foi martirizar a Ucrânia, talvez para reduzir a importância de Kiev. Em 1932 e 33, Stalin despojou a Ucrânia de todos os alimentos, mandou confiscá-los, pondo a soldadesca russa a controlar as regiões de produção de alimentos, para não deixar ninguém sair. A fome que se seguiu com a confiscação e venda de alimentos parece ter morto cerca de 7 milhões de ucranianos. Pense-se em milhões de crianças subalimentadas que ficaram física e intelectualmente diminuídas por causa da fome. Há académicos que pensam que a fome foi planeada por Stalin para eliminar o movimento de independência da Ucrânia.

Stalin lembra Churchill, que em 1943, quando era Primeiro-Ministro do Reino Unido, foi responsável pela fome e morte de entre 1 a 4 milhões de Bengalis (cidadãos de West-Bengal, Índia), ao ter-se negado terminantemente a distribuir alimentos às pessoas que estavam a sucumbir, mesmo quando os armazéns estavam cheios; e, antes, boa parte de alimentos ter sido desviada de Calcutá para as tropas aliadas na Europa! A arrogância dos que manipulam o poder pode ser assassina! Foi-o com Stalin, depois com Churchill…

Está-se perante uma invasão, na qual a Ucrânia se defende com determinação, ainda que destruída por bombardeamentos, em grande desproporção de armas.

O povo da Ucrânia insurgiu-se, na convicção firme de defender a sua identidade, a integridade da sua terra e o direito a ser livre. É uma grande lição para o mundo: é bom de se ver um povo assim, com convicções e firme na defesa do que é seu! Os que morreram, cumpriram a sua missão, são heróis.

A tremenda carga de destruição e mortes espalhadas pela então União Soviética e agora pela Rússia, só parece ter algum paralelo na História com todo o período colonial. Os colonizadores eram senhores absolutos, muitos deles sob a capa de regimes democráticos e mestres da democracia, aprovando ao mesmo tempo leis como a da escravatura, aprisionando quantos não lhes convinham, por causarem problemas e denunciarem situações injustas. Evoluímos muito, mas talvez não ainda o suficiente…

*Professor da AESE-Business School, do IIM Rohtak (Índia) e autor do livro “O Despertar da Índia”

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Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro, cofundador e professor da AESE, é Visiting Professor da IESE-Universidad de Navarra, Espanha, do Instituto Internacional San Telmo, Seville, Espanha, e do Instituto Internacional Bravo Murillo, Ilhas Canárias, Espanha. É autor do livro “O Despertar da India”, publicado em português, espanhol e inglês. Foi diretor-geral e vice-presidente da AESE (1980 – 1997), onde teve diversas responsabilidades. Foi presidente da AAPI-Associação de Amizade Portugal-India e faz parte da atual administração. É editor do ‘Newsletter’ sobre temas da Índia,... Ler Mais..

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