Opinião
A (crescente) importância da experiência

Ao longo do dia, todos os dias, damos por nós a utilizar canais digitais para efetuar um conjunto de tarefas com os mais diferentes objetivos, tanto a nível pessoal como profissional.
A tecnologia ganhou, há muito, um lugar sempre presente nas nossas vidas e hoje os dispositivos que usamos são autênticas extensões de nós, que nos permitem cumprir vários propósitos. É uma realidade que atravessa gerações, que se reveem na tecnologia de diferentes formas e a usam de maneiras distintas, mas que cria um elo de ligação comum – independentemente do background técnico de cada um. E se há uma variável que tem um impacto tremendo na adoção e utilização destas ferramentas e plataformas, mais do que a tecnologia usada para as implementar, é a experiência que é oferecida aos diferentes utilizadores, ajustada à realidade do momento, contextual e personalizada.
Numa era pré-pandemia era já possível ver os passos que várias empresas estavam a dar em direção a esta visão – a de valorizar a arquitetura da experiência pelo menos ao mesmo nível da arquitetura da solução, do ponto de vista tecnológico. Em várias empresas se viram movimentos que concretizavam esta nova abordagem, e não são invulgares os exemplos de equipas focadas em “Design Interno” que começaram a ser cada vez mais envolvidas em iniciativas mais viradas para o User Experience (UX) e não apenas de UI, para clientes externos.
Algumas empresas de tecnologia criaram, inclusivamente, equipas com estas capacidades de forma a responder a projetos que tinham, de alguma forma, “uma cara” para o cliente, seja um site, uma app mobile ou até um chatbot. O objetivo, em algumas realidades mais claro e noutras mais uma consequência do mercado, era apostar na criação de algo que trouxesse valor ao cliente, que o ajudasse a cumprir determinadas tarefas e que o lhe criasse a vontade de voltar – para que as marcas conseguissem estabelecer, cada vez mais, uma relação de proximidade.
Apesar de todas as vantagens desta abordagem, e como acontece também em outras situações, não é difícil também encontrar exemplos menos felizes. Quando a experiência deixa de valorizar verdadeiramente o utilizador, que deverá estar no centro de tudo o que fazemos, para em vez disso valorizar apenas os interesses da empresa, enveredamos por um caminho sinuoso – que por vezes até pode dar resultados a curto prazo, mas que a médio/longo prazo será sempre menos produtivo, e podendo em casos extremos criar uma má perceção da marca com os clientes. Cada vez fica mais claro que a experiência não é algo que se possa materializar de uma forma consistente com a teoria de Milton Friedman sobre a responsabilidade das empresas para com os seus shareholders. Hoje em dia, os verdadeiros shareholders de muitas empresas são os utilizadores e sem os ter em conta em algumas vertentes do que fazemos, estamos a criar as bases para o falhanço.
Embora todos estes aspetos já fossem visíveis antes de o mundo ser tomado de assalto pela atual pandemia, a verdade é que a situação em que vivemos se tornou um verdadeiro catalisador. Se dantes poderíamos ter resistência, por parte de alguns utilizadores / clientes, aos canais digitais, essa resistência teve de ser, sem margem para hesitações, esquecida. Quando nos vimos forçados a estar em casa meses a fio, reduzindo ao mínimo as interações sociais e tendo de lidar com barreiras que nos impediam de fazer, de forma “física”, tudo o que anteriormente fazíamos, a tecnologia foi o único meio para atingir vários fins. Desde formas de interagirmos com as pessoas de quem sentíamos falta até passarmos a comprar várias coisas online que antes sentíamos “ter de experimentar primeiro”, foram vários os exemplos de como os padrões de comportamento mudaram, criando formas de estar e de ser que dificilmente desaparecerão – mesmo quando voltarmos ao “normal que nos espera”.
A consequência de tudo isto foi que os canais digitais ganharam ainda mais importância, ao mesmo tempo que também se tornaram mais concorrenciais. Do ponto de vista profissional multiplicam-se os eventos online, webinares e outras iniciativas digitais para tentar contrapor a impossibilidade de nos encontrarmos fisicamente – criando cada vez mais dificuldades para as empresas comunicarem de forma eficaz com os clientes a quem querem chegar, lutando por um lugar de destaque num qualquer feed. A nível pessoal surgiram várias “novas” formas de fazermos o que já fazíamos, vendo tendências crescentes de compras online e até apps de realidade aumentada que nos permitem ver, na nossa sala, como ficará a nova peça de mobília – acessível à distância de um par de cliques.
No meio de tudo isto, e num mundo onde as marcas se debatem por atenção dos clientes e por chegar à fala com os mesmos de forma relevante, volta a surgir algo que fará toda a diferença: a experiência. E não falo apenas do UX/UI da nova app ou do site, falo em repensarmos, por completo, a experiência que queremos entregar aos verdadeiros shareholders – os utilizadores. Não se trata apenas de criar “versões digitais de experiências físicas”, mas sim de repensar conceitos e formas de comunicar com base no mundo novo que vivemos, nas tecnologias à nossa disposição e nas expetativas dos utilizadores, ajustadas a toda esta realidade.
Não se trata apenas de “fazer mais um webinar” ou “tornar o evento digital”, trata-se sim de pensar como podem estas iniciativas ser executadas de uma forma que realmente traga valor para quem nelas participa. Não se trata apenas de permitir comprar uma nova cadeira para a sala ou um par de latas de tinta para darmos um novo ar ao quarto – trata-se de perceber como podemos usar a tecnologia, por exemplo, para mostrar às pessoas como ficará a sua casa após as mudanças, através de realidade aumentada, e de permitir que a compra se faça através de um assistente virtual.
Estes são apenas alguns exemplos que pretendem passar uma mensagem simples, mas altamente relevante: num mundo onde o nível de ruído a que somos expostos, de diferentes formas, é cada vez maior a axperiência é que criará uma relação com os utilizadores duradoura e de confiança, orientada às suas expetativas e aos objetivos das empresas.
Para finalizar, convido-vos a pensarem em algumas das situações que vivemos ao longo dos últimos meses que, no meu entender, mostram a força que algumas experiências têm, mesmo sem qualquer base tecnológica, e que marcam as pessoas que com elas têm contacto. Quantos de nós não viram mensagens de apoio nos prédios, em que alguns vizinhos se ofereceram para ajudar quem tivesse mais necessidade e fosse de risco, nas suas compras diárias?
Quantos de nós foram surpreendidos com uma nova forma de falar e sermos recebidos em diferentes lojas onde já íamos há tanto tempo? Quantos de nós se sentiram emocionados quando se ouviram os aplausos a todos os profissionais de saúde pelo esforço hercúleo que estavam a levar a cabo? Nenhum destes exemplos é tecnológico, mas todos estão relacionados com as emoções que sentimos ao viver cada uma desta situações.
E é aqui que acho que está o maior desafio – a capacidade de criar este tipo de emoções, fortes e vincadas, em cada um de nós, que diariamente dependemos de tecnologia e de canais digitais para tanta coisa. E acredito que neste desafio existem inúmeras oportunidades de criar experiências que nos emocionem e que queiramos partilhar, tornando-nos fãs das marcas e não apenas utilizadores.
Sérgio Viana é Partner & Digital Experience Lead na Xpand IT, onde é responsável pela definição da estratégia e oferta da unidade, focada na criação de experiências digitais com uma base tecnológica. É também Board Member da IAMCP Portugal, o capítulo português da associação de Parceiros Microsoft, e docente no MBA de SI na Universidade Lusófona. É um adepto fervoroso do desenvolvimento pessoal e da melhoria contínua e um ávido consumidor de conteúdos relacionados com gestão de equipas e cultura organizacional. Além de tudo isto, é marido e pai de quatro filhas que tornam os dias muito mais cheios e gratificantes.