Entrevista/ “A adoção em massa dos criptoativos é uma questão de tempo”

“O maior risco que temos é pensar que os criptoativos se resumem à especulação. Errado. A nossa relação com o dinheiro vai mudar num futuro não muito longínquo e os criptoativos serão parte dele”, afirma Mário Moura, especialista em tributação de criptoativos e CEO da Mário Moura Contabilidade.
O mundo das criptomoedas não será o mesmo a partir de 2024. A União Europeia aprovou o MiCA (markets in crypto assets, em inglês), um conjunto de regras que visa proteger os investidores e não só. Falámos como Mário Moura, especialista em tributação de criptoativos, sobre o panorama atual do mercado, a regulação e a fiscalidade em Portugal, e os desafios.
Sendo esta uma indústria nova, o também CEO da Mário Moura Contabilidade (MMC) não tem dúvidas que é essencial apostar na literacia, e nos recursos humanos qualificados, e garante que “a bitcoin continuará a ser a principal referência nos próximos anos”.
Quais as consequências e desafios para o mercado das criptomoedas a partir de 2024?
O caminho da regulação é o único possível, se a indústria quiser a massificação. Sem regulação nunca teremos os grandes players a investir de forma massiva em Criptoativos. A União Europeia está a fazer esse caminho através do MiCA. Alguns desafios vão surgir, nomeadamente para as exchanges e players Defi ao nível de compliance e KYC. Mas, na minha opinião, é um caminho inevitável. Claro que, tendo na génese da Bitcoin o anonimato e o movimento cyberpunk, tudo o que mexe com estes “valores” causam desconforto, mas a comunidade esta cada vez mais ciente que é uma evolução necessária.
Cumprir todas as regras do MiCA pode representar um desafio para empresas de menor dimensão e start-ups, limitar o seu acesso ao mercado e restringir a inovação? Qual a sua opinião?
Não acredito que seja uma barreira para a inovação. Existem já no mercado soluções para a grande maioria das imposições do MiCA. É uma questão apenas de serem previstas no modelo de negócio.
Como avalia o enquadramento fiscal das criptomoedas em Portugal?
Quando em outubro de 2022 se começou a falar alteração da tributação de criptoativos estávamos a discutir um regime que seria um desastre para a indústria. Uma tributação de 50% das mais-valias era o cenário em cima da mesa que, felizmente, acabou por não avançar muito por ação da Federação Portuguesa das Associações de Cripto Economia (FACE) e das associações que a compõem. O regime que acabou por ser aprovado no OE2023 é inspirado no regime alemão e acaba por ter alguns pontos positivos, nomeadamente a isenção da tributação das mais-valias para ativos detidos por mais de 365 dias. Com um bom planeamento, os investidores poderão ter uma tributação não muito agressiva.
“Infelizmente continua a dar-se demasiada atenção à vertente de especulação com estes ativos, e atraídos por promessas de lucros fáceis, muita gente acaba por não ter um primeiro contacto positivo”.
Os portugueses aderem com facilidade a estas inovações, tendo em conta que estamos a falar de um tema tão sensível como dinheiro?
Infelizmente continua a dar-se demasiada atenção à vertente de especulação com estes ativos, e atraídos por promessas de lucros fáceis, muita gente acaba por não ter um primeiro contacto positivo. Felizmente cada vez mais olhamos para estes ativos como uma forma diferente de lidar com o dinheiro. É um processo que, acredito, é irreversível. Sempre tivemos uma mentalidade inovadora na nossa relação com o dinheiro como é o exemplo do “multibanco” ou do “MBway” e a adoção em massa dos criptoativos é uma questão de tempo.
Qual a importância de procurar ajuda jurídica e manter-se atualizado sobre as mudanças legislativas neste setor?
Se a intenção for investir na área é vital esse apoio. Estamos a falar de uma indústria nova, que será sujeita a grandes transformações nos próximos anos e que parte da indústria ainda fica sob a alçada do Banco de Portugal ou CMVM. Por isso, antes de qualquer decisão, importa ouvir quem sabe. Felizmente assistimos cada vez mais aos grandes escritórios de advogados, com quem trabalhamos, investir cada vez mais em recursos com conhecimento nesta indústria.
Qual a cripto-área em maior crescimento em Portugal?
Colocando de parte o Trading, assistimos em Portugal a um crescimento de capital humano e conhecimento nesta área impressionante. Temos cada vez mais especialistas em áreas como web3.0, blockchain, Defi ou gaming, que participam ativamente no cenário mundial. Temos neste momento as mentes mais brilhantes nesta área e temos a sorte de ter em Portugal alguns dos maiores especialistas.
“Os pontos negativos estão relacionados com a possibilidade de os Estados controlarem onde gastamos o nosso dinheiro através das CDBC. Poderão, por exemplo, decidir que percentagem será para alimentação, turismo etc…”
Quais são os riscos, os pontos positivos e os pontos negativos da criptomoeda nos dias de hoje?
O maior risco que temos é pensar que os criptoativos se resumem à especulação. Errado. A nossa relação com o dinheiro vai mudar num futuro não muito longínquo e os criptoativos serão parte dele. Os pontos positivos são a descentralização e imutabilidade das transações. Depois de registado em blockchain, não é possível haver burla. E decisões de crédito, investimento, otimização de rendimentos ou gastos passarão a ser feitos de forma objetiva e clara pelos sistemas. O “rendimento universal” será possível através das CDBC’s (euro digital, por exemplo). Os pontos negativos estão relacionados com a possibilidade de os Estados controlarem onde gastamos o nosso dinheiro através das CDBC. Poderão, por exemplo, decidir que percentagem será para alimentação, turismo etc…
A bitcoin já existe há alguns anos, mas há dois anos teve um boom, depois começou a entrar numa queda e questiona-se muito se é o fim da bitcoin ou se ele veio para ficar. O que tem a dizer sobre isso?
Sempre que estamos em Bear Market (mercado em baixa) é questionado se a bitcoin irá sobreviver. Tecnologicamente, a Bitcoin já não é o “estado da arte” mas continua a representar cerca de 50% do mercado cripto. Porquê? Porque é nele que a comunidade reconhece valor e credibilidade. Os defensores de Bitcoin dizem “que Bitcoin não se vende” por ser um recurso finito. Em minha opinião, a Bitcoin continuará a ser a principal referência nos criptoativos nos próximos anos.
“A nossa relação com o dinheiro irá mudar muito e, na minha opinião, para melhor”.
Como vê o futuro dos criptoativos?
Os criptoativos já são o presente. São um caminho sem retorno e o sistema financeiro já se esta a adaptar a ele. Os bancos centrais irão emitir CDBC’s e a moeda, como a conhecemos, irá ter grandes transformações. A nossa relação com o dinheiro irá mudar muito e, na minha opinião, para melhor.
Para quem vai comprar criptomoedas, quais os conselhos que daria?
Que estude! Estudar os projetos que vai investir e decidir conscientemente onde está a colocar o seu dinheiro. Em brincadeira com amigos digo sempre para abrir uma conta numa Exchange e colocar lá 100 euris e começar a investir. Descobrir como há projetos em Web 3.0 incríveis e como eles irão impactar as nossas vidas. Mas estudem. Não comprem só porque um influencer disse para comprar.
Respostas rápidas:
O maior risco: Ganância e ilusão de lucro fácil.
O maior erro: Acreditar que o mundo cripto é só especulação.
A maior lição: as mentes mais brilhantes estão nesta indústria.
A maior conquista: reconhecimento da comunidade.