Entrevista/ “Não sou assim tão sério como aparento”

Subir Lall, chefe da missão do FMI para Portugal

Subir Lall, chefe da missão do FMI para Portugal, é um rosto familiar de todos os portugueses, sendo conhecido até agora apenas o seu lado profissional.

Subir recebeu o Link To Leaders na casa da sua família em Óbidos, para uma entrevista intimista que revela quem é o homem, por detrás do FMI.

O que o leva a ficar em Portugal, para além dos compromissos com o FMI?
Como sabe, tenho família em Portugal, perto de Óbidos, e gosto de vir mais cedo, como, por exemplo, desta vez, em que apenas começaremos o trabalho na próxima semana. Como é feriado nos EUA, consegui tirar quatro dias para estar aqui, em vez de ficar em Washington ou noutro sitio qualquer do mundo. Decidi vir para aqui, estar com a família e conhecer mais sobre a região e as pessoas. Saímos, tive a oportunidade de falar com as pessoas, com os colaboradores da empresa do meu primo, ver os projetos.

Para mim, é muito entusiasmante sair da cidade de Lisboa e conhecer mais da área rural. Já na minha última vinda em trabalho, tinha ficado, no final, mais uns dias para vir para aqui, em vez de voltar logo. É importante para mim perceber e conhecer o país e as pessoas, o que se torna difícil quando estamos apenas ocupados com o trabalho e com reuniões. É muito agradável e um dos locais mais bonitos do mundo em que já estive. Olhar por esta janela, por exemplo, é estar de férias, mas ao mesmo tempo um programa educacional. E estar com a família, o que é sempre importante.

Quem é o homem por de trás do FMI?
Somos todos seres humanos complexos, todos temos diferentes facetas de nós mesmos. Aqui estão mais familiarizados com o meu lado profissional, mas tenho o meu lado pessoal. Gosto imenso de ler, leio muito e todo o tipo de livros. Estou sempre a ler qualquer coisa. Também corro e gosto de correr maratonas. Ainda no último domingo corri a maratona de Filadélfia. Queria garantir que acabava essa corrida antes de voltar a Portugal, uma vez que é difícil manter os treinos quando se está em viagem. São várias as facetas que compõem cada pessoa, como os seus interesses e passatempos diferentes.

Qual é a sua verdadeira missão no mundo?
Pergunta difícil. Se tivesse de o resumir, e não quero parecer demasiado ambicioso, diria que deixar o mundo um pouco melhor do que seria sem mim e tentar fazer a diferença. Acho que, no fundo, o que todos os seres humanos pretendem é contribuir para tornar o mundo melhor de diversas formas. Pode ser pela arte, pela música, pela escrita, por outras profissões. Eu, como todos os outros, procuro fazer a diferença.

Quem o inspira na sua vida e porquê?
Tem havido algumas pessoas que me têm inspirado. Sou da Índia e, como sabe, não é novidade que, para todos os indianos, o Mahatma Gandi é uma inspiração, porque era uma pessoa muito simples, mas que conseguiu mobilizar toda a nação para a independência, através da não violência. Ele era muito bom a perceber como enfrentar grandes desafios. Uma das histórias mais conhecidas passou-se durante a era britânica, em que não era permitida a produção de sal na Índia e por indianos.

O que Gandi fez foi pegar num pequeno grupo de pessoas e, numa conhecida marcha até ao oceano, pegar num pequeno punhado de água salgada com que fez sal e assim desafiou as leis. Esta forma simples, pela não violência e não confrontação para marcar o seu ponto de vista, é inspiradora. Os meus pais também me inspiram muito. São pessoas de grande integridade e que sempre me ensinaram o valor do trabalho árduo e a fazer o que está certo, mesmo que, nesse momento, seja a coisa mais difícil de fazer. Ainda hoje continuam a ser uma inspiração para mim. Falo com eles quase todos os dias, se não todos os dias, para a Índia, e dão-me sempre bons conselhos, tanto a minha mãe como o meu pai.

Qual foi o trabalho mais aborrecido que já teve de fazer na vida?
Em todos os trabalhos, há partes que conseguem ser bastante aborrecidas. Lembro-me de que, quando estava a estudar na universidade para o meu PhD, costumava guiar o autocarro que fazia o transporte dentro do campus, para ganhar dinheiro. Costumava fazer o turno das 22h00 à 01h00. Basicamente, o que estava a fazer era a providenciar um serviço aos estudantes. Apanhava-os no campus e deixava-os em casa, ou apanhava-os onde estavam e deixava-os na biblioteca, que estava aberta toda a noite. Isto passou-se em Providence, em Rhode Island.

Se pudesse, teria gostado de falar com eles, mas tinha a cabeça focada nos estudos e pensava que deveria estar a estudar ou, pelo menos, a descansar e não a conduzir o autocarro. No inicio até foi divertido, mas depois… confesso que foi um pouco aborrecido, porque era uma rotina diária. Consigo ver o valor do serviço que prestava, mas, para mim, tratando-se de um serviço adicional aos meus estudos, não estava tão comprometido como poderia ter estado.

Quais são os principais atributos de um líder de sucesso?
A liderança assume várias formas. Às vezes, sinto que a liderança, seja no mundo empresarial seja no da gestão, passa por certos caminhos ou por certas fases. Pode-se ser um líder carismático. Ou pode-se ser um líder empático, que até pode não ser a pessoa mais carismática, mas conseguir alcançar muitos objetivos. Acho que uma das coisas mais importantes é conseguir inspirar as pessoas, motivá-las e levá-las a partilhar a sua visão. Isso pode ser conseguido de várias formas. Não importa qual o caminho seguido pelo líder. Por exemplo, numa equipa há pessoas extrovertidas e pessoas introvertidas. A gestão foca-se habitualmente nos extrovertidos, naqueles que estão sempre a falar e a interagir com os outros. Mas há muito trabalho de grande importância desenvolvido pelos introvertidos, que não se sentem tão confortáveis em ambientes sociais e até mesmo em reuniões ou na comunicação com os outros, mas são estes que, às vezes, fazem o melhor trabalho.

Cabe ao líder criar ainda mais espaço, para conseguir motivar as pessoas com este perfil. O próprio líder pode ser também ele ou ela um introvertido e, ao atuar num mundo muito focado nos resultados, descobrir o que é e sentir como isso afeta o seu estilo de liderança, porque não se consegue ser o que não se é. É preciso encontrar o estilo de liderança que funciona consigo. Mas, mais uma vez, o que é preciso é motivar e criar um objetivo comum, bem como fazer com que as pessoas com quem se trabalha, percebam qual o sistema de valores com que nos regemos. Sem um sistema de valores, somos apenas pequenas partes e nenhum de nós se sente como colega ou líder. O mesmo acontece quando chega alguém novo para trabalhar numa dada empresa. Como uma máquina, somos todos parte de um mesmo sistema de valores. Mais uma vez, pessoas diferentes e com estilos diferentes podem ser parte do mesmo caso, partilharem o mesmo sistema de valores, o que pode ser tão simples como criar um produto ou um serviço que as pessoas realmente querem. Por exemplo, no setor da educação, acredita-se que vamos levar os outros a aprenderem coisas novas. A liderança depende das circunstâncias, de ser capaz de criar espaço para todos os outros trabalharem bem nesse ambiente, não apenas um determinado tipo de pessoa.

Qual é a sua maior força e a sua maior fraqueza?
Bem, deixe-me começar primeiro pela maior força. Acho que sou muito, muito determinado. Quando tenho um objetivo, vou falhar e falhar, mas vou continuar. Não acredito em desistir quando se trata de um objetivo que defini para mim ou que me foi atribuído. Voltando aos meus passatempos, a maratona é algo que me ensina isso. É uma corrida de 26 milhas e, depois de 15 ou 16 milhas, nunca me senti bem, apesar de já ter feito mais de uma dúzia delas até hoje. A certa altura, o corpo deixa de funcionar, mas a mente é que nos faz continuar. Quando perguntamos a nós mesmos, como me perguntei no outro domingo, um dia frio e ventoso, por que é que estou a fazer isto?

Não vou receber nenhum prémio importante, nem vou ganhar nada com isto. Mas estava a fazê-lo para mim mesmo, para me provar que, mesmo que seja difícil, ou mesmo porque é difícil, vou continuar a fazê-lo e terminar a corrida. Ser determinado, e sê-lo também no mundo dos negócios ou em qualquer profissão, ter a determinação para acabar aquilo que se começa e fazê-lo o melhor que conseguimos é um atributo muito importante. Isso não significa que vença sempre, mas, se perder, vou pegar em mim mesmo e continuar e fazê-lo novamente. É algo que me ajuda, é uma força que tenho.

Já na fraqueza, acho que, como todos os outros, também fico às vezes desmotivado. Não me foco muito nisso, o que não quer dizer que não fico desmotivado quando as coisas não acontecem como tinha pensado, ou quando acontecem imprevistos que me fazem repensar a minha abordagem a determinada coisa.
A minha outra fraqueza são os doces. Não resisto a chocolates, mas é uma fraqueza com que vivo bem, todos temos de ter algumas fraquezas.

O que acha que é mais mal percecionado pelos outros sobre o seu caráter?
Li uma vez um artigo sobre mim, cuja abertura dizia “o homem que nunca sorri”. Acho que as pessoas que me conhecem, acharam isso bastante divertido, porque sou exatamente ao contrário e tento sempre ver o lado divertido das coisas. Quando temos em mãos assuntos sérios, claro que temos de ser sérios, mas isso não significa que sou sempre uma pessoa séria. Acho que um dos aspetos mais mal percecionados sobre mim é que não tenho sentido de humor, que não vejo o lado bom das coisas e que levo tudo muito a sério. Acho que não levo. Mas percebo que o meu lado mais visível, principalmente aqui em Portugal, pareça ser sempre o meu lado sério. Mas, repito, sempre que eu e a minha equipa vimos a Portugal, reunimos com centenas de pessoas e acho que, se perguntassem a alguns deles, provavelmente concordariam que não sou assim tão sério como aparento. Acho que é um aspeto que não corresponde inteiramente àquilo que realmente sou, enquanto pessoa.

Conhece o verdadeiro Portugal?
É um país rico e diversificado, com uma longa história. Não conheço todo o verdadeiro Portugal, mas tento aprender o máximo que consigo, cada vez que cá venho. Acho que posso dizer que conheço algum do verdadeiro Portugal. Claro que temos a história portuguesa na Índia, de mais de 400 anos. Fizemos férias em Goa quando era criança, pelo que estávamos em contacto com a cultura portuguesa de lá, nomeadamente com a belíssima catedral de São Francisco Xavier. Aqui, estou sempre a aprender mais e, quanto mais conheço, mais fascinado fico com o país e com a sua cultura. Tive o prazer de conhecer muitas pessoas e devo confessar que é um dos países mais calorosos que conheço. E claro, é um dos motivos que me faz adorar voltar e ficar mais dias antes ou depois do trabalho e conhecer melhor as pessoas. Não posso dizer que conheço todo o verdadeiro Portugal, mas posso dizer que conheço um pouco mais do que muitos podem pensar. Claro que estar cá com a família, visitar os seus amigos e as pessoas com que trabalham dá-me um conhecimento que, de outra forma, não teria. Tem sido uma experiência muito gratificante.

Como motiva a equipa, depois de um falhanço e num momento de menos energia e entusiasmo?
Acho que, hoje em dia, todas as equipas passam por isso. Há sempre alturas de menos energia e entusiasmo, principalmente quando ocorrem falhanços ou recuos. Acho que uma coisa importante de se perceber, do ponto de vista da equipa, é que o falhanço é uma parte do sucesso. Não é natural acertar-se em tudo à primeira. Habitualmente, a menor energia e motivação não advém de longas horas de trabalho, mas porque algo não deu certo. Às vezes, acho útil fazer apenas uma pausa, para pensarmos e reagruparmos. Tenho um grande respeito pelas minhas equipas e colegas, e quando, às vezes, nos sentimos assim, fazemos uma pausa, saímos para jantar ou qualquer coisa do género, quando estamos aqui em Portugal, ou fazemos um lanche quando estamos em Washington. Não falamos de trabalho, falamos sempre de outras coisas e isso traz-nos alguma energia de volta.

Quando chega a altura certa, voltamos e temos uma conversa sobre o que correu mal, o que poderia ser melhorado. Mas a equipa tem de saber que conta com o apoio de cada um dos seus membros e sempre do seu líder e que o falhanço não é uma marca permanente no caminho, mas sim parte do processo. É natural que isso aconteça. E as pessoas entreajudam-se. Se a equipa tiver um ambiente de mútua confiança, estes vão abrir-se uns com os outros, em vez de competirem entre si, e poderão, assim, ser o sistema de suporte de cada um deles. Habitualmente, isso ajuda a recuperar de um contratempo ou de uma situação de menor energia e a recomeçar, a reenergizar as pessoas. Lembrá-los sempre do que é o objetivo da missão ajuda-os a reganharem foco e, claro, a perceber o que levou a esse recuo, mas, às vezes, é algo que está fora do nosso controlo e foi apenas azar. Devemos perceber isso e não deixar que seja algo que nos paralise e desmotive, porque é algo que acontece em todas as equipas e em todas as empresas e projetos.

Mas, se houver confiança entre todos os elementos da equipa, e virem o líder como um deles e não como alguém acima deles a dar-lhes ordens, ajuda a reconstruir e reagrupar a equipa. Na verdade, às vezes até voltam ainda mais determinados a dizer ‘ok, aprendemos aqui alguma coisa, tirámos algo e vamos fazer melhor da próxima vez’. Acho que isto resulta se estiver reunida a equipa certa, com a motivação certa, e isto é algo que tem de ser reforçado todos os dias. Não basta que se possa fazer anualmente ou duas vezes ao ano num discurso e, a seguir, está feito, volta-se ao trabalho e falamos daqui a seis meses ou um ano. É algo que tem de ser reforçado todos os dias, pela forma como nos comportamos, quem somos, como tratamos as pessoas, porque as pessoas veem isso. Principalmente quando queremos mudar as coisas e, citando Mahatma Gandi, “seja a mudança que procura nos outros”. Por isso, se queremos mudar algo na dinâmica da equipa, temos de agir dessa forma, sermos nós mesmos essa mudança e então a mudança acontece também nos outros. Isso é importante quando há recuos, porque as coisas, às vezes, têm de mudar.

O que aprendeu sobre os portugueses?
Continuo a aprender! Os portugueses, acima de tudo, são muito calorosos e acolhem sempre muito bem. Achei muito fácil conseguir ter interações genuínas. Não há um teatro, as pessoas estão realmente dispostas à abertura. Claro que isso também significa tornarmo-nos vulneráveis ao outro, mas isso é a reciprocidade. Uma das coisas que aqui encontrei, um atributo único das pessoas daqui, é que podemos não concordar e, frequentemente, não concordamos em certas coisas, mas isso não significa que não tenhamos uma ligação profunda com essa pessoa. É uma das coisas que aqui aprendi. É um local muito caloroso para se estar e é realmente uma felicidade voltar cá.

Esta é provavelmente a minha 15ª viagem, ou mais, a Portugal, tenho cá estado muito e, na verdade, desejo sempre voltar. Não estava cá desde junho ou julho e já tinha saudades, já estava desejoso de voltar. É um sítio que parece que nos entra no nosso organismo e ficamos sempre ansiosos pela próxima vez. Sei que os meus colegas sentem o mesmo, porque temos falado com grande entusiasmo da nossa próxima visita, pelo menos durante as últimas três semanas, a planear o que iremos fazer profissionalmente, mas também as refeições que faremos em Lisboa, as viagens que estamos a preparar, desta vez até Sintra, e tudo isso. Todos desejamos voltar e sentimos essa energia do regresso a Portugal.

Quem é a família de Subir Lall em Portugal?
Rajan Sahay, que está em Portugal desde 1995, fundou a Obrana, empresa de construção civil que opera em todas as frentes do setor imobiliário. É também fundador e presidente da Câmara de Comércio Luso-Índia.

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