Opinião
Estado: transformá-lo e não (apenas) digitalizá-lo
Portugal tem-se habituado a confundir transformação com digitalização e é precisamente essa confusão que explica o marasmo em que ainda se encontra boa parte da Administração Pública.
Temos portais novos com motor velho, plataformas “modernas” com processos arcaicos e uma burocracia que muda de roupa, mas não de ADN. É como querer colocar o aileron no carro Datsun podre do século XX: por muito que se invista na recauchutagem, por muito que a pintura seja mais “fashion”, o esforço de andar com esse carro é sempre mais penoso do que prazeroso.
O que está em causa não é falta de investimento tecnológico. É falta de estratégia, de visão e de coragem para repensar o modelo de Estado que queremos ter em 2030 e, idealmente, em 2035. Falamos de um Estado que sirva cidadãos e empresas de forma ágil, inteligente e previsível. Um Estado que saiba que a tecnologia é apenas um meio e não um fim. Mas, para lá chegar, é urgente construir um verdadeiro Plano Estratégico de Transformação do Serviço Público, com objetivos claros, metas mensuráveis e prioridades transversais, em vez de continuar a lançar pequenas iniciativas dispersas que, somadas, não mudam estruturalmente nada.
Porque, sejamos claros, continuar com pequenas ações, tão importantes quanto bem-intencionadas, sem um alinhamento estratégico é o mesmo que navegar sem leme: é divertido, pode até dar uma sensação de movimento, mas não sabemos onde vamos chegar. Pior: às vezes regressamos ao ponto de partida, cansados e sem combustível.
O desafio é grande, mas é simples na sua essência: transformar não é digitalizar. A digitalização é o ato de colocar processos e formulários num formato eletrónico. A transformação é repensar esses processos, a tecnologia de hoje disponível, a estrutura que os suporta, a forma como os serviços são prestados e, sobretudo, o propósito que está por trás de cada decisão. É passar de um Estado que reage para um Estado que antecipa; de um Estado que acumula plataformas para um que integra ecossistemas.
É paradoxal termos uma Secretaria de Estado da Digitalização num país que precisa urgentemente de uma estratégia de transformação. Digitalizar o que já existe é, no fundo, perpetuar o que está errado com uma interface mais bonita. Transformar é questionar o modelo, os objetivos e a forma de lá chegar. É uma mudança cultural, organizacional e estratégica — e não apenas tecnológica.
Portugal tem talento, conhecimento e experiência acumulada para fazer esta mudança. O que falta é coordenação, ambição e coragem política para olhar para o Estado como um organismo vivo, que precisa de ser redesenhado e não apenas reprogramado. A transformação do Estado não se fará com mais “apps” ou plataformas digitais, mas com um pensamento de futuro — que una tecnologia, eficiência e propósito.
Porque, no final, o que se espera de um Estado verdadeiramente transformado é simples: que funcione, que sirva, e que inspire confiança. O resto — os logótipos novos, as cores modernas e os ailerons digitais — são apenas distrações no caminho para um destino que, sem transformação, continuará a ser o mesmo.








