Opinião
Subsídios, subsídios e mais subsídios…
Satisfazer uma necessidade é o ponto de partida de toda a economia, mas também o reflexo das condições sociais de um povo. O que distingue necessidade de procura é o que cada um, segundo a sua capacidade financeira pode, de facto, transformar em ato de consumo.
No entanto, muitas políticas públicas são dirigidas a satisfazer necessidades existentes e, no discurso público, confundem-se estas com a existência de uma procura real. Exemplifiquemos:
Na Área Metropolitana de Lisboa, por exemplo, a necessidade de transporte público ultrapassa a oferta pelo que a procura é maior que a anterior. Porquê? Porque os passes sociais – uma política pública – tornaram o transporte acessível à maioria da população, de modo que quase todos os que precisam de se deslocar podem permitir-se fazê-lo. A necessidade, aqui, traduz-se integralmente em procura real e chega mesmo a exceder a oferta pela intervenção do Estado quando subsidia a procura. Não fora assim e muitos comboios e autocarros circulariam com menos passageiros e não a abarrotar como é o caso amiúde.
Subindo um degrau na escala do valor dos serviços, o caso das férias é diferente. Quase todos sentem a necessidade de descansar, viajar, sair da rotina — mas apenas uma parte da população pode efetivamente pagar por isso. A diferença entre necessidade e procura aumenta: há desejo e até direito ao lazer, mas o poder económico das pessoas limita a concretização. A necessidade mantém-se mais alta que a procura porque nem todos a podem concretizar.
Acresce aqui que o Estado não intervém nesta matéria pela simples razão que o lazer não entra no número de necessidades consideradas de primeira ordem. Portanto, deixa o mercado funcionar. Embora haja muito quem se queixe que “necessita” de férias, a cultura sociológica coloca essa necessidade ao nível do supérfluo, pese embora a sua garantia constitucional.
No topo desta pirâmide está a habitação. A necessidade é universal — todos precisam de um teto — mas a procura efetiva depende do poder de compra de quem necessita uma casa. Durante anos, a juventude portuguesa viu-se afastada da possibilidade de adquirir casa própria, empurrada para o arrendamento, onde as exigências também são pesadas: dois meses de caução, acrescidos do primeiro e último mês de renda.
Recentemente, o governo introduziu uma medida que muda este cenário: para os jovens menores de 35 anos, sem propriedade imobiliária em seu nome, o Estado passou a garantir à banca o valor da entrada, dispensando o comprador de poupanças iniciais e isentando-o dos impostos até então associados à compra. Na prática, está a subsidiar a compra de casa por parte de um grupo sociológico específico. O resultado é paradoxal — torna-se hoje mais barato comprar uma casa do que arrendá-la para estes jovens. Repentinamente, a necessidade transformou-se em procura, com dezenas de milhares de beneficiados comprando casa e pressionando assim os preços em alta.
No fundo, muitas políticas públicas são concebidas para responder à necessidade — legítima, constitucional, moral — sem considerar a procura real e a sua viabilidade económica.
Em países como o nosso, onde o direito à habitação é garantido pela Constituição, o Estado sente-se obrigado — e os cidadãos exigem — que esse hiato seja colmatado por via orçamental. No entanto, quando o faz, desloca inevitavelmente recursos e prioridades, criando novos desequilíbrios e outros grupos sociológicos prejudicados pelas escolhas tomadas.
A política social torna-se, assim, um exercício de redistribuição permanente, onde o bem-intencionado pode facilmente transformar-se em estruturalmente injusto.
Já é hora que os nossos governantes, como os de outros países, cessem de confundir necessidade com procura. Se, em alguns casos, a sua intervenção se justifica – transportes ou habitação – não passaria pela cabeça de ninguém subsidiar a compra de férias… não? Então porque é que os salariados do Estado e pensionistas recebem todos “subsídio de férias” ?… enfim, aqui estamos…







