Opinião

Foresight: o radar silencioso das empresas que lideram

Tomás Loureiro, Director of Global Intel & Strategic Projects na EDP

Num mundo louco em constante mudança, o que distingue as empresas que crescem das que apenas resistem não é a sorte: é a capacidade de ler os sinais do futuro e agir com intenção no presente.

Nem precisamos de recuar muito no tempo. No último ano, o mundo virou várias vezes do avesso. A inteligência artificial generativa passou de curiosidade técnica a ferramenta indispensável; assistimos a demissões em massa no setor tecnológico e, ao mesmo tempo, à explosão de novas start-ups baseadas em algoritmos. Conflitos armados acentuaram-se, reacenderam tensões geopolíticas e redesenharam cadeias de abastecimento. Tivemos tarifas, depois deixámos de as ter, e depois voltámos a tê-las.

A transição energética acelerou de forma acentuada, mas também expôs dependências críticas de minerais e reforçou a importância da resiliência nos sistemas. Até tivemos um apagão. A crise climática deixou de ser projeção para se tornar manchete diária, com incêndios, inundações e ondas de calor recorde. As bolsas oscilaram ao ritmo de tweets e decisões de bancos centrais. Até o comportamento do consumidor se transformou: entre a urgência da conveniência digital e o cansaço de estar sempre ligado, cresce o desejo por experiências autênticas e sustentáveis. Tudo isto — e muito mais — em apenas doze meses.

“A incerteza é uma posição desconfortável, mas a certeza é uma posição absurda”, observou o filósofo Voltaire há cerca de 250 anos. Hoje, a incerteza pode ser mais desconfortável do que nunca, e esperar por certezas é um luxo que nenhuma empresa pode ter. Há quem diga que o futuro é imprevisível. É verdade — mas não é desculpa. O que diferencia quem lidera de quem apenas sobrevive não é a sorte: é a capacidade de ler os sinais do futuro antes dos outros e agir com intenção no presente. Ou dito de outra forma, ter capacidade de foresight.

Muitas organizações ainda passam demasiado tempo a olhar pelo retrovisor – a medir o que já aconteceu. Mas conduzir apenas com base no passado é perigoso: os dados históricos mostram onde estivemos, não para onde vamos. É por isso que tantos planos estratégicos falham — porque são desenhados baseando-se em grande medida no presente, e não no futuro.

É aqui que entra o strategic foresight — uma peça fundamental da definição estratégica moderna. O foresight é a bússola que orienta mesmo quando o mapa ainda está a ser desenhado. Permite detetar tendências, antecipar riscos e transformar incerteza em oportunidade. Ajuda a separar o ruído do que realmente importa — um superpoder num mundo em que a informação (verdadeira e falsa) está à distância de um clique. No fundo, é a capacidade de gerar insights que ajudam a tomar melhores decisões. Algumas empresas — da Lego à Pepsi, da Novo Nordisk à Shell, passando pela Cisco, Netflix ou EDP — já o têm feito com sucesso, usando foresight para antecipar tendências, suportar estratégia e guiar inovação.

Ao contrário do que se pensa, foresight não é adivinhar o futuro — é preparar a organização para vários futuros possíveis. É o que permite à estratégia respirar, ajustar-se e evoluir. É o motor invisível que impulsiona decisões voltadas para o amanhã, e não apenas ancoradas no ontem.

Mas para ter impacto real, o foresight precisa de dois ingredientes fundamentais:

  1. Combinar expertise interna e externa
  1. Disseminar conhecimento por toda a organização

O primeiro é essencial porque a visão interna tende a ser parcial. É ao ouvir os outros, debater ideias e integrar perspetivas diferentes que surgem ângulos novos e possibilidades antes invisíveis. Um bom trabalho de foresight não se faz só à secretária — nasce do diálogo, da escuta ativa e da curiosidade por múltiplas perspetivas.

O segundo ingrediente é igualmente crítico. O verdadeiro poder do foresight só se revela quando os insights circulam por toda a empresa. Informação de futuro que fica presa ao topo morre. Quando chega a todos — das equipas comerciais às operações — cria alinhamento, acelera decisões e multiplica ideias. Uma empresa onde todos compreendem para onde o mundo caminha é uma empresa que pensa mais rápido, decide melhor e inova com propósito.

Disseminar insights não é um exercício burocrático — é um ato cultural. É transformar conhecimento em rotina, criar espaços onde se fala de futuro sem medo e onde todos são convidados a contribuir. Pode acontecer através de sessões sobre tendências, relatórios traduzidos em linguagem acessível, podcasts internos ou fóruns abertos à curiosidade coletiva. Quando o conhecimento circula, nasce algo poderoso: uma inteligência coletiva que liga estratégia, cultura e execução.

Integrar foresight na cultura é, no fundo, mudar o modo de pensar da organização. É reconhecer que ninguém tem todas as respostas, mas que todos podem ver parte do quadro.

Muitas vezes, consumidas pela urgência do curto prazo — que é fundamental —, as empresas não dedicam o tempo, o esforço nem os recursos necessários para pensar mais à frente. Com isso, perdem vantagens críticas: antecipar disrupções, identificar oportunidades, mitigar riscos, estimular inovação, alinhar stakeholders e suportar decisões mais sólidas.

Como dizia Peter Drucker, “o maior perigo em tempos de turbulência não é a turbulência em si, mas agir com a lógica do passado”. O foresight é precisamente o oposto enfrentar o presente com a clareza de quem já olhou o futuro.

O radar silencioso das empresas que lideram.

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Tomás Loureiro

Tomás Loureiro

Tomás Loureiro é Director of Global Intel & Strategic Projects na EDP. Anteriormente, ocupou o cargo de Head of Innovation Intel, sendo responsável por apoiar o CEO da EDP Inovação na definição da estratégia global de inovação e das apostas futuras do Grupo EDP. Também foi Chief of Staff to CEO / Advisor do Board no Grupo Media Capital, responsável por acelerar a implementação da visão estratégica e transformação do grupo, acompanhando também os temas ligados à inovação e customer... Ler Mais..

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