Opinião
O Código do Trabalho e a resistência à mudança
A discussão em torno do anteprojeto de revisão do Código do Trabalho tem gerado reações imediatas e, por vezes, desproporcionadas. Surgem afirmações dramáticas, declarações inflamadas e slogans fáceis, sempre com o mesmo tom alarmista: “é um retrocesso nos direitos dos trabalhadores”.
Mas será mesmo assim? Ou estaremos, antes, perante mais um episódio da velha resistência à mudança, muitas vezes disfarçada de defesa de direitos, que acaba por bloquear qualquer possibilidade de evolução positiva?
O Direito do Trabalho vive de equilíbrios: entre a proteção dos trabalhadores e a capacidade de adaptação das empresas; entre a rigidez necessária e a flexibilidade possível; entre o passado dos direitos adquiridos e o futuro das relações laborais. O Código do Trabalho não pode ser visto como um texto sagrado, imune à mudança. É, antes, um instrumento jurídico que deve acompanhar a realidade social, económica e tecnológica. E é precisamente isso que, salvo melhor opinião, este anteprojeto tenta fazer.
Há propostas que procuram dotar as empresas de maior capacidade de organização, sem que isso implique uma desproteção dos trabalhadores. O problema é que, muitas vezes, o debate público ignora esse equilíbrio e resume tudo a uma visão demasiado simplista: ou se está do lado dos direitos ou do lado do capital. Essa visão não só é redutora como é perigosa. Empresas saudáveis, com modelos de gestão ajustados à realidade, são o melhor garante da manutenção dos direitos laborais no longo prazo.
Um exemplo que tem sido excessivamente amplificado é o direito à amamentação. Qualquer tentativa de clarificação deste direito, que, importa sublinhar, não está em risco de desaparecer, é imediatamente apresentada como uma tentativa de retrocesso civilizacional. A realidade, no entanto, é mais complexa. Talvez o que seja mesmo necessário é pensar para além da amamentação: garantir tempo de qualidade entre pais e filhos, independentemente de esse tempo ser usado para amamentar, cuidar, ou simplesmente estar presente. E, com isso, pensar sobre quem deve “patrocinar” essa qualidade, se as empresas ou o Estado.
Outro ponto onde o anteprojeto poderia – e deveria – ir mais longe é no direito à formação contínua. O regime atual continua pouco claro, especialmente quando os contratos de trabalho se iniciam ou terminam a meio do ano. Uma regra de proporcionalidade nas horas de formação a que cada trabalhador tem direito traria maior segurança jurídica, à semelhança do que já acontece com outras matérias. Esta é uma daquelas questões técnicas que, por parecerem menores, vão sendo adiadas, mas que fazem toda a diferença no dia a dia.
E não faltam outras matérias que mereciam ser revisitadas com coragem legislativa. Quem lida com o Código do Trabalho todos os dias sabe que há zonas cinzentas que geram litígios evitáveis. Veja-se, por exemplo, os pretendidos casos de despedimento por baixa performance, que com frequência nos chegam às mãos e relativamente aos quais pouco se pode fazer. São temas técnicos, sim, mas têm impacto direto na vida das empresas e, consequentemente, das pessoas.
É importante sublinhar que este anteprojeto não é uma versão final. Está em consulta pública. E, mais do que ser alvo de rejeição automática, deve ser encarado como uma oportunidade para pensar o futuro do trabalho com menos medo e mais ambição. Se fizermos esse esforço, encontraremos no texto propostas que podem, com os devidos ajustes nalguns casos, representar um salto qualitativo no equilíbrio entre direitos e responsabilidades.
Por isso, resolvi escrever este artigo. Porque ficar em silêncio não ajuda, apenas permite que o medo da mudança e o ruído dos interesses instalados impeçam o progresso que tanto precisamos. A discussão está aberta e é importante que cada um de nós se envolva: apresentando propostas, questionando, dialogando. O futuro do trabalho não se decide sozinho, e este é o momento para fazermos a diferença.
Ana Rita Nascimento possui mais de uma década de experiência no acompanhamento de clientes empresariais e individuais em questões relacionadas com laboral e segurança social, incluindo situações de contencioso laboral. É licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e tem um Mestrado em Ciências Jurídico-Laborais.








