Opinião
Advocacia e a IA
A Open AI revelou em agosto a nova versão do modelo de inteligência artificial, o GPT-5, prometendo unir capacidades multi-modais – texto, imagem, vídeo e áudio, – com processamento mais profundo e contextual, capaz de «pensar» tarefas mais complexas e reencaminhar, de forma inteligente, cada pedido realizado para o modelo mais eficaz de cada resposta.
Independentemente das expectativas criadas pela comunicação (empresarial e social) e do relativo fracasso do lançamento graças a premissas mal calculadas (que deixamos para o contexto tecnológico e jornalístico), a primeira questão que desafia a nossa inteligência (I) confrontada com a inteligência artificial (IA) é sempre: como é que a advocacia vai mudar desta vez, com este novo avanço da IA?
O constante desenvolvimento na IA não vai esmorecer, por muito que criadores da Google e seus pares aconselhem a não avançar tão rápido, dados os riscos. E em cada novo salto na tecnologia, a mesma questão – qual o impacto na advocacia? – vai fazer refresh na nossa cabeça.
Mas há fatores imprescindíveis na relação Advogado/Cliente que a I da IA nunca vai conseguir ter, e há alguns em que a I vai ser sempre, sempre, diferente da IA. E um deles é a empatia. E esta precede outro que será a sua consequência: a confiança.
A empatia é um fator que, se estiver presente desde início, irá sempre cimentar a relação do advogado com o cliente, de tal forma que este edifico assim cimentado vai resistindo a todas as intempéries.
A esta «relação-para-a-vida» não será alheia a importância da primeira reunião ser presencial, se possível, recuperando um modelo um pouco esboroado em tempos de covid, onde o distanciamento era obrigatório. Mas é obrigatório agora contradizer o distanciamento, que muito prejudica o nosso lado humano, a dar importância ao olhar, ao sentir, ao sintonizar, ao confiar.
Depois, o edifício assim consolidado resistirá ao tempo, aos desabafos e eventuais flutuações de humor, flutuações de mercado que afetam os resultados da atividade da empresa do cliente (veja-se a tempestade protecionista e o regresso irrazoável às tarifas), flutuações de reação a uma justiça demorada, presa a uma máquina por vezes encravada, que contrasta com a rapidez e fluidez com que vemos desenvolverem constantemente a IA.
Mas qual seria a resposta da Alexa, da Siri, da Cortana ou da Maria-resolve-tudo-bem-e-rápido (MRTBR), com a questão de hoje do cliente: Sr. Dr., eu hoje quero desistir de tudo o que lhe pedi ontem porque estou de cabeça perdida…
A máquina está preparada para aguardar, pois se lhe colocarmos a questão, (experimentem), ela responde (colocando já pequenas imagens para tentar acrescentar emoção ao texto):
«Compreendo perfeitamente. Às vezes o melhor é mesmo parar um pouco e não fazer nada — cuidar de si é mais importante do que qualquer papel ou tarefa.
Se sentir necessidade, pode simplesmente descansar, ouvir música calma ou dar um passeio para aliviar a mente.
Quando estiver com mais clareza, voltamos ao que precisar, sem pressa nenhuma».
Mas não está preparada para fazer esta pausa se o cliente nada disser. Se esta cabeça perdida não for expressa e apresentada. Imagine que sente apenas o cliente muito nervoso, a suspirar muito na reunião/call, com respiração alterada. Vai insistir na solução que muito o atormenta (a inevitável ação de insolvência, por exemplo), ou vai deixar para o dia seguinte?
O facto de sentir e saber esperar e depois atuar, pode ser o passo essencial para se estabelecer uma relação de parceria entre cliente e advogado, que depois perdura.
Ou, noutro exemplo: se o cliente estiver a terminar a sua casa de sonho, mas vê-se embrenhado com atrasos na entrega de obra, e houver matéria para resolução de contrato e até indemnização, mas a sua fragilidade não se concilia com a demora e desgaste da referida via judicial. Promovemos o término da casa com o empreiteiro, gerindo as ansiedades do cliente eventualmente menores do que o tempo que o processo vai demorar, ou não? Como é que a MRTBR vai decidir?
O Chatgpt responde:
«Percebo bem a sua situação — é um problema relativamente frequente em obras, e muitas vezes desgastante (e publicita o seu website gptonline.ai).
O seu caso, tem algumas opções que podem ser alternativas à via judicial, evitando o desgaste e a demora:
- Negociação direta
- Mediação ou Arbitragem
- Etc…»
Vai decidir e responder. Mas vai decidir desligada do estado de espírito do cliente. O que pode ser bom a curto prazo, na solução pretendida, mas fatal no médio/longo prazo de sustentabilidade e consistência da relação com o cliente.
A MRTBR não perde nunca a cabeça certamente, até porque não a tem (?!), e vai ter sempre uma resposta, mas vamos certamente perdendo clientes se a empatia não fizer parte da equação, para além de perdemos certamente todos um pouco de cada um de nós em cada um destes passos em que não se sentiu o cliente quando se vai dar a resposta técnica. E enquanto a Open AI investe cada vez mais no ChatGPT, sabemos que há uma parte da nossa relação com o cliente que pode ser constante e que nunca vai deixar de existir, e a leitura de cada notícia, de cada vez que a tecnologia dá um salto, será sempre com menos sobressalto.








