Opinião
E se um desconhecido lhe oferecer IA?
Nos anos 80, havia um anúncio famoso cujo slogan dizia: “E se um desconhecido lhe oferecer flores? Isso é Impulse, o seu desodorizante!”
Quarenta anos depois, poderíamos trocar as flores pela tecnologia e a frase faria todo o sentido: “E se um desconhecido lhe oferecer Inteligência Artificial? Isso é… o seu novo “salvador” digital!”
Vivemos um momento curioso — e arriscado — onde aparentemente qualquer problema, pessoal ou profissional, pode ser “resolvido” com Inteligência Artificial (IA). Há dias, uma psicóloga amiga dizia-me que vários dos seus clientes já chegam à consulta com respostas pré-fabricadas para os seus problemas emocionais… respostas geradas por ChatGPT ou DeepSeek. No mundo empresarial, o cenário é semelhante: jovens profissionais (e alguns menos jovens) tentam solucionar desafios críticos da sua empresa simplesmente copiando e colando dados, muitas vezes confidenciais, em ferramentas públicas de IA.
O mais impressionante é que tudo isto está a acontecer quando a IA ainda está ainda nos seus baby steps. Se olharmos para o ChatGPT, lançado publicamente em novembro de 2022, percebemos que passaram pouco mais de dois anos e já existe uma sensação generalizada de inevitabilidade. Mas esta é apenas a infância desta tecnologia. Se hoje já se tomam decisões críticas baseadas em respostas automáticas, imagine-se o que será quando estas ferramentas forem exponencialmente mais rápidas, precisas e persuasivas.
É o toque de Midas digital: uma promessa de que tudo se transforma em ouro com um único clique. O problema? Tal como na lenda, nem tudo o que brilha é valioso — e, no caso da IA, pode mesmo ser perigoso “abrirmos os braços e darmo-nos de corpo e alma”. Ao entregarmos informação sensível a plataformas cuja governação de dados não controlamos, podemos estar a comprometer a privacidade, a vantagem competitiva e, em última instância, a sobrevivência da própria organização.
Mas o risco não está apenas na fuga de dados. Está também na dependência cega. Acreditar que um prompt apressado substitui pensamento estratégico, análise crítica e experiência acumulada é esquecer que a IA é uma ferramenta, não um oráculo. A liderança empresarial que se deixa seduzir por esta “solução mágica” sem enquadrar políticas, critérios de uso e treino das equipas está a criar um ecossistema vulnerável — tecnicamente, legalmente e culturalmente.
Para líderes, a questão não é “usar ou não usar IA”, mas sim como a usar. Tal como não aceitamos conselhos financeiros de um desconhecido sem verificar credenciais, também não podemos aceitar cegamente a resposta de um algoritmo sem validar fontes, contexto e implicações. Uma adoção responsável exige governação de dados, definição clara de casos de uso, formação contínua e, sobretudo, uma cultura onde a tecnologia potencia, mas não substitui, o pensamento humano.
A Inteligência Artificial pode, de facto, acelerar processos, criar novas oportunidades e abrir mercados. Mas, como qualquer ferramenta poderosa, requer responsabilidade no seu manuseio. Porque aceitar “flores” de um desconhecido pode ser simpático… mas aceitar IA sem entender a sua origem, intenção e riscos — especialmente quando ainda estamos nos primeiros passos desta tecnologia — pode ser o primeiro passo para um problema bem maior.







