Opinião

Corporate Governance na era dos algoritmos

Carlos Sezões, Managing Partner da Darefy

Há mais de 15 anos que trabalho com equipas de gestão em matérias como liderança, cultura e estratégia. E, na atracção de talento executivo (executive search), para robustecer a gestão de topo. Como é expectável, vejo as mais diversas práticas no designado corporate governance – i.e. o conjunto integrado de regras e processos pelos quais uma empresa é dirigida e controlada.

Noto aqui, nos últimos anos, crescentes níveis de ansiedade com a volatilidade e complexidade dos mercados e contextos concorrenciais – e a capacidade de agir sobre eles. Ora quando todas as funções empresariais estão em grande transformação, nesta era dos algoritmos e da Inteligência Artificial (IA), será que os processos de governance ficarão imunes? A questão é retórica e a resposta é negativa. A IA está já a transformar o corporate governance, moldando a forma como as organizações garantem a accountability, a transparência ou o compliance. Vejamos onde.

Para começar, na formulação estratégica e na consequente tomada de decisões. Tal é potenciado através de insights baseados em dados – mitigando ou complementando o estilo de decisão tradicional dos boards, fortemente ancorado em dados históricos e na intuição humana. Com a IA, é cada vez mais possível analisar dados de mercado, financeiros e operacionais, em tempo real, prever tendências usando análise preditiva e identificar riscos e oportunidades com maior precisão. Esta mudança permite uma tomada de decisões mais informada, atempada e estratégica, melhorando as capacidades de supervisão dos gestores.

A IA pode também ser fundamental para identificar riscos regulamentares e (a partir de natural language processing (NLP) e machine learning (ML), monitorizar as alterações em regulamentações globais, sinalizar eventos não conformes em tempo real e mesmo detetar anomalias nos audit trails – em suma, um compliance proativo, que reduz os erros e mitiga os riscos reputacionais.

Numa perspectiva mais operacional, com plataformas de GenAI, que optimizam as operações de uma Administração, poder-se efectuar uma gestão inteligente de agendas, assistentes virtuais para acompanhamento de reuniões ou análises geradas por IA para documentos do board. Tais inovações poupam tempo e garantem que os Administradores estão mais bem preparados e focados em questões estratégicas.

Por última, a própria constituição dos órgãos de gestão pode ser optimizada – com análises que sintetizarão conclusões sobre o mix de perfis das equipas, sinalizando culture fit, diversidade e potencial de eficácia.

À medida que a IA evoluir, os modelos de governação podem migrar para uma maior automatização – por exemplo, sistemas autónomos de compliance que podem operar com intervenção humana mínima. As estruturas algorítmicas de accountability tornar-se-ão, creio, parte integrante dos estatutos corporativos. E, muito provavelmente, teremos agentes de AI a debater com humanos nas próprias reuniões. Em suma, acredito que o futuro da corporate governance está na interseção entre o “julgamento” humano e a inteligência artificial.

Portugal, tradicionalmente (e culturalmente) avesso a estruturas de governance mais formais, com a devida segregação de funções e culturas de responsabilização meritocráticas, tem efectuado um progresso notável nos últimos 10/ 15 anos. Com maior exposição a práticas multinacionais e um esforço sustentado de profissionalização da gestão – ex. nas nossas grandes empresas familiares – o governance nacional está hoje num patamar superior. A adopção atempada de IA pode levar-nos para a linha da frente nestas matérias, pelo que temos de pugnar pela maior literacia digital e orientação à inovação dos nossos gestores de topo. À atenção das empresas, das entidades reguladoras e das nossas (excelentes) business schools.

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Carlos Sezões

Carlos Sezões

Carlos Sezões é atualmente Managing Partner da Darefy – Leadership & Change Builders, startup focada na transformação organizacional/ cultural e no desenvolvimento do capital de liderança das empresas. Foi durante 10 anos Partner em Portugal da Stanton Chase, uma das 10 maiores multinacionais de Executive Search. Começou a sua carreira no Banco BPI em 1999. Assumiu depois, em 2001, funções de Account Manager do portal de e-recruitment e gestão de carreiras www.expressoemprego.pt (Grupo Impresa). Entrou em 2004 na área da... Ler Mais..

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