Opinião

Vivemos no tempo de Trump. Adore-se ou deteste-se (e quase todos estão numa destas duas posições), a nossa época é definida pelo magnata americano.
A sua vitória tem gerado muitas análises, discussões e confusões; mas, com um narcisista irresponsável e caprichoso no poder, ninguém sabe realmente o que vai acontecer. Nem ele. Por isso todas as previsões são possíveis e todas estão erradas.
No meio desta celeuma existem poucas certezas e ainda menos consensos. Um dos raros acordos atribui a retumbante vitória republicana aos exageros da esquerda norte-americana, a chamada cultura “woke”. Esta, na luta obsessiva contra o racismo, sexismo e outras discriminações, criou um ambiente de censura e perseguição que invadiu toda a sociedade de informação. Terá sido o repúdio desses exageros dogmáticos que gerou o apoio à direita política, a qual se exibiu como representante do americano médio. Deste modo, o triunfo de Trump significa, mais que tudo, a derrota woke.
Esta convicção é propriamente o inverso da verdade. Nada ajuda mais a extrema-esquerda norte-americana e mundial que uma administração do bilionário de Nova Iorque. A cultura woke viverá nos próximos tempos um dos seus períodos mais altos, e daqui a quatro anos estará mais forte que nunca. O que quer que Trump faça, os seus opositores extremistas capitalizarão.
É fundamental ter presente que a mentalidade esquerdista se baseia na hipótese que todas as pessoas são chauvinistas, intolerantes, opressivas. Só assim se justificam os métodos drásticos que os radicais propõem para romper esse tecido de fascismo. Ora Trump e os seus sequazes representam o exemplo mais perfeito de tais convicções. Assim, os esquerdistas prosperarão nesta nova situação, ainda mais do que nos tempos de Nixon e Reagan que, apesar de tudo, eram meninos de coro comparados com o agora presidente-reeleito.
O fenómeno é ainda mais profundo. Em todo o mundo e desde sempre, a direita tem mentalidade de polícia, enquanto a esquerda é congenitamente rebelde. Por isso a primeira só se sente realmente confortável no poder e a segunda na oposição. Os coletivistas existem para conceber “formas de luta”, contestações, denúncias, repúdios e indignações. Pelo contrário, as exigências da governação são-lhes estranhas, quase dolorosas, por imporem compromissos, cedências, contemporizações. Se Harris tivesse ganho, as forças que a apoiam beneficiariam de todas as benesses do poder, mas também sofreriam a morna decadência do sucesso. A esquerda só é realmente esquerda quando oprimida.
Deste modo, o que teremos nos próximos anos é o triunfo simultâneo das duas visões extremas, a chauvinista nas instituições e a woke nas ruas, nos media e nas redes sociais. Com a agravante de que tudo o que correr mal será culpa da primeira e confirmação da segunda. O mundo, que já estava assustador, ficou bastante pior com as loucuras anunciadas e já preparadas pela nova administração americana. Tudo isso só confirmará as opiniões dos radicais de esquerda, os quais florescem no “quanto pior, melhor”.
Se isto é assim, quem foram afinal os verdadeiros derrotados no passado dia 5 de novembro? Evidentemente que quem perdeu foi o bom-senso, a moderação, a serenidade. Como há cem anos, a incerteza e a turbulência do progresso social empurraram as democracias para os braços dos seus piores inimigos, os exaltados de direita e de esquerda, que se alimentam da denúncia mútua.
A última vez que esta contraposição se verificou no mundo, no segundo quartel do século XX, tudo terminou nas piores catástrofes de sempre: a guerra mundial, o holocausto, o gulag e a maior miséria que mundo já viu.
A História não tem de se repetir. As lições que os líderes devem tirar desta situação não é a antevisão da loucura. É antes a urgência de, no meio das ameaças e embates dos furiosos de ambos os lados, manter o realismo, a lucidez, a coragem, a tranquilidade e a solidariedade.