Entrevista/ “Temos de gostar de servir e de fazer os outros felizes”

César Silva, diretor-geral do Corinthia Lisbon

Define a atividade hoteleira como a indústria dos sorrisos, defende que as pessoas mais importantes são os trabalhadores e reconhece que o mercado norte-americano descobriu a Europa e Portugal. Leia a entrevista de César Silva, diretor-geral do Corinthia Lisbon.

O Corinthia Lisbon faz parte da cadeia de hóteis de luxo Corinthia Hotels, fundada em Malta há seis décadas, e este ano assinala os 20 anos de atividade em Portugal. Hoje, com 65% do target centrado no mercado de lazer e 35% no corporate, assume uma abordagem diferenciadora no mercado de luxo.

Liderança de inspiração, com a certeza de que o objetivo é “nunca substituir o trabalhador pela inteligência artificial ou aplicação”, é o lema de César Silva, o diretor-geral do Corinthia Lisbon há cerca de dois anos. “As pessoas têm de continuar a olhar para esta área com potencial crescimento”, afirma.

Como avalia o panorama da hotelaria em Portugal?

Não há tanto interesse e tanta procura por esta área. O Covid levou as pessoas a repensarem a sua vida e decidiram que esta área não era a mais atrativa. E nós estamos aqui como managers para tentar mudar este cenário novamente e mostrar aos jovens que é uma carreira com grandes possibilidades de crescimento. Vemos, por exemplo, o que está a acontecer à cidade e a quantidade de hotéis que estão a abrir. E agora com as notícias absolutamente fantásticas do aeroporto vamos ter uma evolução, porque o atual aeroporto está estrangulado. Temos aqui um potencial de crescimento enorme.

As pessoas têm de continuar a olhar para esta área com potencial crescimento. Felizmente os salários estão a crescer. E temos de fazer algo diferente. Queremos trabalhar com os melhores e queremos que as pessoas venham trabalhar connosco. Podemos ser responsáveis por esta mudança ao tornar a área atrativa novamente. O que eu posso dizer às pessoas é que estamos aqui a trabalhar quando os outros estão a festejar e temos de ter essa consciência. Temos de gostar de servir e de fazer os outros felizes. Digo muitas vezes que esta é a indústria dos sorrisos. Esta indústria é desafiante, trabalhamos aos fins de semana, feriados, fazemos turnos… isto não vai mudar.  Se isto não vai mudar, o que é que temos de fazer? Gostar desta área, gostar de servir os outros, fazer os outros felizes, criar experiências memoráveis. Isto é o que faz com que esta indústria seja atrativa.

“Uma das nossas grandes políticas é trabalhar com os melhores e para trabalhar com os melhores temos de dar as melhores condições”.

Têm conseguido atrair jovens para o hotel?

Felizmente! Diria que o nosso turnover é saudável. Temos entradas e saídas, como em qualquer outro setor. Conseguimos atrair devido ao trabalho que tem sido feito. Hoje estamos a colher aquilo que fomos semeando. O Corinthia é uma cadeia que evoluiu muito na cidade e posicionou-se com um serviço de excelência. Uma das nossas grandes políticas é trabalhar com os melhores e para trabalhar com os melhores temos de dar as melhores condições. E ter líderes inspiradores! E temos feito um bom trabalho na procura de novos talentos. Temos tido a felicidade de manter – não digo reter porque é uma palavra forte – as pessoas que trabalham connosco e de lhes permitir evoluir e de trazer novos talentos.

É uma força de trabalho maioritariamente nacional?

Tenho muito orgulho em dizer que tenho uma direção executiva em que a grande maioria são portugueses, o que dá um profundo conhecimento do mercado e nos diferenciar. É claro que hoje em dia no mercado já existe muita internacionalização. É importante abraçar essas pessoas e incutir-lhes o espírito do Corinthia para se enquadrarem.

O Corinthia Lisbon acaba de celebrar 20 anos. Como assinalaram a ocasião?

Foi um marco que coincidiu com a conclusão da total remodelação dos quartos e suítes. As renovações culminaram com a inauguração de uma espetacular suíte temática dedicada ao Fado, composta por três quartos, dois walking closets e com obras de arte alusivas ao tema, dos artistas portugueses Diogo Navarro e António Péssimo.

Esta celebração dos 20 anos foi fantástica porque fizemos uma celebração com todos os nossos colaboradores, homenageamos os colaboradores pelo seu tempo de casa, pelo seu cunho. E para mim foi uma felicidade poder homenagear estas pessoas e ver a quantidade de pessoas que já aqui estão há muitos anos e querem  continuar a evoluir com a empresa. O que é raro hoje em dia.

Para assinalar esta ocasião memorável, o hotel ofereceu também um cocktail para cerca de 300 clientes parceiros, pessoas de referência na área do Turismo e amigos – pessoas que ao longo do tempo nos acompanharam, criando uma noite de celebração e partilha de memórias. O evento foi um testemunho do compromisso do Corinthia Lisbon em criar momentos de excelência numa atmosfera de festa.

“O mercado americano descobriu a Europa e descobriu Portugal”.

Quais os marcos que destaca nestes anos?

Diria quatro marcos, uns menos positivos, outros mais positivos. Podemos falar dos momentos menos positivos, como a crise financeira de 2008/2009. Foi muito marcante para todo este mercado. Depois o Covid que foi o reinventar de todos os processos. Mudou a forma como olhamos para o mercado de trabalho, para as pessoas e de como atrair novos talentos. Depois em 2014 tivemos a  renovação de todos os quatros do hotel, a criação de um mundo dentro de outro mundo. 2014 também foi o ano em que Lisboa surgiu como capital de interesse, havendo uma maior procura de turismo. O mercado americano descobriu a Europa e descobriu Portugal. Houve um salto grande e começamos a divergir na segmentação. Estávamos muito direcionados para corporate/business e hoje em dia houve posso dizer que estamos com 65% de mercado de lazer e 35% corporate. E esta evolução faz-nos hoje um hotel diferenciador no mercado de luxo.

Qual o mercado que mais vos procura?

Os EUA é o mercado número um para o país. É um mercado menos sensível aos preços, procura um serviço de excelência, procura experiências. Hoje o mercado americano também mudou e quando procura experiências quer algo diferenciado. Esta experiência, na minha opinião, envolve o cliente e o colaborador. Temos clientes que fazem reviews, evidenciando o nome do colaborador e quando voltam perguntam por esse colaborador. E é importante os clientes voltarem e verem essa cara familiar. E essa experiência é partilhada!

“As pessoas mais importantes são os nossos trabalhadores”.

Mantêm a mesma visão que há 20 anos? O que mudou?

Eu diria o querer sempre fazer melhor. O querer ser sempre reconhecido pelo serviço de excelência é a base de trabalho para todos os dias. O que foi mudando ao longo do tempo? Temos sempre de trabalhar no futuro e não só no presente. Eu acho que mudou um pouco a forma de liderança, aquilo que eu hoje chamo de liderança de inspiração.

Hoje olhamos para o trabalhador como um foco, o centro de tudo. Temos uma pirâmide muito importante entre a parte financeira, os objetivos, os recursos humanos e a qualidade. Mas estes vértices do triângulo têm de estar muito equilibrados. O que acontece é quando olhamos para a pirâmide, na minha visão, a gestão e a direção estão na base. As pessoas mais importantes são os nossos trabalhadores. Hoje ser líder é inspirar os outros. É servir as pessoas. Isto está a acontecer gradualmente não só no Turismo, como também noutras áreas.

O César é diretor-geral desta unidade hoteleira há cerca de dois anos. Quais os principais desafios na gestão de um espaço com as características do Corinthia Lisbon?

O grande desafio é estimular as equipas, dinamizá-las para que percebam que a dimensão não nos pode afetar na entrega do serviço de excelência. Continuarmos a ler os mercados que temos, o cliente que recebemos, estarmos muito informados, agirmos e adequarmos o nosso comportamento ao negócio/segmento que temos para trabalhar. Tratar tudo de igual forma não irá funcionar num hotel destas dimensões com os segmentos que temos. É este o grande desafio. Podermos continuar a diferenciarmo-nos no mercado independentemente de sabermos que temos uma grande dimensão. 

A sua carreira no setor hoteleiro soma mais de 25 anos em cargos de executivo em vários hotéis lisboetas, além de um cargo de direção numa cadeia de hotéis & resorts em Moçambique, pertencente ao grupo Visabeira. Qual considera ter sido o maior desafio da sua carreira?

Eu poderia falar de muitas coisas, visto que a minha experiência profissional começou na base. Mas tenho de ser honesto e o maior desafio que tenho hoje é o Corinthia Lisboa. Porquê? Pela dimensão e por acreditar no projeto, naquilo que somos capazes de fazer, motivando e envolvendo as equipas. É óbvio que aprendi muito pelas outras áreas, pelas outras unidades por onde passei. Tive o prazer de trabalhar na maioria das unidades hoteleiras de cinco estrelas em Lisboa, ver diferentes influências, diferentes marcas e formas de estar. A minha experiência internacional também me permitiu ver o mundo forma diferente, principalmente na área de recursos humanos, sobre como liderar pessoas de outras nacionalidades e trazer isso para onde estou hoje e imprimir este ritmo dinâmico.

Que conselhos daria a um jovem que aspira a uma carreira de sucesso na hotelaria?

Ter uma noção real do que implica trabalhar nesta área e perceber claramente que tem de gostar de pessoas. É uma área muito atrativa, que permite progressão de carreira e para os jovens que querem experienciar e ver mundo é uma área fantástica. Temos unidades a abrir em Nova Iorque, em Bruxelas, em Roma… por exemplo, o que permite aos jovens que estejam connosco ter uma experiência internacional e fixar-se nos nossos hotéis noutros países. E acho que os jovens hoje em dia são cidadãos do mundo e querem experienciar outras vivências. Mas temos de gostar de pessoas como referi.

Qual tem sido o contributo da academia na formação dos recursos humanos para a hotelaria?

Tem havido uma evolução nas escolas de turismo. Há uma parte muito direcionada para a área técnica, já que não precisa de haver só cursos de gestão. Porque aí é criada uma expetativa muito grande para quem tira o curso de gestão que acha que quando sai vai ser diretor-geral e entra no mercado de trabalho com essa ideia. Por isso, a academia tem feito um bom trabalho com a criação de cursos técnicos, a formar pessoas em várias áreas para que possam entrar no mercado de trabalho melhor preparadas.

“O meu objetivo será sempre este: nunca substituir o trabalhador pela inteligência artificial ou aplicação”.

Nos últimos anos muito se tem falado da tecnologia na melhoria e otimização das experiências que são oferecidas aos clientes na hotelaria. Qual tem sido o contributo das start-ups para esta área?

O meu objetivo será sempre este: nunca substituir o trabalhador pela inteligência artificial ou aplicação. O objetivo será introduzir IA ou aplicações que permitam que o nosso colaborador não despenda muito tempo em áreas burocráticas ou trabalhos menos importantes para que possa dedicar-se mais ao cliente e à experiência. Temos introduzido novos softwares e aplicações com este objetivo.

Novidades que podemos esperar do Corinthia Lisbon para este ano?

Temos a suíte Fado que foi lançada recentemente na celebração dos 20 anos e que é uma homenagem ao nosso património. Temos ainda uma outra suíte que queremos apresentar – não diria que seja este ano -, a Pioneer. A hotelaria vive disto, do storytelling, do contar histórias.  Quando criamos as suítes, tentamos linkar histórias e temas. Por exemplo, temos a Suite Marítima inspirada nos navegadores portugueses e na relação de Portugal com o mar, e desafiamos os clientes a embarcar numa jornada de descoberta onde os tons de azul mar o transportam para um mundo de tranquilidade. Temos a suíte Lisboa, uma homenagem à cidade, inspirada nas vistas do hotel para o Aqueduto das Águas Livres.

Para além das suítes temáticas, temos também o consolidar do Soul Garden Restaurant & Bar, projeto que fizemos para o interior. Foi um grande desafio e também o estarmos abertos 360 dias no ano. Uma viagem gastronómica com foco na partilha, combinando influências asiáticas e latino-americanas. Tivemos também o lançamento da chocolateria para criar uma ligação a um produto regional, sempre com algo diferenciador para o cliente. Criámos algum dinamismo com a Companhia Portugueza dos Chocolates.

Também quero, por exemplo, dinamizar atividades como a que lançámos “Venha correr com o diretor-geral”, em que convidamos todas as quartas-feiras hóspedes e colaboradores a fazerem exercício físico logo pela manhã. É também uma ação social porque damos um donativo à Make a Wish por cada pessoa que vem correr connosco. Queremos continuar a inovar, a trazer valor para os nossos clientes e para perceberem que estamos sempre a mudar.

Como vê o Corinthia Lisbon nos próximos cinco anos?

Continuar o caminho que tem feito até hoje, ser reconhecido como uma das melhores unidades hoteleiras, se não a melhor, em Lisboa e em Portugal, ser reconhecido também como uma das melhores empresas para trabalhar nesta área, continuar a inovar, a ser dinamizadora e a reinventar para introduzir algo novo no mercado. Contamos também com a expansão da própria marca nos próximos cinco anos. 

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