Entrevista/ “O Estado português poderia fazer muito mais para ajudar as tecnológicas nacionais a ganhar escala”

André Godinho Luz, cofundador e CEO da Infinite Foundry

“É recorrente recebermos pedidos de informação com vista a uma possível aquisição ou compra de posição relevante”, revelou André Godinho Luz, o cofundador e CEO da Infinite Foundry, start-up que recentemente venceu um concurso de inovação da Siemens Energy, na Hannover Messe. Agora vai aplicar a sua tecnologia 3D Digital Twin na multinacional.

André Godinho Luz e Bruno Eisinger são os rostos que estão na origem da criação da Infinite Foundry, depois de terem trabalhado juntos como engenheiros de subcontratação do setor automóvel para resolver problemas de qualidade na cadeia de fornecimento. Lançaram o seu próprio projeto que depois do setor industrial, está a começar a também a trabalhar em áreas como retalho, desporto e cidades inteligentes. Recentemente, a Infinite Foundry viu a sua solução ser escolhida pela Siemens Energy, que agora a vai aplicar numas das suas instalações industriais, como explicou André Godinho Luz em entrevista ao Link to Leaders.

Como define a Infinite Foundry?  O que faz exatamente uma empresa especialista em fazer gémeos digitais (Digital Twin) para as áreas industriais?
A Infinite Foundry desenvolveu e comercializa o software de gémeo digital e metaverso industrial para melhorar a precisão do controlo de produção, que aumenta a eficiência operacional e reduz problemas de qualidade e manutenção. O gémeo digital replica virtualmente em tempo real tudo o que está a acontecer na linha de produção, de modo que o nosso algoritmo possa automaticamente detetar algum desvio tanto de operações automáticas como manuais.

Uma vez que o nosso algoritmo trabalha nativamente em 3D, conseguimos detetar com cerca de 100X mais precisão esses desvios do que utilizando apenas IoT, ajudando a que a indústria consiga atingir uma operação sem defeitos de qualidade. Ao adicionarmos fotorrealismo ao gémeo digital, evoluímos para metaverso industrial, que permite treinar virtualmente operadores e robôs nas tarefas produtivas. A nossa tecnologia pode ser utilizada para rastrear todo o tipo de operações industriais, tanto montagem como produção contínua, bem como operações logísticas. Por isso, começamos agora também a trabalhar noutros setores fora do industrial, como retalho, desporto, e cidades inteligentes.

Como é que nasceu a Infinite Foundry? Quem está na origem da empresa?
A empresa nasceu da experiência dos seus dois fundadores, eu e o Bruno Eisinger, que trabalharam juntos antes como engenheiros de subcontratação do setor automóvel para resolver problemas de qualidade na cadeia de fornecimento. Compreendemos que havia bastantes limitações no rastreamento preciso de operações industriais, o que levava ao aparecimento de problemas que não eram detetados. Tal experiência levou-nos a desenvolver o conceito de adaptar a tecnologia de gémeo digital para controlo em tempo real de operações industriais, de modo a eliminar esses problemas que não eram detetados pelos outros sistemas de controlo tradicionais.

Qual a mais-valia/benefícios que a vossa solução aporta ao setor industrial?
Alta precisão de controlo industrial que permite identificar qualquer pequeno problema que pode originar uma não conformidade por má qualidade de produção. A sensorização IoT não consegue ver tudo o que se passa numa operação industrial, ao passo que o gémeo digital 3D já consegue rastrear tudo. Deste modo, a eficiência de produção aumenta e, por consequência, a competitividade industrial.

Acabam de ser vencedores do concurso da Siemens Energy, na Hannover Messe. A vossa robótica vai ser implementada?
Sim, o prémio é podemos implementar numa unidade industrial da Siemens Energy a nossa tecnologia de gémeo digital 3D que servirá de sistema de navegação offline para a robótica de manutenção em unidades onde o GPS não funciona.

Que boost espera que esta parceria com a Siemens Energy dê à Infinite Foundry?
A nossa tecnologia já controla bastantes máquinas industriais, mas robôs móveis ainda só temos alguns casos. Uma vez que cada vez mais a robótica móvel se está a massificar na indústria, esta parceria ajudará a cimentar a nossa tecnologia também para aplicações de robótica móvel.

Neste momento, quem são os vossos clientes e de que áreas de atividade? 
A maioria dos nossos clientes são internacionais, nomeadamente no setor automóvel com a Mercedes, a Renault, a Hyundai, e a Saint-Gobain, mas também noutros com Westinghouse (energia nuclear), Embraer (aeronáutica), Vale (mineração), LG (produtos de consumo), entre outros.

Foram uma das start-ups vencedoras do IoT Challenge da Altice Empresas em 2020. Já este ano, foram selecionados pela incubadora Lanzadera. Que impacto têm estas distinções no vosso dia a dia?
A venda da nossa tecnologia é um processo muitas vezes integrado com outras empresas, uma vez que nos focamos no nicho de controlo industrial de alta precisão utilizando 3D. Nesse âmbito a parceria com a Altice Portugal, que resultou de termos ganho em 2020, ajudou a cimentar a implementação da nossa solução tirando partido de conetividade de alto desempenho através do 5G.

Já no caso da Lanzadera, é um programa que nos está a ajudar para escalarmos em Espanha com apoio da Mercadona que promove a Lanzadera.

Quem são os vossos investidores?
Carl Geallad é um business angel que investiu em nós no início das nossas operações.

“Não quer dizer que não estejamos abertos a investimento, mas tem que ser algo que efetivamente se encaixe na nossa filosofia de mercado e de cliente (…)”.

Rondas de investimento, sim ou não? 
A nossa tecnologia por ser muito crítica para um cliente após implementação, uma vez que controlamos ativamente as operações deles, exige um elevado nível de confiabilidade do cliente em nós, o que obriga a um longo processo de venda. Mesmo após a primeira venda, que tipicamente é numa pequena área da operação industrial do cliente, a escalabilidade para linha completa pode demorar anos.

É a característica do setor onde estamos, mas não é algo que um fundo de capital de risco goste, pois pretendem crescimentos muito agressivos que possibilitem saídas rápidas. É um modelo de investimento algo especulativo, que facilmente cria bolhas, pelo que também não é algo que nos apele. Não quer dizer que não estejamos abertos a investimento, mas tem que ser algo que efetivamente se encaixe na nossa filosofia de mercado e de cliente, que acreditamos que a médio prazo dará frutos.

Já foram assediados por alguma multinacional com vista a uma eventual aquisição ou parceria?
Sim, é recorrente recebermos pedidos de informação com vista a uma possível aquisição ou compra de posição relevante. Estudamos sempre, mas ainda nada se encaixou no valor que pretendemos entregar ao mercado.

“A esmagadora maioria das aquisições de tecnológicas portuguesas, desmembrou-as totalmente (…)”.

Esse é um cenário que faz sentido para a Infinite Foundry? Para ganhar escala?
Em teoria sim. Na prática, o “casamento” é complexo se quisermos que ele seja uma mais-valia para o mercado. A esmagadora maioria das aquisições de tecnológicas portuguesas, desmembrou-as totalmente, reduzindo a equipa de desenvolvimento para fazerem desenvolvimento interno para essas multinacionais. Não queríamos ser mais uns. O Estado português poderia fazer muito mais para ajudar as tecnológicas nacionais a ganhar escala, e que não faz pelas desculpas velhas do bicho papão de Bruxelas. Depois é óbvio que não saímos dos crescimentos medíocres como país.

Que melhorias/upgrades têm pensadas para a vossa solução?
Estamos a trabalhar na componente de utilizar a nossa tecnologia de controlo operacional 3D como ferramenta de gestão de qualidade e eficiência produtiva ao longo da cadeia de valor, com uma partilha de informação de qualidade entre os vários parceiros da cadeia de fornecedores. Além de oferecer mais valor para o mercado, melhora a escalabilidade da nossa solução.

Onde gostaria de ver a Infinite Foundry daqui a cinco anos? Em que geografias e com que tipo de inovações?Gostaríamos de ter a nossa primeira implementação ao nível global de uma cadeia de fornecimento de um grande fabricante mundial, a controlar todas as linhas de produção de todos os componentes. Gostaríamos também que outros setores fora do industrial representassem uma componente de faturação relevante, visto que a mesma metodologia de controlo 3D tem também muita aplicabilidade noutros setores como mobilidade, desporto, e saúde.

Globalmente, o que é que a vossa solução 3D de Digital Twin pode fazer pela competitividade das empresas nacionais?A indústria nacional é caracterizada por uma grande dependência externa de tecnologia, tendo pouco desenvolvimento de produto próprio. A nossa tecnologia ajuda a diminuir o risco para que a indústria nacional capture mais valor, ou seja, na prática a ter mais decisão própria por oferecer soluções mais competitivas para o mercado, que é a base dos países com maior PIB per capita.

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