24 horas na vida de um empreendedor em Silicon Valley

Embora a China e Israel sejam os novos ecossistemas no mundo empreendedor, ainda não conseguiram destronar Silicon Valley. Quem tem uma start-up tecnológica pensa no ‘vale’ como o primeiro destino para procurar investidores e o melhor talento, mas nem tudo o que brilha é ouro.
Um churrasco costuma ser o ponto de encontro de boa parte da tribo que compõe o ecossistema empreendedor em Silicon Valley (SV). Isso não significa que tenha que pôr à prova os seus dotes culinários para dar a conhecer a sua start-up na meca do empreendedorismo – também, mas convém que saiba o que vais encontrar. São muitos os empreendedores espanhóis que se lançaram nesta aventura.
A maioria voltou com as mãos vazias, alguns triunfaram e quase todos continuam a trabalhar no limite para levar por diante o seu negócio. Inbenta, EDpuzzle e a recém-nascida Kolau são alguns exemplos de uma rede que continua a crescer e que aglutina mitos e realidades.
Saiba como é o dia a dia na capital da tecnologia, segundo o Expansión.
Networking
Fazer networking é a “portagem” que terá que pagar para circular em Silicon Valley e fará parte das suas 24 horas. Assistir a eventos, conferências, localizar quem lhe interessa nas redes sociais e contactar eles pessoalmente são alguns dos seus deveres. Jordi Torras, fundador da Inbenta, conhece muito bem em que consiste. Esta start-up, especializada em processamento de linguagem natural e busca semântica, aterrou em Silicon Valley em 2012 pela mão da aceleradora Plug&Play Tech Center.
Torras recorda que aquilo que mais lhe chamou a atenção foi a diversidade que se desprendia das conversas com outros empreendedores, investidores ou clientes potenciais. “O networking existe quando é uma atitude, não é uma atividade específica do dia. Sucede enquanto esperamos no terminal de um aeroporto, quando fazemos fila num food truck ou deixamos as crianças no colégio”. O empreendedor assegura que “em Silicon Valley podemos encontrar uma enorme quantidade de pessoas que estão de alguma maneira relacionadas com o setor tecnológico. É importante explicar o que fazemos, o que queremos fazer e também escutar as histórias dos outros”.
Os fundadores da EDpuzzle, uma plataforma que permite aos professores converter qualquer vídeo numa lição flexível e interativa, levaram três anos a embarcar neste mundo e a serem aceites pela ImagineK12 – adquirida este ano pela YCombinator –, uma incubadora de start-ups de educação. Reconhecem que a incubadora lhes abriu muitas portas: “Permitiu-nos pôr em contacto com professores e apresentar a nossa empresa. Daí que agora tenhamos consciência de contar o que fazemos sempre que temos oportunidade. Aqui a concorrência é brutal e em quase todos os fóruns podes encontrar-te com um investidor, um possível sócio ou alguém que pode colaborar contigo”, explica Santi Herrero.
Danny Mola, criador da Kolau, uma plataforma de marketing digital para PME, utiliza uma palavra para definir essa atitude: hustler, ou melhor, fura-vidas. “Trata-se de trabalhar para conseguir algo até se conseguir. Há que assistir a todo o tipo de conferências, eventos, telefonar a quem for preciso ou tratar de localizar alguém em comum, ir à redação do diário que queres que cubra o teu lançamento e insistir quando não te respondem”.
Investidores
Torras afirma que os investidores têm um especial apetite por empresas que não necessitam de nenhuma injeção de capital, “o que é de certo modo irónico”. Na sua opinião, há três coisas que os investidores procuram: uma equipa sólida, principalmente os fundadores; uma tecnologia original e difícil de replicar, protegida por patentes e propriedade intelectual; e um modelo de negócio que possa ter um impacto global e ajudar a empresa a tornar-se líder do setor em que opera.
Por isso, prepare o seu plano, porque os empreendedores acham que pessoas dispostas a apostar em novas ideias há aos montes. Mola refere que “no passado uma apresentação de PowerPoint e dizer que conhecias um investidor em Silicon Valley era suficiente para agendar um encontro e, pelo menos, ser considerado. Isso acabou-se. As seed round – rondas de investimento iniciais – estão a ser uma exceção e o bootstrapping – financiamento com poupanças e receitas da faturação – está a tornar-se na única maneira de chegar a uma ronda de financiamento bem-sucedida na etapa pre-revenue – antes de ter receitas”. Perante esta mudança de tendência, Herrero afirma que em Silicon Valley “as notícias sobre start-ups que conseguem grandes investimentos, são vendidas ou entram na Bolsa são frequentes. Isto ajuda a criar um ambiente no qual a possibilidade de capitalizares a tua empresa pareça muito mais próxima”.
O talento
Silicon Valley é, de facto, o maior “caldeirão” de talento tecnológico. Terá que dedicar uma parte do seu dia a localizar os profissionais que gostaria de ter na equipa. Um projeto atrativo pode ser um bom trunfo, mas a parte económica é fundamental, “é complicado oferecer um plano atrativo para os candidatos, porque é difícil competir com os gigantes tecnológicos”, adverte Torras, reconhecendo que “as compensações baseadas em ações e opções” costumam ser o melhor trunfo. Para isso recomenda contar com o apoio de advogados especialistas.
Os freelances são cada vez menos comuns, porque, como explica Herrero, “as start-ups proporcionam benefícios extra aos seus funcionários fixos, com o objetivo de serem mais competitivas num mercado saturado de bons projetos”.
O que não parece funcionar muito bem, segundo Mola, é optar por um sistema misto, isto é, parte dos empregados estam no escritório e os restantes trabalham remotamente: “Os que trabalham à distância pensam que estão a perder muito por não fazerem parte da equipa que se conhece e vê diariamente; e os que estão no escritório não têm um bom conceito dos que desenvolvem a sua atividade no conforto do seu domicílio”.
O fundador da Kolau assegura que ” é importante para uma start-up não depender do talento apenas de Silicon Valley, cujos salários são estratosféricos devido à bolha imobiliária. Ter a equipa à distância está a aumentar e creio que será o sistema comum daqui a entre dois e cinco anos”.
Mitos e realidades das start-ups, segundo os espanhóis
Bolha imobiliária, ordenados estratosféricos, investidores aos pontapés, start-ups inovadoras e dar-se com Zuckerberg ou Calcanis, um dos grandes investidores de Silicon Valley, pode ser possível ou não. Os empreendedores espanhóis contam-nos a realidade que vivem diariamente:
- “Em janeiro de 2016, a Foursquare conseguiu ganhar metade do que esperava. Isto mostra que a bolha rebentou. Calcanis disse-me que as ‘start-up’ ‘pre-revenue’ – sem receitas – que eram valorizadas em cinco ou oito milhões, agora se ficam por metade. É a bolha do financiamento, a do ecossistema ‘start-up’ mantém-se em forma e pujante, é mais uma filosofia do que um movimento”. (Danny Mola. Kolau).
- “Temos escritório próprio, no qual trabalha a maioria dos profissionais da Inbenta nos Estados Unidos, mas continuamos a manter presença na incubadora (Plug&Play). Creio que é importante continuar em contacto com todas as atividades que se desenvolvem”. (Jordi Torras. Inbenta).
- “Para contrariar a inflação dos preços da habitação, instalou-se o fenómeno ‘remote work‘, pessoas que trabalham nas suas cidades de origem, mas, ao contrário dos ‘freelances’, têm um contrato fixo na equipa. Os profissionais podem viver noutro lugar, com um horário mais flexível e sem perder tempo nos transportes, um grande problema em Silicon Valley”. (Santiago Herrero. EDpuzzle).
- “O que tornou possível o ecossistema ‘start-up’ em Silicon Valley foi a criatividade e a ingenuidade dos seus participantes. Esta última perdeu-se. Palavras como ‘the valley’ e ecossistema têm uma conotação intrínseca de superioridade e tornaram-se demasiado comuns, o que influencia o subconsciente dos empreendedores que pensam que já se inventou a receita para o sucesso”. (Danny Mola. Kolau).
- “Estão a crescer os ‘hubs’ de tecnologia em Nova Iorque, Austin e Seattle. Muitos deles recebem os profissionais que procuram melhor qualidade de vida. É fácil augurar que as oportunidades laborais vão estar distribuídas por diferentes cidades americanas”. (Santi Herrero. EDpuzzle).