Opinião

10 anos de THU: uma jornada pelos mecanismos internos do poder político

André Luís, cofundador e CEO do Trojan Horse was a Unicorn (THU)

Este ano, celebrei um marco que significou muito para mim. O evento principal do Trojan Horse Was a Unicorn, decorreu pela décima vez em Tróia, Setúbal.

Considerado um dos mais relevantes do setor de entretenimento digital, destaca-se ainda como uma das maiores oportunidades de recrutamento da indústria: Walt Disney Animation Studios, Supercell, Lego, Netflix, Sony, Riot e Epic Games são apenas alguns dos nomes que procuraram talento no evento ao longo dos anos.

Foi uma edição histórica de sucesso que juntou 1000 mentes brilhantes e pessoas influentes da indústria, provenientes de mais de 58 países. Durante seis dias, estivemos juntos para discutir o presente e pensar o futuro de uma das indústrias mais importantes do mundo: as indústrias criativas. Apesar de ser negligenciada, é mais do que nunca uma área fundamental para o desenvolvimento social e económico de uma cidade ou país.

Tudo começou em 2013, com o desejo de criar em Portugal um projeto para o mundo. Setúbal, a minha região, parecia-me ser ideal para a minha visão de evento e tinha todas as condições para se tornar um hub numa indústria em crescimento, capaz de uma revitalização económica e social profunda. Foquei-me em Grândola, Setúbal e Portugal, e foi aí que começou uma aventura de descoberta que, de certa forma, todos os portugueses conhecem, mas que considero essencial partilhar.

O THU inicialmente era apenas um evento, mas ao longo dos anos tornou-se numa marca global na indústria, com diversos eventos e projetos por todo o mundo com vista a apoiar uma comunidade global que conta com criativos de diferentes áreas: artistas conceptuais, ilustradores, designers gráficos, artistas 2D e 3D, diretores de arte, arquitetos, programadores, engenheiros de som, profissionais de efeitos especiais e gaming, entre outros.

Com uma década de história, é natural que esta jornada tenha vários capítulos. Recordo-me dos primeiros anos, quando me dirigia às pessoas certas e recebia constantemente respostas negativas. O nome “Trojan Horse was a Unicorn” causava estranheza (na verdade, continua a causar) e ninguém compreendia o valor do projeto. Senti, acima de tudo, uma enorme falta de visão por parte dos nossos políticos, e o que aprendi é que a maioria não trabalha verdadeiramente para a população. A falta de coragem ou a sua tendência para encontrar problemas em vez de soluções é desoladora. Aceitei com dificuldade e percebi que tinha de percorrer o caminho para provar a minha visão. No entanto, passados três anos, as respostas continuavam as mesmas. Não é difícil entender o porquê do nosso país não ser mais desenvolvido, criador de ideias e produtos, exportador e ambicioso. Ficamos presos num ciclo triste e cinzento.

Neste ciclo aprendi muito sobre a indústria, mas também sobre o apoio público e o funcionamento do poder político. Foram mais de dez anos de estudo e aprendizagem, num processo de resiliência que quase me levou a desistir, com quatro mudanças de Governo e uma de presidente da Câmara de Setúbal.

A primeira mudança de atitude, como é típico em Portugal, surgiu quando anunciei que o THU ia sair de Portugal. Um novo Governo tinha tomado posse e, nessa altura, conheci um dos melhores políticos que jamais encontrarei: João Vasconcelos. Tudo o que diziam dele era verdade: tinha a coragem e visão, algo muito raro. O João convenceu-me a ficar, a dar outra oportunidade, e eu acreditei que tudo seria diferente. Começámos a trabalhar para desenvolver uma nova indústria em Portugal. Mas, depois de um ano, o João saiu e tudo desmoronou. O ciclo repetiu-se: mudam-se as caras, mudam-se as políticas, e a continuidade desaparece.

Em 2017, decidimos então partir para Malta. Bastou um ano para que o Governo português me voltasse a contactar – mais uma vez, um novo Governo, uma nova visão. Após muitas conversas e uma grande luta, aceitei regressar, com a promessa de trabalhar para criar uma indústria forte no país. Durante dois anos, o sonho existiu, as conversas fluíram, a visão foi-se construindo, mas o Governo mudou. Voltámos à estaca zero e os compromissos estabelecidos anteriormente não foram honrados. O que nos permitiu manter o evento no país nas últimas três edições foi o apoio do Turismo de Portugal, ao qual estou grato.

Contudo, regressar foi apenas uma parte. O meu verdadeiro sonho era usar todo o meu conhecimento e rede de contactos para fazer de Portugal um hub de criatividade digital para o mundo. Pensei muito antes de escrever sobre isto, mas como podemos avançar se temos medo? Os factos são claros, as histórias reais e durante 10 anos fomos dando resposta aos pedidos feitos para nos ajudarem. O que é importante partilhar é que o THU foi aprendendo e crescendo, tentando entender como poderia apoiar aqueles que acreditavam em nós.

No Japão, estamos há alguns anos a trabalhar em conjunto com um presidente da Câmara cuja visão e coragem me recordam o João Vasconcelos. Este presidente incentiva-nos a olhar para a população local de outra forma, questionando e inspirando o THU a ir mais longe. Assim, percebemos como os nossos eventos poderiam ter mais impacto local. Trouxemos essa aprendizagem para Portugal e partilhámo-la com os autarcas de outras regiões. No entanto, as respostas não foram positivas.

Em 10 anos, o THU tornou-se algo diferente, conectando-se a 180 países. Hoje, temos a missão de desenvolver as economias criativas no mundo, com um projeto em andamento numa cidade e negociações com outros países. Mas, em Portugal, onde durante 10 anos bati à porta na esperança de que algo mudasse, nada aconteceu.

Aprendi que os eventos devem servir o ecossistema local, e é necessário retribuir. O THU sempre trouxe notoriedade internacional, mais turismo e negócio para a região, mas era preciso mais – era preciso ligar o coração da cidade, as pessoas, especialmente os jovens. Infelizmente, não tenho conseguido.

Espero que a minha experiência ajude os políticos a olhar para os eventos de forma diferente, especialmente ao nível local. É urgente um maior envolvimento, trabalho e aproveitamento destas oportunidades para construir algo diferente. Continuo a acreditar que Portugal pode liderar nesta e noutras indústrias, proporcionando-nos a qualidade de vida que merecemos. No entanto, é essencial que todos nós, cidadãos, exijamos mais de quem nos governa, sem medo de partilhar as nossas experiências e opiniões, apesar das possíveis represálias.


André Luís é o cofundador de Trojan Horse was a Unicorn (THU), um dos projetos mais relevantes do setor do entretenimento digital e interativo, à escala global. Licenciou-se em Design Industrial e tem uma pós-graduação em Gestão de Marketing. A ideia de criar o THU surgiu em 2013 em resposta ao desejo de fazer diferente, ser útil para a sociedade e ter um impacto positivo na vida das pessoas. Atualmente, o THU é uma marca internacional de renome na indústria, promovendo diversos eventos e projetos por todo o mundo e afirmando-se como um ecossistema de networking criado para partilhar conhecimentos e inspirar criadores.

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