Opinião
“Se todos quiséssemos o mundo era extraordinário!”

Foi assim que o Comendador Rui Nabeiro recebeu no passado dia 6 de Outubro o Prémio de Mérito e Excelência. Uma frase tão óbvia que nem devia ser necessário dizê-la, mas que todos deveríamos levar no bolso, para que o conjuntivo da mesma passe a ser presente e futuro.
E foi com este ponto de partida que me pus a pensar. A pensar porque é que por muitas vezes o mundo não é tão extraordinário (para além das evidências que todos os dias nos chegam pelas casas adentro), mas acima de tudo porque é que muitas vezes também o é, e no que podemos extrair desses momentos para que o possa ser sempre. Só no último mês, se calhar sem nos darmos conta, temos assistido a vários exemplos disso, aos quais chamei de “provas” (são apenas alguns recentes, poderiam ser outros, todos eles em diferentes campos).
“Prova número 1” – Roger Federer. No mês passado um dos maiores atletas de todos os tempos decidiu pendurar a raquete de ténis. Nada de novo até aí, todos os jogadores eventualmente o fazem, faz parte do ciclo da vida e do desporto. Mas este não é um jogador qualquer, e definitivamente este adeus não foi um adeus qualquer, foi aliás um dos momentos mais emocionantes que tive oportunidade de assistir. Não é um jogador qualquer porque é um dos melhores atletas de todos os tempos, e por isso naturalmente ficará para sempre na História do desporto. Mas acima de tudo não é um jogador qualquer porque tocou cada um com quem se cruzou, porque teve sempre um respeito e um amor pelo desporto que nunca deixou ninguém indiferente, porque espalhou classe e demonstrou ser um grande ser humano, dentro e fora do court, e por isso jamais será esquecido.
Ver a emoção com que toda a “Última Dança de Roger” se desenrolou demonstra a pessoa especial que é e como se pode ganhar, ter ambição e sucesso, a respeitar os adversários, a manter a família unida, a fazer amigos, a melhorar com as melhorias dos outros. Para mim ficará para sempre a imagem de Roger e Nadal, o seu maior adversário, de mãos dadas a chorar – porque o adeus de um é também uma perda muito grande para o outro, porque cada um deles fez do outro um jogador e uma pessoa melhor, porque juntos melhoraram o desporto e fizeram História, mas acima de tudo porque no final a amizade e os momentos partilhados com os outros são o que realmente fica.
“Prova número 2” – Patagonia. Foi também no mês passado que Yvon Chouinard, meio século depois de fundar a Patagonia (vale hoje mais de 3 mil milhões de dólares), anunciou que irá doá-la a uma organização “não-governamental” dedicada a combater a crise ambiental. Muitos pensarão que será mais fácil tomar uma decisão destas nesta fase, mas a verdade é que o propósito da Patagonia (que vende roupa) é há muito tempo salvar o planeta (e tem agido em concordância) – “We are in business to save our home planet”. Fantástico.
“Prova número 3” – alguns professores. Este é um tema que por si só merecia uma reflexão própria. Apesar de não ser um exemplo público, todos irão entender. A educação é, na minha opinião, a base da estrutura da sociedade. Saber ensinar é um dom e é a aprender que crescemos e melhoramos. Todos recordamos com saudade este ou aquele professor pelo impacto que teve, e muitas são as pessoas que acabaram por seguir carreiras por professores que tiveram.
Este ano letivo arrancou com uma enorme falta de professores – a 17 de setembro mais de 85 mil alunos ainda não tinham professor. Uma pessoa que conheço, tendo a disponibilidade e a habilidade, inscreveu-se para preencher uma dessas vagas. No 1.º dia na escola, ao almoço, no pátio, um conjunto de crianças riam-se e apontavam. A pessoa em questão perguntou-lhes: “Vocês são do 2.º A certo? Hoje passei na vossa sala não foi?”. Eles timidamente responderam que sim, mas continuaram a sorrir muito. Então essa pessoa voltou a perguntar: “Então o que é tão engraçado?”. A resposta foi “Ah, é que o professor disse bom dia e a maior parte das pessoas que vão à sala só falam com o professor que está na sala, não se dirige aos alunos”. É impressionante que isso aconteça, e é ainda mais impressionante o impacto que isso tem nas crianças. O poder de um bom dia, de um sorriso, para as gerações de hoje, de amanhã, e de ontem.
“Prova número 4” – Nabeiro. Comendador Rui Nabeiro. Não é uma “prova” recente – tem aliás sido prova durante toda a sua vida – mas foi este mês que recebeu o prémio (mais um) e disse as magníficas palavras que serviram de pontapé de saída a este texto. Alcançou feitos extraordinários, fez da Delta uma marca de referência (diria que ninguém discordará), mas acima de tudo sempre quis (e quer) um mundo extraordinário. Nunca diz que não a ajudar alguém, trata sempre com muito respeito o seu semelhante, procura sempre o bem-estar do próximo nas suas empresas e “retribuir” à comunidade – é no fundo uma grande referência para toda a gente. Pessoalmente sinto-me um sortudo por ter tido a oportunidade de o conhecer.
Então, não poderemos nós transpor estes exemplos, estas “provas”, para a nossa vivência, para as nossas casas, para as nossas empresas, para a sociedade?
Podemos, e devemos. De forma literal? Evidentemente que não. Não precisamos de começar a jogar ténis ou ser grandes desportistas como o Federer ou o Nadal. Mas sem dúvida que podemos ser um pouco mais como eles no nosso trabalho, nas empresas e na política, ao privilegiarmos a competitividade ao invés da competição desmedida, o diálogo ao invés da agressão, a criação de valor e exploração das diferenças ao invés da reclamação e disputa de valor (por exemplo, muitos setores têm desafios demasiado grandes para uma só empresa, necessitam que elas trabalhem em conjunto) – sempre com o respeito ao próximo.
Não precisamos igualmente de doar empresas ou ter o propósito de salvar o mundo como a Patagonia, mas podemos encontrar o nosso propósito (individual e corporativo) e fazer a diferença dentro desse mesmo propósito; podemos envolvermo-nos naquilo que nos rodeia e pôr os nossos talentos a render em prol de um mundo mais extraordinário. Igualmente, e pegando num exemplo mais mundano, não precisamos de ser professores (embora desse jeito), mas coisas como um “bom dia” ou “boa tarde” mostram muito do nosso carácter e podem ter um impacto muito grande nos outros.
No fundo, não precisamos de ser o Rui Nabeiro, mas podemos ser mais como este e muitos outros “Ruis Nabeiros” – mais atentos ao próximo, utilizando o “amor como critério de gestão” (recomendo a leitura do livro do António Pinto Leite), tendo respeito pelas opiniões dos outros, sendo íntegros no nosso trabalho, promovendo o diálogo, incorporando a sustentabilidade nos valores das nossas empresas e sendo exigentes com quem governa.
Finalmente, volto a pegar nas palavras do Sr. Comendador, mas deixando um desafio – em vez de “se todos quiséssemos”, diria mais que “se todos quisermos, o mundo será (ainda mais) extraordinário”, até porque nunca é tarde para começar, e o amanhã começa a mudar-se hoje.