Entrevista/ “Queremos fazer uma disrupção na indústria de sensores óticos e da monitorização”

Pedro Pinto, cofundador e CEO da Fibersail

A Fibersail, uma start-up do setor energético apoiada pelo programa Ativar Portugal da Microsoft, promete revolucionar o mercado da energia eólica. O Link to Leaders esteve à conversa com Pedro Pinto, cofundador e CEO da empresa.

A solução da Fibersail permite monitorizar o estado e comportamento em tempo real das lâminas das turbinas eólicas. A tecnologia foi inspirada na experiência de velejadores dos fundadores da empresa.

Para Pedro Pinto, CEO da empresa, a Fibersail está a tornar estruturas críticas em estruturas inteligentes, mais eficientes e seguras, fazendo com que os custos de manutenção desçam, ajudando a reduzir o custo da energia gerada por fontes renováveis, como a energia eólica.

Como é que surgiu a ideia de criar um sistema de monitorização das turbinas?
A ideia começou numa conversa com um amigo velejador, estávamos a pensar numa maneira de colocar o nosso barco a andar mais do que o dos outros. Estávamos a falar de um nível olímpico. Eu fui treinador da equipa olímpica durante dez anos, estive nos Jogos de Pequim e Londres e estávamos no decurso da preparação para os Jogos do Rio de Janeiro. Quando surgiu a ideia, dissemos: “há muitas ideias, mas se não metermos mãos à obra, isto não avança”. A nossa ideia era fazer algo que ganhasse diferenciação e que pusesse os nossos barcos a andar mais rapidamente, não estávamos a pensar em criar uma empresa ou uma start-up. Começámos a procurar uma solução tecnológica disponível no mercado e descobrimos a tecnologia certa: fibra ótica.

Para pôr a ideia em andamento, percebemos que precisávamos de um fornecedor de fibra ótica, de sensores e de alguém que arranjasse um algoritmo. Fizemos uma parceria com a FEUP [Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto] que começou uma tese de doutoramento para desenvolver este algoritmo. Depois de desenvolvida a tecnologia, lançámo-nos ao mercado. Para dar este passo, fomos a uma aceleradora de start-ups, para nos ajudar com o “know-how”, uma proposta de valor, o nosso modelo de negócio. E foi aí que começamos a perceber que o mercado dos barcos à vela é muito pequeno para a dimensão da tecnologia que estávamos a criar. Por isso, apesar do nosso coração e da nossa cabeça estar na vela, o investidor disse-me “vais desenvolver isso, mas não é para a vela, é para ganhar dinheiro”. Fizemos um estudo de mercado e descobrimos que era na indústria eólica que podíamos ter uma proposta de maior valor. Isto não engloba só a redução da manutenção da estrutura crítica que é uma pá, mas podemos dar ao construtor a capacidade de criar pás muito maiores ou muito mais leves, que vão ser eficientes até com pouco vento. Isto pode tornar a indústria muito mais rentável e reduzir o custo das energias renováveis, algo útil para o mundo.

Quem são os vossos principais grupos-alvo?
Temos dois grupos que queremos atingir: numa fase inicial, os construtores de pás eólicas, como parceiros e clientes; e depois, numa segunda fase, o operador, que é quem vai usufruir disto. Neste momento, estamos a trabalhar com a maior construtora de pás eólicas do mundo e temos estado a testar os nossos modelos de larga escala – 50, 60 metros – nas pás deles. Entretanto, estamos também num programa de aceleração com a EDP, o EDP Starter, porque nos interessa conhecer os problemas do construtor, mas também os do operador, e criar uma solução que seja vantajosa para ambos. Nesta indústria temos de criar valor em toda a cadeia de valor. Para colocar isto na pá do construtor, tem que ser o operador a dar autorização, pois é ele que, no final, vai ter uma operação inteligente das pás.

Há alguma maneira de colocar a vossa tecnologia em pás já existentes ou tem de ser tudo feito de raiz?
Isso é o que os operadores nos têm pedido. Dizem-me: “Pedro, nós queremos colocar o sistema em pás já existentes”, só que, com a nossa tecnologia, as pás têm de ser feitas de forma a ter algo no interior que nos permita colocar o nosso sistema. A colocação é um processo muito rápido, mas a pá tem de estar preparada para isso. Estamos a trabalhar com o construtor, para que este comece a criar pás que tenham essa possibilidade e onde seja fácil de colocar o sistema, o que não é o caso das pás já existentes. Mas é um mercado muito grande. E nós estamos a desenvolver sistemas para fazer o chamado “retrofitting” [processo de modernização de algum equipamento já considerado ultrapassado] das turbinas já existentes. É um passo que vamos dar.

Há algum equipamento que se equipare ao vosso ou o equipamento que desenvolveram é completamente inovador neste mercado?
Eu diria que o nosso produto é totalmente inovador. No entanto, isto não quer dizer que não haja concorrentes. Hoje em dia as coisas são feitas de fibra ótica e sensores e, se quiser monitorizar, por exemplo, esta estante, tem de ir buscar alguém que seja especialista em sensores óticos. Essas pessoas chegam aqui e começam a colocar os sensores. Mas depois tem de ir buscar uma equipa para fazer uma análise de dados e ver o que é que isso significa. O que nós estamos a tentar fazer é uma disrupção total nesta indústria de sensores óticos e da monitorização e dizer: “O João compra o nosso sistema e vai adaptá-lo ao produto X; abre o computador e começa a ler” e a fazer a sua análise e a receber alertas para uma deformação anómala.

Estamos a tentar criar, numa indústria que trabalha muito à base de consultoria e que é muito dispendiosa, um produto que seja “plug and play” e que qualquer pessoa possa utilizar e, com isto, reduza o custo em dez vezes. Só para termos uma noção, a construtora de pás com que estamos a trabalhar, quando pede um sistema de “share sensing” a uma empresa normal, este vai custar à volta dos 200 mil euros. Quando pede o sistema à Fibersail, custa à volta dos 20 mil e, com a economia de escala, vai provavelmente custar dez mil. Quando nós oferecemos uma proposta de valor na ordem dos 30 a 40 mil euros anuais, vamos querer ter um “fee” anual entre os três e os quatro mil euros.

Já têm um escritório em Roterdão. Estão a pensar em manter-se em Portugal ou planeiam mudar-se para um país que tenha benefícios fiscais mais atraentes para a Fibersail?
A estratégia vai ser sempre fazer o desenvolvimento em Portugal. Obviamente que a parte das vendas terá de passar por um país em que estejamos próximos do cliente. Na indústria eólica, será o norte da Europa como a Dinamarca, a Alemanha ou até mesmo os Estados Unidos. Por isso, queremos ter um “front office” num destes países, embora o desenvolvimento seja feito todo cá [em Portugal]. Em 2013, 20% da eletricidade consumida em Portugal veio da energia eólica.

Que percentagem podíamos esperar se o vosso produto fosse colocado em todas as turbinas presentes em território nacional?
É um pouco difícil de responder. O que nós sabemos e pretendemos é melhorar a eficiência de cada turbina à volta de 1 a 2 %. É um objetivo grande, mas achamos que é atingível, ou seja, se uma turbina tiver uma capacidade produtiva na ordem dos 40%, nós queremos aumentá-la para 42%. Isso vai gerar, ao fim de um ano, um valor que ronda os 30 a 40 mil euros em cada turbina. Se multiplicarmos isto pelas 300 mil turbinas que existem atualmente, já dá um valor bastante interessante.

Neste momento têm capacidade para começar a receber encomendas? Têm distribuidores, fornecedores e capital para mandar construir o vosso produto?
Não. Nós ainda estamos numa fase inicial. Acabámos de testar o nosso primeiro protótipo de larga escala numa pá de 60 metros de comprimento. A construtora ficou satisfeita com a precisão que tínhamos a medir em 3D e oficializaram o seu interesse. Agora estamos a construir um segundo protótipo que vai estar muito mais perto da venda e esperamos que, com o teste deste produto, tenhamos a primeira encomenda. Esse é o nosso objetivo. Vamos chegar ao mercado dentro de 12 e 18 meses, provavelmente.

Quais são os planos futuros da Fibersail?
Neste ano já demonstrámos que o sistema tem alta precisão em larga escala. Agora o que temos de fazer é melhorar o “handling” do sistema, ou seja, permitir que qualquer pessoa de qualquer fábrica consiga receber o nosso sistema, colocar dentro da pá e começar a operar. É o que vai surgir no segundo protótipo e depois vamos provavelmente passar um ano a fazer testes.

O futuro energético português passa pela energia eólica?
Eu diria que o futuro energético português se vai assemelhar um pouco ao futuro energético europeu e mundial. Tenho estado a assistir a uma competição bastante elevada entre a indústria da energia eólica e solar. E é uma competição que eu acho que é saudável. Se olharmos para trás, há quatro ou cinco anos não imaginávamos que o custo da energia solar ou renovável atingisse os patamares que atingiu hoje em dia. O problema das renováveis é o facto de não termos sempre vento ou sol. Por isso, para dependermos das renováveis, temos de trabalhar na parte de armazenamento e na gestão das redes. Vemos empresas como a EDP a trabalhar nessa gestão e a prepararem-se para, no futuro, trabalharem apenas com energias renováveis. Há sempre novas tecnologias a surgir. Estamos a começar a ver algum trabalho de investigação na área nuclear que também pode vir a funcionar no futuro. Mas o futuro [energético] vai ser, sem dúvida, o renovável.

De que forma é que a Microsoft ajudou no processo de desenvolvimento da Fibersail?
É um parceiro bastante importante que nos facilitou a vida, quando começámos a trabalhar na parte de inteligência e de comunicação remota. Nós temos um instrumento ótico que trabalha localmente e que faz a monitorização em tempo real. Mas, para mostrar estes dados remotamente, temos de utilizar a “cloud”. A partir do momento em que queremos analisar os dados e criar inteligência para prever qual vai ser o comportamento futuro de uma turbina, temos de ter uma plataforma “machine learning”. São produtos como estes que podemos usufruir na colaboração com a Microsoft.

Por último, se tivesse criado a Fibersail hoje, o que mudaria?
Provavelmente ia conseguir chegar muito mais rapidamente ao patamar onde estou hoje. No final, vinha dar ao mesmo sítio, mas chegava muito mais rapidamente, porque não ia cometer os erros que cometi inicialmente. Mas estou satisfeito com o caminho que temos vindo a percorrer, apesar de termos demorado bastante tempo. Tem sido interessante.

 

Foto: Pedro Pinto, cofundador e CEO da Fibersail, o primeiro a contar da esquerda para a direita

Comentários

Artigos Relacionados