Quais os desafios de ser mulher e empreendedora? Três executivas respondem.
O que é preciso fazer para que as mulheres tenham mais hipóteses de mostrar o seu potencial? Quais os desafios de ser mulher e empreendedora? Estas são algumas das questões a que Susana Fontes, CEO da Impress Portugal, e Filipa Pinto de Carvalho e Catarina Almeida Garrett, fundadoras da AGPC, aceitaram responder no Dia Internacional da Mulher.
Três mulheres à frente de duas empresas de áreas de negócio completamente distintas, mas com as mesmas problemáticas e desafios diários para levarem os seus projetos a bom porto. Têm em comum o facto de serem mulheres e empreendedoras que procuram marcar a diferença.
Susana Fontes é CEO da Impress Portugal, uma empresa que se dedica à ortodontia invisível e que está presente em Portugal desde janeiro de 2020. Atualmente, tem clínicas de Norte a Sul do país e investimentos em agenda para abrir novos espaços.
Por sua vez, Filipa Pinto de Carvalho e Catarina Almeida Garrett fundaram a AGPC, em 2027, para ajudar os clientes que pretendem investir, lançar um negócio ou mudar-se para Portugal. Assumem-se como uma plataforma one-stop proporcionando todo o apoio que os investidores estrangeiros, empresariais e individuais, necessitam para abordar adequadamente a entrada no nosso mercado. Com o Link to Leaders partilharam a sua visão do mundo empresarial e do papel que as mulheres podem desempenhar para criar um ecossistema mais igualitário.
Susana Fontes, CEO da Impress Portugal
Quais os desafios de ser mulher e empreendedora no seu setor de atividade?
Empreender, especialmente num setor tão complexo como a saúde e tecnologia, é um desafio que me exigiu a aquisição de novas competências, apesar do meu percurso e anos de experiência no setor. A incerteza e instabilidade, comuns em empresas de healthtech, aumentam os desafios, o que nos faz lidar com decisões difíceis, medo e incerteza, numa base constante.
A conciliação entre vida profissional e pessoal representa outro desafio, especialmente devido às expetativas sociais relativamente ao papel das mulheres. Considero que manter uma saúde física, mental e emocional é o caminho para enfrentar tudo isto. Adicionalmente, a capacidade de enfrentar desafios, juntamente com a humildade de aprender com cada uma dessas experiências, define a essência de uma verdadeira empreendedora.
O que podem as fundadoras/empreendedoras aportar de mais-valia ao setor empresarial? O que as distingue da liderança masculina?
A meu ver, a liderança feminina destaca-se pela abordagem colaborativa e pela ênfase nas relações interpessoais. Tenho notado que as mulheres líderes tendem a valorizar a comunicação aberta, a empatia e a construção de equipas coesas. Na minha experiência, esta abordagem, centrada nas pessoas, contribui para um ambiente de trabalho mais inclusivo e estimulante. Acho que a mais-valia está na capacidade de derrubar muros e reconhecermo-nos como pessoas, para lá de cargos e funções, o que nos possibilita ser mais autênticos uns com os outros. Além disso, também acredito que a resiliência e a capacidade de multitarefa são distintas na liderança feminina.
Embora cada líder seja único, a liderança feminina, de forma geral, destaca-se pela capacidade de inspirar e motivar através da colaboração e do apoio mútuo. O meu crescimento pessoal e profissional foi determinado pelas minhas experiências e a capacidade de aprender com cada uma das líderes com quem tive o prazer de aprender e procuro retribuir ao ajudar outras empreendedoras a superar desafios.
Inclusão, equidade e igualdade de género, criação de quotas… Qual o peso/importância destes mecanismos na valorização das mulheres no universo empresarial e, por consequência, na economia?
A inclusão, seja em que contexto for, é na minha opinião um pilar fundamental para promover um ambiente mais justo e eficiente. No seio empresarial, a criação de quotas é uma medida importante para garantir a representação feminina nas posições de liderança, mas não deve ser o único recurso. Implementar políticas que promovam a igualdade de oportunidades, desde a fase de recrutamento até às oportunidades de progressão na carreira, também é necessário. Quando as mulheres têm as mesmas oportunidades de ascensão e de reconhecimento que os homens, significa que se está a valorizar o seu contributo individual e, a longo prazo, a diversidade de perspetivas na tomada de decisão, para uma sociedade mais justa, mas também para uma economia mais dinâmica e resiliente, onde o talento e a capacidade são reconhecidos independentemente do género.
O que urge mudar no ecossistema empreendedor nacional, seja do lado da criação, da inovação ou do investimento, para que as mulheres consigam ter mais condições e hipóteses de vingar e mostrarem todo o seu potencial?
Acho urgente que haja transformações no ecossistema empreendedor, para que este crie condições que permitam às mulheres prosperar e evidenciar todo o seu potencial. A mudança começa com a eliminação de barreiras e a promoção de uma cultura que valorize o talento, para lá do género, permitindo assim que todas as mulheres alcancem o seu potencial, se assim o desejarem. Como lá chegar?
Em primeiro lugar, e como referido anteriormente, promover a igualdade de oportunidades desde o início, apoiando a criação de empresas lideradas por mulheres e incentivar a sua participação ativa nos setores de inovação e tecnologia é um passo fundamental.
Em segundo, é importante continuar a investir em redes de apoio e mentoria específicas para as mulheres, um ambiente onde possam partilhar experiências — boas e más. É de notar que, no ecossistema de empreendedorismo português, já existem diversas comunidades que, por meio das suas iniciativas, proporcionam aos seus membros oportunidades para participar em eventos, estabelecer contatos com indivíduos com vasta experiência e conectar-se através da colaboração mútua. Estas comunidades personificam uma nova perspetiva no mundo dos negócios, pois favorecerem a democratização do empreendedorismo e impulsionam o crescimento económico nacional de forma mais inclusiva, dinâmica e inteligente.
Filipa Pinto de Carvalho e Catarina Almeida Garrett, fundadoras da AGPC
Filipa Pinto de Carvalho (F.C.P): Quais os desafios de ser mulher e empreendedora no seu setor de atividade?
Por se tratar de uma área de prestação de serviços tão pessoais, lidamos com profissionais de setores muito diferentes, com experiências de vida e visões do mundo distintas e, no caso da AGPC, com pessoas de outras nacionalidades. Há momentos em que é desafiante ser mulher em posições de liderança, pois algumas pessoas podem não estar habituadas a lidar com mulheres a ocupar os cargos cimeiros de decisão. Isso acaba por criar obstáculos na forma como nos posicionamos, pois queremos ser respeitadas sem perder as nossas características. Existe o desafio adicional de combater o estigma cultural associado aos papéis de género. Esse paradigma pode impactar a perceção do trabalho e das decisões das mulheres em cargos de liderança, mesmo quando a sua competência não está em questão. É importante encontrar o equilíbrio certo, sem tentar imitar comportamentos masculinos e conseguindo ganhar respeito através da nossa competência e liderança autêntica.
O que podem as fundadoras/empreendedoras aportar de mais-valia ao setor empresarial? O que as distingue da liderança masculina?
Catarina Almeida Garrett (C.A.G): É inegável que todos os géneros têm características positivas a oferecer e no caso de muitas mulheres destaco a capacidade feminina de organização, a visão holística e o talento natural para harmonizar diferentes áreas das suas vidas, incluindo a pessoal, profissional e maternal. Esta diversidade de experiências confere às mulheres uma grande capacidade de adaptação para enfrentar desafios diversos e imprevistos com eficácia. Portanto, a contribuição de fundadoras e empreendedoras para o setor empresarial acaba também por residir na sua capacidade única de organização e de lidar com diversas situações com uma maturidade e inteligência emocional particulares.
F.C.P : Em certas circunstâncias, destaca-se a capacidade de utilizar a inteligência emocional e a sensibilidade como características de liderança. Não considero que seja uma discrepância inerente entre homens e mulheres, mas sim um reflexo das influências da educação e das expetativas culturais em torno dos papéis de género. As mulheres tendem frequentemente a ser encorajadas a desenvolver a sua inteligência emocional e sensibilidade, que acabam por se refletir nas suas abordagens à gestão de equipas, negociações e interações profissionais. Essa capacidade de discernir e reagir a sinais não verbais pode fortalecer a eficácia da liderança em determinados contextos.
Inclusão, equidade e igualdade de género, criação de quotas… Qual o peso/importância destes mecanismos na valorização das mulheres no universo empresarial e, por consequência, na economia?
F.C.P: Atualmente, acredito que esses mecanismos ainda são necessários, embora desejasse que não fossem. Já vemos mudanças a acontecer e estes mecanismos acabam por oferecer um suporte adicional para garantir que o progresso continue e se fortaleça. A implementação de quotas, por exemplo, garante uma representação mais equitativa das mulheres em cargos de liderança e influência nas empresas, o que pode, por sua vez, impulsionar a economia ao promover uma diversidade de perspetivas e abordagens nos processos de tomada de decisão empresarial. Portanto, embora ache desejável que esses mecanismos não sejam mais necessários no futuro, reconheço a sua importância atual na valorização das mulheres no mundo empresarial e, consequentemente, no crescimento económico.
O que urge mudar no ecossistema empreendedor nacional, seja do lado da criação, da inovação ou do investimento, para que as mulheres consigam ter mais condições e hipóteses de vingar e mostrarem todo o seu potencial?
C.A.G: Algo que infelizmente ainda vemos acontecer com frequência é a percentagem de capital investido nas empresas fundadas e lideradas por mulheres ser absurdamente baixa e, portanto, é fundamental que se criem mecanismos que facilitem o investimento em empresas fundadas e lideradas por mulheres. Isso pode ser alcançado de duas formas: em primeiro lugar, aumentando a representação feminina entre os responsáveis pela tomada de decisão nos fundos de investimento e outras entidades que determinam onde investir e quanto investir. Em segundo lugar, é necessário continuar a promover políticas e práticas que criem um ambiente favorável para o empreendedorismo feminino, incluindo acesso a financiamento para projetos, programas de mentoria e redes de apoio.
Reforçar esses incentivos e políticas pode ser fundamental para evitar que nós, mulheres empreendedoras, nos sintamos tão sobrecarregadas com as tarefas e responsabilidades do dia a dia e, consequentemente, tenhamos o apoio muitas vezes necessário. Além disso, é importante fomentar uma cultura empresarial mais inclusiva e diversificada, onde as mulheres se sintam valorizadas e apoiadas nas suas jornadas empreendedoras. Essas mudanças são essenciais para que possamos competir em pé de igualdade no mundo empresarial e demonstrar todo o seu potencial empreendedor.