Entrevista/ “Implementar boas campanhas publicitárias não é suficiente”

Rui Correia Nunes, CEO e fundador da Karma Network

O CEO da Karma Network  analisa o estado do marketing digital no mercado nacional e as mais valias que pode aportar às empresas e ao sucesso de um negócio.

Rui Correia Nunes, ex-Google e atual CEO da Karma Network, uma agência de consultoria e implementação de estratégia digital, falou ao Link To Leaders sobre os desafios e as oportunidades das novas tecnologias para os marketeers. Numa altura em que os processos de digitalização influenciam cada vez mais as estratégias de marketing das empresas, a Karma Network assume-se como uma “Digital Execution Agency” que combina estratégia e execução digital para produzir resultados extraordinários”, afirma o seu responsável.

Como surgiu a ideia de criar a Karma Network?
Surgiu com o propósito de ajudar as empresas a captarem o máximo potencial do digital, algo que, enquanto estava a trabalhar como responsável de desenvolvimento de negócio da Google em Portugal, constatei ser uma necessidade do mercado. Todos os meus clientes, mais do que comprarem publicidade, pretendiam resolver este desafio.

Que serviços disponibilizam?
O foco da Karma consiste em ajustar e/ou desenvolver a atuação dos nossos clientes para que esta possa ser viabilizada no mundo digital, o que pode, no limite, implicar a criação de uma versão desmaterializada do seu serviço ou do seu produto.

A nossa abordagem passa por repensar, reconceptualizar, refazer e otimizar os negócios dos clientes à luz das novas tecnologias. Na prática, colocamos o nosso conhecimento, a nossa experiência e a nossa capacidade de implementação e gestão à disposição para que as empresas possam retirar o máximo de potencial do digital.

Por vezes, ter um site muito bom e implementar boas campanhas publicitárias não é suficiente e é preciso olhar para a natureza do negócio (…)

De que forma ajudam os clientes a maximizar o potencial online?
Num primeiro momento, identificamos as oportunidades, como aumento de receitas, redução de custos, internacionalização, etc., que o digital pode trazer a um determinado tipo de negócio. Num segundo momento, mapeamos os canais, as ferramentas e as plataformas que as podem rentabilizar, e, num terceiro, sinalizamos os ajustamentos que a organização terá de fazer ao nível do seu modelo de negócio ou dos seus processos e da sua cultura.

Por vezes, ter um site muito bom e implementar boas campanhas publicitárias não é suficiente e é preciso olhar para a natureza do negócio e procurar perceber como é que as respetivas propostas de valor podem ser declinadas de forma diferente de segmento a segmento e, às vezes, de pessoa a pessoa.
Podemos assumir uma postura consultiva ou substituirmo-nos aos clientes no papel de implementação e gestão, numa lógica de interim management, ajudando-os a desenvolver as competências que lhes permitam abraçar os desafios da transformação digital.

Como define o vosso tipo de cliente?
É difícil de classificar porque, na verdade, assume mais do que uma tipologia. Contudo, todos os nossos clientes partilham um conjunto de caraterísticas que residem na sua vontade de mudar e na sua ambição de conseguir criar impacto no digital. Na Karma, tanto trabalhamos com empresas do PSI-20 como com as start-ups que fazem manchetes nos jornais ou até com empresas industriais fortemente exportadoras.

De todos os projetos em que estiveram envolvidos, qual foi o mais desafiante?
Os projetos mais desafiantes são sempre aqueles em que a abrangência do que fazemos é maior e, muitas vezes, conduz à transformação da própria organização, da sua cultura e da sua morfologia corporativa, isto é, dos seus perfis, dos seus processos e dos seus sistemas. São também aqueles em que o impacto do nosso trabalho é mais visível e mensurável, ficando toda a gente consensualmente satisfeita com o resultado.

Talvez o projeto em que sentimos isto de modo mais evidente tenha sido o que desenvolvemos para a Temahome, um fabricante de móveis, e que englobou a elaboração de toda a estratégia digital e a reestruturação da plataforma de e-commerce. Enquanto organização, a Temahome redefiniu por completo a sua proposta de valor para o online: mudou o seu processo produtivo, passou a contratar profissionais com um perfil mais vocacionado para o digital e o seu site foi remodelado, o que otimizou o seu desempenho. As vendas no digital passaram a representar 40% do total do negócio, o que corresponde a um crescimento de mais de 400% em três anos.

(…) desde que exista essa vontade e ambição, as empresas portuguesas estão preparadas.

As empresas portuguesas estão preparadas para a transformação digital?
A transformação digital é, em grande medida, um processo de gestão da mudança, para o qual não existem requisitos de partida muito grandes a não ser a vontade da gestão de topo. Portanto, diria que, desde que exista essa vontade e ambição, as empresas portuguesas estão preparadas.

Quais os desafios que os marketeers enfrentam hoje em dia com as novas tecnologias?
Existem, pelo menos, três tipos de desafios que as novas tecnologias colocam aos marketeers. O primeiro desafio é o de se manterem a par das tendências do marketing digital, o que é muito difícil considerando o ritmo de inovação face à escala das organizações portuguesas e implica, muitas vezes, o recurso a consultoria externa ou a novo talento. Deste modo, o segundo desafio é o de terem a capacidade de fazer boas escolhas ao contratar consultores ou recrutar talento em áreas que eles próprios, na sua maioria, não dominam, como por exemplo Data Sciences. Já o terceiro desafio relaciona-se com o facto de o marketing digital ser, em si, cada vez mais científico e tecnológico e, na maior parte dos casos, os marketeers não terem esse background. Tudo isto obrigá-los-á a reciclarem-se e, no limite, a rodearem-se de outro tipo de perfis que sejam complementares aos seus para que possam apresentar bons resultados.

Hoje em dia, na minha opinião, o conhecimento mais relevante não está nos livros, mas em sites e blogues especialistas e a prática capacita mais do que o ensino tradicional.

E quais são os maiores desafios para quem se quer iniciar na área do marketing digital?
Diria que os maiores desafios são saber escolher as fontes de capacitação, quer ao nível do conhecimento, quer ao nível da experiência que os poderão tornar profissionais robustos. Hoje em dia, na minha opinião, o conhecimento mais relevante não está nos livros, mas em sites e blogues especialistas e a prática capacita mais do que o ensino tradicional. Há formatos de ensino de nova geração que, na maioria dos casos, não estão presentes em Portugal e que são muito mais eficazes do que aqueles que temos. No que à experiência diz respeito, é mais difícil identificar os contextos de aprendizagem, mas considero fundamental procurarem organizações onde haja liderança intelectual na área.

(…) quem possui o conhecimento é, tipicamente, quem detém o poder e se apropria de uma fatia mais do que proporcional de valor em virtude da referida assimetria.

O digital é um catalisador do crescimento e fortalecimento da economia, mas é preciso saber usá-lo. Acredita que a noção do poder das tecnologias digitais existe e está bem enraizada? O que é que falta ainda?
O digital representa uma mudança de paradigma e, nos momentos de mudança, muitas vezes verifica-se uma grande assimetria ao nível do conhecimento entre os que já o assimilaram e os que não. Viu-se isto na Revolução Agrícola e na Revolução Industrial e tem-se passado o mesmo na Revolução da Informação. Portanto, quem possui o conhecimento é, tipicamente, quem detém o poder e se apropria de uma fatia mais do que proporcional de valor em virtude da referida assimetria.

Quando o conhecimento se normaliza, deixa de haver um desequilíbrio. Foi o caso do processo de alfabetização, por exemplo. Antigamente, só algumas pessoas sabiam ler, pelo que tinham uma vantagem evidente sobre todas as outras ao conseguirem educar-se lendo livros, o que criava um fosso com um conjunto variado de implicações, entre elas o facto de se tornarem profissionalmente mais funcionais.

O cenário atual é análogo. O poder que hoje existe associado às tecnologias digitais, quando estas se naturalizarem, deixará de ser poder. O que falta ainda é a democratização do acesso à tecnologia e ao conhecimento digital.

Um estudo encomendado pela CIP (Confederação Empresarial de Portugal) prevê que a automação da economia portuguesa implique uma perda de mais de 1 milhão de postos de trabalho até 2030, criando, em contrapartida, novos. De que forma a digitalização influenciará cada vez mais as estratégias de marketing das empresas – e as próprias agências de marketing?
Apesar de haver um potencial de digitalização e de automação grande no marketing e até nas próprias agências, julgo que o estudo da CIP estaria mais orientado à automação de funções repetitivas, nomeadamente na indústria por via da robotização, mas também nos serviços, onde há uma parte importante do trabalho que, hoje em dia, pode ser substituído pela tecnologia.

No setor industrial, os robôs alcançam realmente níveis de precisão e rapidez incomparáveis, trabalhando, se for preciso, 24 horas por dia. Contudo, foram-se criando uma série de funções de maior valor acrescentado à volta da figura do robô e que passam pela sua programação, monitorização e manutenção.

Já no setor dos serviços, um exemplo interessante são os quiosques de self-ordering da McDonald’s: o consumidor faz o seu pedido diretamente ao sistema, libertando muitos funcionários da caixa, realocados à cozinha uma vez que, como consequência da introdução dessas máquinas, os restaurantes passaram a conseguir dar vazão a muito mais clientes e, em contrapartida, foi criado o serviço de mesa, de elevado valor acrescentado. Desta forma, o consumidor ganha porque passa a fazer o seu pedido, a esperar menos na fila e a ser servido à mesa, e a organização aumenta a sua receita.

Atualmente, há já vários outros restaurantes nos quais o registo dos pedidos e o pagamento da conta são processados via aplicação. Quem ficará para trás serão, eventualmente, os estabelecimentos que não estão a melhorar a qualidade do seu serviço, tirando partido da tecnologia à disposição.

No caso concreto da digitalização das estratégias de marketing das empresas, a tecnologia permite uma segmentação mais poderosa da comunicação ao consumidor. As empresas conseguem agora, de forma mais eficaz e eficiente, dirigir-se aos seus targets numa linguagem que lhes agrada e com mensagens adequadas e verdadeiramente direcionadas aos seus interesses.

Hoje em dia, há múltiplas mensagens por segmento e múltiplos segmentos a serem impactados em múltiplos canais, o que torna a gestão humana desta complexidade crescente impraticável ou economicamente inviável. Todavia, quando a função de gestão é subcontratada à tecnologia, atingem-se patamares de eficácia inalcançáveis pelo ser humano, que pode passar a dedicar-se a funções de definição estratégica, conceptualização, implementação e respetiva monitorização dessa tecnologia. Deste modo, as agências de marketing, por efeito da digitalização, tenderão a qualificar-se, ou seja, o seu trabalho passará a ser de maior valor acrescentado, alicerçando-se em plataformas alimentadas por inteligência artificial e machine learning.

(…) precisamos de ser culturalmente mais abertos ao conhecimento e à tecnologia, o que implica, necessariamente, ir para fora aprender.

Foi responsável de desenvolvimento de negócio da Google em Portugal durante dois anos. Que lições retirou desta experiência?
A sensação com que fiquei é que aquilo que se faz na Google hoje, na prática, é o que vai dar origem a livros de gestão a serem escritos só no próximo ano. Tudo ali é desenhado a régua e esquadro em termos dos processos de inovação, de uso da tecnologia e de gestão de clientes, da própria cultura organizacional e da capacidade de antecipação do futuro e de transformação em função das alterações de contexto. Neste sentido, e tendo tido oportunidade de contactar e trabalhar noutras empresas muito boas por comparação, a Google é, na minha opinião, um case study único.

Com esta experiência profissional, constatei também, que, devido à escala do mercado português, ao posicionamento geográfico periférico do país e à debilidade de alguns ecossistemas, como é o caso do marketing digital, particularmente relevante para o desenvolvimento das empresas portuguesas e da economia, precisamos de ser culturalmente mais abertos ao conhecimento e à tecnologia, o que implica, necessariamente, ir para fora aprender.

Na Karma temos por hábito ir a feiras internacionais da especialidade e é raro encontrarmos portugueses. É necessário haver uma maior proatividade por parte dos gestores nacionais no sentido de assumirem a responsabilidade de desenvolver este saber tecnológico e, se ele não existe em Portugal, devem procurá-lo, quer através da importação de recursos, quer através da exportação do seu pessoal para que participe em formações.

(…) o investimento que a Google tem feito em Portugal na tentativa de impulsionar a digitalização da economia e de evangelização dos gestores e decisores (…) é superior ao retorno relativo que tem obtido do país enquanto fonte de receitas.

Como vê a atuação da Google em Portugal?
A Google atua como um catalisador de conhecimento digital. É evidente que o investimento que a Google tem feito em Portugal na tentativa de impulsionar a digitalização da economia e de evangelização dos gestores e decisores, inclusivamente através da implantação de recursos a nível local, é superior ao retorno relativo que tem obtido do país enquanto fonte de receitas. Naturalmente, o apelo das competências do profissional português face ao seu custo faz com que esta tenha sido uma decisão estratégica.

Já o facto de Portugal estar na moda devido à Web Summit e a um conjunto de outras iniciativas que têm sido realizadas, pode, eventualmente, resultar em externalidades de marketing para as organizações que, neste momento, investirem no país. Esse poderá ser também, em parte, o caso da Google, mas acho que há aqui, sem dúvida, um notável esforço por parte desta empresa em particular para ajudar Portugal.

Projetos para o futuro?
Como diz uma empresa que eu admiro muito: “Conquistar o mundo”.  Encontramo-nos num momento de digitalização em que haverá um ponto de inflexão na velocidade a que as coisas vão acontecer devido, essencialmente, à introdução destas novas tecnologias e à mudança de paradigma do marketeer.

Há aquele cliché de que estamos a passar de Mad Men para Math Men mas, na minha opinião, estamos antes a passar de Math Men para Math Machine. O Math Men já foi, agora estamos no Math Machine e isso é o que vai estar na origem deste ponto de inflexão.

Para abraçar as oportunidades que daí advirão, precisaremos de perfis de Data Scientists, matemáticos e programadores e de um conhecimento aprofundado dos fundamentos do comportamento humano, da gestão e do marketing, que nunca foram tão relevantes como agora. Quem dominar estes princípios-base, que não mudam independentemente das alterações dos contextos, e começar a aprender a tecnologia, será capaz de fazer coisas muito interessantes.

O meu conselho é utilizar o digital para validar comportamentos do consumidor, modelos de negócio e apetência de compra antes de avançar.

Que conselhos dá a quem está a começar um negócio, mas não tem muito dinheiro para investir em marketing digital?
Antes de mais, tentar entender os fundamentos do negócio, seja ele qual for. Há, muitas vezes, uma inconsistência entre o chapéu de consumidor e o chapéu de marketeer. Quando vemos uma oportunidade, antes de mergulhar de cabeça, é importante tentar perceber por que motivo é que não foi explorada antes e se é verdadeiramente relevante.

Um dos melhores investimentos que podemos fazer no digital é, numa lógica de Minimum Viable Product, experimentar vender o produto antes de o ter desenvolvido de facto para perceber se compensa ou não. Imaginemos que eu faço uma campanha numa plataforma digital para um produto que ainda não existe e que vai para um site que, no limite, também não existe. Se ninguém carregar nessa campanha, eu poupei o dinheiro que gastaria a criar o produto e o site. Na Karma, analisamos a jornada do consumidor e alimentamos metodologias de design thinking, precisamente fazendo pilotos antes de fazer produtos.

Do meu ponto de vista, as pessoas devem, em primeiro lugar, procurar informar-se junto de quem tem experiência e perceber se há procura e pesquisas correspondentes no Google. Atualmente, há um conjunto de ferramentas de insight e de input para negócios que se estão a criar que são muito mais interessantes do que as ferramentas digitais para promover negócios que já se criaram, permitindo configurar a oferta com base no que as pessoas andam, efetivamente, à procura: “Alguém pesquisa isto? Se não, então não vou vender. Mas se há imensa gente a pesquisar, então vou vender.”

O meu conselho é utilizar o digital para validar comportamentos do consumidor, modelos de negócio e apetência de compra antes de avançar.

Respostas rápidas
O maior risco: Não correr riscos.
O maior erro: Pensar pouco ou, pelo menos, não tanto quanto devia.
A maior lição: Ter sempre as motivações certas.
A maior conquista: A liberdade que advém da honestidade e da verdade.

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