Opinião

Os dois medos de ser líder: responsabilidade e solidão

José Crespo de Carvalho, presidente do ISCTE Executive Education

Muito se fala sobre liderança e muita enfase é colocada no que é liderar versus o que é chefiar, nas características de um líder, naquilo que um líder faz ou deve fazer, onde um líder se constrói, seja em termos técnicos seja pessoais, quais os seus role models, que tipo de liderança usa e, concomitantemente, multiplicam-se as frases e as citações sobre liderança.

Nunca como hoje foi tão importante ser líder da sua própria vida, das organizações, mais que isso, da Europa e do mundo. A crise de lideranças leva-nos porventura a falarmos mais dessas lideranças porquanto se tornam necessárias. Precisamos que emirjam de forma estruturada e sustentada a nível pessoal, organizacional, regional e em países e grandes regiões.

Mais, numa altura em que não se falava de liderança, não se estudava, não se debatia, não havia inúmeras frases de inegável primor sobre liderança, por exemplo, todos vimos, identificando-nos mais ou menos com eles, exemplos de liderança – ou vimos algumas das suas características de liderança – que passo a nomear: Olaf Palme, Ronald Reagan, Barack Obama, Angela Merkel, Margareth Tatcher, Francisco Sá Carneiro, Ramalho Eanes, Mário Soares, Winston Churchill, Nelson Mandela, Martin Luther King e muitos mais.

Porém, quanto mais se fala de liderança, aos dias de hoje, mais extremistas são os líderes, menos interessantes e mais vazios parecem, sendo que a coragem física e política, a capacidade de comunicação, de mobilização, de entrega por um serviço supra pessoal parece hoje ter os dias contados. E já começámos, inclusive, a criar líderes “do mal o menos”.

Uma exceção parece emergir na Europa, é certo que no seio de uma guerra, mas que tem todas as características para se tornar um grande líder de futuro – que já é – respeitado, corajoso, entregue à causa da sua pátria, devotado ao seu povo, excelente comunicador, procurando a todo o custo salvar a sua nação de uma barbárie própria de anos muito idos. Chama-se Volodymyr Zelensky e é o presidente eleito da Ucrânia, uma nação desde 1918.

Isto dito e aqui chegados dois fatores contribuem muito para a inexistência de lideranças, minha modesta opinião: A obrigatória responsabilização e a necessária solidão.

Não há hoje tantos líderes quanto existiam porque o nível de sacrifício pessoal que se lhes exige é de tal forma grande que não há gente disponível para perder pequenos ganhos, zonas de conforto, estabilidades não coincidentes com a vida que podem ter fora dos palcos e dos teatros mais exigentes. Sem chatices, sem grandes sobressaltos mas, também, sem grandes feitos ou vitórias para contar é como a grande generalidade das pessoas hoje encara os seus anos de vida.

Quando em lugares de liderança tornam-se quase sempre, ou querem ser, líderes consensuais – um bom líder nunca é consensual – e perdem tempo demais a agradar a gregos e troianos e a procurar mitigar os efeitos da sua própria liderança. Por mitigar refiro preocuparem-se mais com a sua imagem do que com os objetivos atingidos ou a atingir, preocuparem-se mais com a sua reputação do que com os feitos e vitórias para os seus e suas causas.

No final do dia, e colocadas as coisas desta forma, ficarão para líderes – excetuando os extremistas, que navegam a onda do populismo serôdio – todos quantos souberem colocar em primeiro lugar nas suas lideranças a responsabilidade que têm para com outros, para deixar de facto obra que impacte outros, para pacificar grupos e fações e o mundo, para fazer crescer sustentadamente empresas e grupos empresariais, para criar negócio e riqueza, para abrir portas ao mundo. A responsabilidade passa, em primeiro lugar, por assumir a responsabilidade pelas pessoas, todas as pessoas, para quem trabalham e que servem. Não há líderes que não sejam líderes de pessoas. Não há líderes, verdadeiros líderes, que não sejam ou se tornem responsáveis e assumam essa responsabilidade pelas suas lideranças. E essa é, obrigatoriamente, uma característica capital. Ser e tornar-se responsável. Assumir as dores, bens e males dos seus liderados. É essencial perceber a responsabilidade da liderança sem o que não haverá bons líderes. Liderança, como alguém dizia, não é uma posição. É uma responsabilidade.

Depois, não há líderes sem que sejam solitários. A solidão, os fins de dia, os finais de combate, os compassos de espera, mesmo as vitórias são verdadeiramente celebradas em solidão (apesar de já terem sido celebradas com os seus). Que dizer, então, das derrotas? Os momentos de solidão não são, definitivamente, os momentos mais interessantes para os líderes. Pensam, repensam, desenham, redesenham as suas lógicas e as suas estratégias mas, com isto, são profundamente solitários. Solitários porque arcaram com a responsabilidade, que não podem e não devem partilhar com outros, daquilo a que se propuseram. Essa solidão faz parte do seu percurso e tem de ser assumida e gerida para fazer parte do seu sucesso. Saber vivê-la e saber aguentá-la torna os líderes mais líderes.

Portanto, para termos bons líderes há duas características que se lhes terão de ser pedidas: assumam responsabilidades; aceitam e saibam gerir a solidão. Sem isso, os líderes nunca serão líderes.

E há, paralelamente, muito medo de todos na assunção das responsabilidades e muito medo da solidão. Fácil mandar pedras aos que tentam a liderança. Fácil escrever frases bonitas sobre o que é a liderança. Difícil perceber que se trata de responsabilidade e de solidão o que impede a maioria de aceder a essas posições. Porquê? Por incapacidade e por medo.

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José Crespo de Carvalho

José Crespo de Carvalho

Licenciado em Engenharia (Instituto Superior Técnico), MBA e PhD em Gestão (ISCTE-IUL), José Crespo de Carvalho tem formação em gestão, complementar, no INSEAD (França), no MIT (USA), na Stanford University (USA), na Cranfield University (UK), na RSM (HOL), na AIF (HOL) e no IE (SP). É professor catedrático do ISCTE-IUL, presidente da Comissão Executiva do ISCTE Executive Education e administrador da NEXPONOR. Foi diretor e administrador da formação de executivos da Nova SBE e professor catedrático da Nova SBE (Operations... Ler Mais..

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