Opinião
O poder da humildade intelectual
A humildade intelectual é coisa rara, sobretudo entre aqueles que vivem do mediatismo. Ela é uma espécie de bom senso, que nos avisa quando estamos a entrar em certezas demasiado absolutas. Mas são poucos os que a sabem escutar, optando por transformar o mundo num lugar repleto de “donos da verdade”.
“Só sei que nada sei”. Reconhecer os limites da sabedoria humana é uma aprendizagem que vem da Grécia antiga. Não sendo certo a que filósofo se atribui esta afirmação, é bastante clara a sua intenção: a condição humana é detentora de uma sabedoria limitada e ignorante de muitas coisas, que é o mesmo que dizer “ninguém pode saber nada com absoluta certeza, mas pode sentir-se confiante acerca de certas coisas”.
A isto se chama “humildade intelectual”, e esta nunca foi tão relevante e necessária. Vivemos num mundo de especialistas, cada vez mais destemidos e exímios em disparar verdades incontestáveis que, vai-se a ver, não passam de meras especulações ou opiniões pessoais. O momento que vivemos é particularmente rico nesse fenómeno, enquanto assistimos a tantas pessoas a tentarem prever os resultados das eleições nos Estados Unidos da América ou a antecipar uma crise de inflação à escala mundial.
Tirando os estados autocráticos, onde não existem atos eleitorais livres, poderemos mesmo assumir com certezas o resultado de uma ida às urnas? Recordo as eleições americanas de 2016, onde a maioria dos especialistas garantia uma vitória retumbante de Hillary Clinton (que detinha 80% das intenções de voto nas sondagens) sobre Donald Trump, e a certeza de um colapso do mercado bolsista, perante uma eventual vitória republicana. A história provou o contrário: Clinton perdeu para Trump e o mercado bolsista subiu 30% nos 14 meses que se seguiram à sua eleição.
Mais recentemente, em Portugal, nas legislativas de 2024, era dada como certa uma vitória expressiva de Montenegro que – assegurava o agora primeiro ministro em plena campanha eleitoral – “iria obter uma maioria que lhe permitisse governar sem depender de outros partidos. E aqui estamos nós: com uma das maiorias relativas mais repartidas de sempre e o risco de não conseguirmos aprovar o Orçamento de Estado.
Não será isso prova suficiente de que, quando se trata de números e probabilidades, ninguém sabe ao certo o que vai acontecer? A política e a economia são áreas altamente suscetíveis de serem influenciadas por fatores externos, capazes de determinar o seu futuro. É por isso que um bom investidor é aquele que não despreza a aleatoriedade e que sabe que o sucesso pode até vir de um simples golpe de sorte, ou de um contexto invulgarmente propício. Assumir a incerteza obriga a investigar antes de investir, a confirmar antes de avançar, a assumir o risco de forma calculada.
É evidente que os especialistas que contribuem para formar opiniões são pessoas inteligentes, com formação específica, acesso a dados (alguns privilegiados) e uma boa capacidade de análise. As suas visões são certamente fundamentadas. Alguns acertarão, outros nem tanto.
Muitos dos que acertam enchem o peito de orgulho, e os que erram desculpam-se com um alguma imprevisibilidade, um fator inesperado que comprometeu os seus cálculos, a tal aleatoriedade que sempre existiu, mas que decidiram ignorar.
A verdade é: em matéria de previsões, qualquer resultado é possível e, por isso, não há nada de errado em assumir que podemos falhar. É fácil dizer “eu sabia”, quando todas as estrelas se alinham para cumprir um plano. O difícil é admitir quando não sabemos, e são mais os que preferem estar errados do que os que admitem ter dúvidas. Como dizia Voltaire, “a dúvida não é uma condição agradável, mas a certeza é absurda”.
O poder das pessoas intelectualmente humildes está em conseguirem manter as suas convicções fortes, reconhecendo a sua falibilidade e mostrando-se dispostas a que se prove o contrário. É uma atitude de espírito aberto, de capacidade para lidar com a discórdia, na tentativa de eliminar incertezas e chegar cada vez mais perto da verdade. É estar consciente de que há fatores que não controlamos e que, no fim do dia, à semelhança do amor e tal como cantava Amy Winehouse, fazer previsões “is a losing game”.








