Opinião

O empreendedor

Uriel Oliveira, diretor de Operações e Negócio da Cision*

O empreendedor é um indivíduo raro. A priori, não transcende o ser humano comum, não tem propriamente um talento extraordinário; ainda assim, marca a sua existência pela resiliência ou, melhor dizendo, por uma teimosia quase cega orientada para um propósito que lhe é tão essencial como respirar: nunca desistir.

É um cidadão comum atento, a sua destreza é sustentada por um processo sistémico de tentativas, fracassos e por fim algumas pequenas vitórias que lhe vão iluminando o caminho.

Na prática, o seu engenho reside na capacidade de armazenar sabedoria em cada circunstância, sobretudo nesses momentos de fracasso, em que, na sua dor, em vez de interiorizar o sabor da derrota encontra a força para voltar a tentar, sempre um pouco mais forte. Afinal, ficou também mais conhecedor das suas fraquezas e mais sábio sobre o caminho que terá que percorrer.

Isto não faz dele um perdedor. Há uma grande diferença entre o perdedor e o empreendedor – o perdedor fracassa e afunda-se na sua derrota; o empreendedor movimenta-se entre fracassos e serve-se do fracasso como trampolim para um dia alcançar a sua vitória.

Também vive aqueles dias cinzentos, em que tudo corre mal e, certamente, também chora. Só que, como empreendedor que é, no dia seguinte levanta-se do pranto das suas lágrimas, capaz de virar o mundo ao contrário, com uma força transcendental e com a convicção de que nada falhará da próxima vez.

Quem nunca fracassou nunca foi, não é, nem nunca será um empreendedor.

O espírito empreendedor é um instinto de sobrevivência de indivíduos que não se conformam com o que lhes é dado de forma inata. Na sua essência está uma satisfação pessoal em transformar a humanidade, não necessariamente porque exista uma recompensa em sucesso, fama, riqueza ou outra forma qualquer de recompensar os audazes, mas muito simplesmente porque sim.

É óbvio que todo o empreendedor procura sobretudo realização pessoal, mas não é assim tão evidente que essa realização pessoal se esgote numa matéria em particular – o pote de ouro do empreendedor não está necessariamente no final do arco-íris, vai estando sim pela encruzilhada de caminhos que toma até lá chegar.

Por isso, não é assim tão incomum que, quando empreendedores de sucesso alcançam tudo o que se pode ambicionar de um projeto, simplesmente abandonem essas iniciativas e comecem tudo de novo.

O empreendedor sabe digerir um ‘não’ como ninguém, na verdade trata-o por ‘tu’ e banaliza-o à sua essência, transformando-o em parte integrante da equação para ter um ‘sim’ – quantos ‘nãos’ são precisos para ter um ‘sim’ é uma ciência empírica que domina eximiamente.

Talvez pela força da sua determinação não passar indiferente, o empreendedor também terá que lidar muitas vezes com a ira dos outros, com os que não gostam de mudanças, com os que se acham no direito de reclamar um mundo só para si, com os que não suportam o sorriso dos outros, com os “velhos do Restelo”, com muitos outros só porque não gostam da sua cara – mas estes todos juntos não são capazes de travar um único empreendedor.

Ser empreendedor dói – uma dor em proporção direta com a grandeza do seu propósito e que resulta, em igual medida e no final do dia, em felicidade.

Assim, estoico, o empreendedor é um tipo completamente viciado e obstinado. É viciado em transformação, disrupção, inovação, evolução. Vícios bons, porque ao mesmo tempo que o fazem feliz a ele, enquanto os consome, fazem-nos evoluir a nós para um mundo melhor e mais próspero.

O empreendedorismo é o centro da economia moderna e por isso todos os países precisam desesperadamente de novos empreendedores. Ainda que a diferentes ritmos, existe uma necessidade eminente de potenciar ecossistemas empreendedores, que facilitem uma conexão fácil, dinâmica e colaborativa entre os principais stakeholders do empreendedorismo – empreendedores, investidores, governos, universidades, incubadoras, aceleradores.

Mas é sobretudo nas histórias de outros empreendedores, nas entrelinhas das suas conquistas e dos seus fracassos, que os novos empreendedores aprendem. É por este motivo que considero essencial o trabalho desenvolvido pela Associação Começar Hoje, ao potenciar o contacto entre empreendedores, líderes, gestores e inovadores de hoje com aqueles que serão os empreendedores, líderes, gestores e inovadores de amanhã – o resultado só poderá ser um Portugal melhor, movido por uma geração melhor, mais preparada e mais capaz de mais portugueses empreendedores.

*Membro do Conselho Consultivo da Associação Começar Hoje e empreendedor

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