Opinião
“O clone de Francisco” e a sucessão nas empresas familiares

Este artigo é sobre gestão, acreditam? Pois, mas é. Acho que temos muito que aprender com a discussão em torno da sucessão do Papa Francisco e a entrada em funções do novo Papa Leão XIV. O que se tem passado é exatamente o que se passa quase sempre e invariavelmente nas empresas familiares, senão vejamos.
A grande discussão depois da morte de Francisco foi a sucessão. Dizia-se que a grande maioria dos cardeais que iriam votar tinham sido nomeados por ele (coisa mais normal, atendendo à sucessão natural da vida e aos anos que esteve como Papa). Mais ainda, que devido a tal facto, estes seriam seus seguidores como se de clones se tratassem. Como se o que preocupasse o Papa fosse escolher cardeais iguais a si e que o perfil do seu sucessor fosse igual ao seu e não nomeasse os cardeais pela sua relevância, pastoral realizada, experiência e intelectualidade. Duvido mesmo que conhecesse bem e pessoalmente todos os que nomeou cardeais. Enfim.
Posteriormente, o Papa Leão XIV tem sido vítima do mesmo processo tentando encontrar todos os pontos de união dele com Francisco, fazendo (ou procurando fazer) dele um clone do anterior Papa ou do Papa com que sonhamos. Tem existido também este processo curioso que é o de procurarmos em Leão XIV aquilo que achamos que ele deve ser. Na prática, queremos que ele seja um clone das nossas ideias (exatamente como fazemos nas empresas familiares). E o mais curioso é ver como surgem as mais variadas interpretações sobre o Papa.
Consideram-no progressista porque usa os sapatos como Francisco e conservador porque usou a mozeta vermelha, ao contrário de Francisco. Tudo isto é infelizmente natural porque sabemos bem como é difícil enfrentar a mudança e como preferimos sempre a estabilidade do que conhecemos versus a instabilidade do que não conhecemos ou como costumo dizer preferimos a instabilidade do que conhecemos versus a estabilidade do que não conhecemos.
Lamento informar, mas os clones de pensamento e de ação não existem por muito que queiramos. Este Papa será ele próprio, use que sapatos usar ou use que manto vermelho usar.
E o que tem isto que ver com as empresas familiares? Tudo! Um dos problemas maiores na sucessão das empresas é exatamente este. A busca da clonagem. O pai que só acha que o filho o poderá suceder se as ideias, a forma de estar e a forma de agir forem iguais às suas. Por outro lado, o filho que acha que tem de corresponder a uma imagem do que era o pai e ainda as pessoas que comentam que no tempo do pai é que era, e que o filho não é igual ao pai. Bem verdade.
A grande dificuldade num processo sucessório não é de encontrar um clone (que não existe nunca), mas sim alguém que pensando e agindo diferente, por ter uma formação e uma experiência própria e única, possa trazer ideias novas e práticas novas. Só assim as empresas e as sociedades evoluem num caminho feito de roturas e continuidades que, no fundo, são a resposta de cada um aos desafios do seu tempo.
Pedro Alvito é, desde 2017, professor na AESE, onde leciona na área de Política de Empresa, tendo dado aulas também na ASM – Angola School of Management. Autor de duas dezenas de case-studies publicados pela AESE e de dois livros publicados pela Editora Almedina – “Manual de como construir o futuro nas empresas familiares” e “Um mundo à nossa espera, manual de globalização”. Escreve regularmente em vários órgãos de comunicação social especializada. Desde 2023 é presidente do Conselho de Família e da Assembleia Familiar do grupo Portugália e membro do Conselho Consultivo da GWIKER.