Entrevista/ “O ChatGPT não é a solução de todos os problemas”
“O medo inicial de perder o trabalho devido ao ChatGPT já passou. Os utilizadores veem agora o tema como algo que os pode ajudar a ser mais produtivos, mais ágeis e mais rápidos nas tarefas”, afirma João Tiago Martins, Data & Analytics & AI Manager na Noesis.
Entrámos em 2023 de “mãos dadas” com um inovador software que está a mudar o mundo dos negócios, o ChatGPT. Para muitos, é considerado uma mais valia devido ao fornecimento de informações de forma rápida e abrangente ou à resolução de possíveis dúvidas. No entanto, para outros, está associado ao aumento de riscos no que diz respeito a ataques de ransmoware e phishing.
Falámos com João Tiago Martins, Data & Analytics & AI Manager na Noesis, para saber quais as implicações do ChatGPT numa perspectiva de segurança e os principais riscos e oportunidades que esta tecnologia pode trazer para as empresas.
Como analisa o ChatGPT nesta fase inicial de lançamento?
Mix de hype e de “game changer”. Hype no sentido de ter alcançado, em apenas dois meses mais de 100 milhões de utilizadores (uma velocidade de crescimento que não é comparável com outras plataformas como o TikTok, Instagram ou Spotify) – são utilizadores que em grande parte foram motivados pela curiosidade. E, como nos conta a história, é a curiosidade o grande motor da adopção de novas tecnologias, daí ser um “game changer”. A expressão “democratização da analítica” deixou de ser apenas um exclusivo dos profissionais da área, passando a ser a “democratização do AI” a expressão que melhor descreve o ChatGPT. Está ao alcance, de todos, a utilização e exploração de uma ferramenta que nos permite ter respostas em tempo real a perguntas, respeitando contexto, obtenção de imagens, tratamento de som, etc. Passamos a ter “assistentes” que nos auxiliam nas mais diferentes tarefas.
“(…) há que olhar para a IA como uma forte aliado da cibersegurança, ao facilitar a identificação e mitigação de ameaças cibernéticas, em tempo real, ao permitir que as organizações monitorizem, analisem grandes quantidades de dados (…)”.
De que forma é que o ChatGPT pode ser uma ameaça de ciberataques para as organizações?
A cibersegurança é um tema importante desde o aparecimento e a massificação da internet. Acreditamos que a curto médio prazo sejam introduzidas e reforçados os mecanismos de controlo, dentro dos modelos que suportam o ChatGPT , que sirvam de barreira a tentativas de utilização de generative AI. Até lá, todas as moedas têm dois lados. Se a velocidade e a capacidade de criar ameaças é, teoricamente, facilitada por ferramentas como o ChagGPT, a capacidade de as detectar por parte das organizações também aumenta em velocidade e em rapidez de atuação. No entanto, há que olhar para a IA como uma forte aliado da cibersegurança, ao facilitar a identificação e mitigação de ameaças cibernéticas, em tempo real, ao permitir que as organizações monitorizem, analisem grandes quantidades de dados e acionem, de forma autónoma, medidas de mitigação e contenção.
Que salvaguardas podem ser colocadas para mitigar esses riscos?
Se as ameaças evoluem, as políticas de segurança têm igualmente de evoluir. Acessos de dupla autenticação são um bom exemplo disso. Garantir que existe uma autenticação física, seja ela através da introdução de um novo código de acesso ou seja através da utilização de dados biométricos. Mais ameaças implicam mais controlo, maior e melhor monitorização. Não controlo sobre o colaborador, mas sim na defesa da organização contra estes ciberataques. Garantir que existe uma política interna de segurança, onde todos sabem o que fazer e o que não fazer. E esta política de segurança tem de ser reforçada, revista e tem de existir uma reeducação por parte dos colaboradores. Ter uma página dentro da organização, esquecida e que raramente tem novos conteúdos, de nada serve. As ameaças são reais, presentes e constantes, e a resposta tem de ser igual.
Muitas das questões em torno da IA prendem-se com a qualidade dos dados. Como vê essa questão ao nível do ChatGPT?
O tema da qualidade dos dados mantém-se, antes e pós ChatGPT. Maus dados resultam em maus modelos analíticos. Dados insuficientes idem. Se todas as respostas obtidas via ChatGPT vão estar 100% corretas? Não. Se vão ser respostas atuais? Na versão 3.5 não. O modelo foi treinado com dados até 2021. Tudo o que sejam pesquisas sobre eventos com data superior não vai existir resposta. Uma certeza existe: O ChatGPT não é a solução de todos os problemas, sejam eles qualidade de dados ou veracidade nas respostas obtidas. É uma ferramenta em constante evolução que deve ser utilizada como ferramenta, não como “verdade absoluta”.
“A AI passou a ser algo ao alcance de qualquer pessoa, deixando de ser um “exclusivo” das equipas de analítica avançada”.
Porque é o ChatGPT se tornou num sucesso tão grande?
Porque descomplicou a inteligência artificial. A AI passou a ser algo ao alcance de qualquer pessoa, deixando de ser um “exclusivo” das equipas de analítica avançada. E porque conseguiu potenciar a caraterística que melhor define um cientista de dados: a curiosidade. Passou a estar ao alcance de uma simples pergunta a obtenção de respostas complexas. Exemplos disso mesmo, e que eu vejo nas minhas equipas, um bloco de código passou a ser desenvolvido em segundos. Tal como encontrar um bug ou aquela tarefa menos interessante de comentar código passou a ser quase instantânea. E estes são apenas simples exemplos da utilização do ChatGPT nas nossas equipas internas. É um sucesso porque cada um de nós passou a ter um “assistente”. Alguém que nos ajuda, facilita e cria conteúdo à distância de um clique.
O que devem as empresas ter em mente ao usar o ChatGPT? As empresas portuguesas estão conscientes da sua utilização?
O ChatGPT é o “puro” resultado da evolução da IA, havendo cada vez mais organizações, com certa maturidade digital, que implementam soluções, baseadas no modelo generativo de AI, e que, agora, abraçam o potencial desta ferramenta, estudando onde e como podem implementar esta tecnologia. Esta ideia, a de o Chat GPT funcionar como um auxiliar aquando do desempenho das funções, pode, não só conferir um aumento de produtividade e conveniência destas últimas, como também permitir aos colaboradores mais “espaço” para a realização de tarefas mais motivantes e desafiadoras.
Na Noesis, assistimos a uma mudança de paradigma de uma mentalidade de “um dia teremos, não agora!” para uma abordagem mais proativa de “e se não a tivermos agora?” nas empresas portuguesas. Impõe-se, crescentemente, uma cultura de experimentação e mais aberta à potencialidade da IA, embora com diferenças entre setores. No entanto, e à semelhança de qualquer outra ferramenta de IA, é se necessário que as organizações respeitem e reflitam sobre os princípios éticos, de forma a que os seus sistemas sejam transparentes, responsáveis e inclusivos.
E os utilizadores?
O medo inicial de perder o trabalho devido ao ChatGPT já passou. Os utilizadores veem agora o tema como algo que os pode ajudar a ser mais produtivos, mais ágeis e mais rápidos nas tarefas. E, acima de tudo, permite que os utilizadores sejam alocados a temas que realmente fazem diferença, seja com conhecimento técnico e/ou de negócio. Diminuem o tempo que investem em tarefas que um “assistente” pode fazer. Claro que nove em cada 10 utilizadores, nas primeiras experiências tentam “fintar” ou puxar pela criatividade das respostas obtidas pelo ChatGPT.
Como pode a Noesis ajudar as empresas na resposta a este software?
Temos a sorte e, porque não dizer, o mérito, de contarmos com equipas curiosas, capazes, treinadas e motivadas. E de uma estrutura organizacional que nos permite ter uma postura proativa e não reativa no mercado. Gostamos de ser desafiados e igualmente de desafiar os nossos clientes a inovar, a criar, a utilizar a analítica como forma de potenciar o seu negócio. De utilizar o generative AI, de forma a melhorar processos, a otimizar ações, de o integrar na sua estrutura organizacional.
A nossa multidisciplinaridade interna permite-nos ser capazes de responder a desafios de mercado nas suas várias dimensões. Seja na componente de dados, reporting ou analítica avançada. Temos equipa, vontade, curiosidade e conhecimento técnico e de negócio que nos permite ser proativos.
“(…) temos estrutura, equipas e vontade para encararmos o ChatGPT não como uma oportunidade de negócio, mas sim como uma oportunidade de estarmos junto dos nossos clientes e parceiros, de acompanhar a constante evolução (…)”.
A Noesis encara esta tecnologia como uma oportunidade de negócio?
Na Noesis, encaramos os desafios lançados pelos nossos clientes. Analisamos a melhor solução, seja através de um roadmap analítico com os nossos clientes para perceber qual a sua maturidade analítica ou através do desenvolvimento e integração de soluções dos nossos parceiros tecnológicos. Estamos preparados para este movimento de mudança. As nossas parcerias estratégicas e o conhecimento que a nossa equipa tem permitem-nos ter uma postura ativa no mercado. Queremos e gostamos de ser desafiados pelos nossos clientes e parceiros. Por vezes, não existe a oportunidade, mas sim um conjunto de oportunidades que nos permite crescer e acompanhar o crescimento dos nossos clientes de forma constante e continua.
Ao sermos uma empresa multiregião, temos a capacidade de criar sinergias entre os vários escritórios. Ao sermo multisetor temos a capacidade, igualmente, de criar sinergias, partilhar conhecimento, técnicas e estratégias. Mas, e acima de tudo, temos estrutura, equipas e vontade para encararmos o ChatGPT não como uma oportunidade de negócio, mas sim como uma oportunidade de estarmos junto dos nossos clientes e parceiros, de acompanhar a constante evolução e de, no momento certo aceitar os desafios que o mercado nos lança.








