Entrevista/ “Não é comum um CEO partilhar as suas ideias, os seus sucessos ou fracassos, com receio da exposição”

Carlos Pais Correia, cofundador e CEO da Affinity

Prepara-se para lançar o seu primeiro livro, destinado a qualquer líder e onde partilha 52 princípios, tantos quantas as semanas que tem um ano. Em entrevista ao Link To Leaders, Carlos Pais Correia, cofundador e CEO da Affinity, refere que procura, através desta obra, partilhar conhecimento que acompanhe o leitor na gestão da sua empresa ou função, e que o ajude a direcionar os seus esforços de forma eficiente e próspera.

“O CEO deve encontrar o justo equilíbrio entre proteger a saúde das suas pessoas, mas também, e simultaneamente, fazer rolar o ecossistema económico onde se insere”. O conselho é de Carlos Pais Correia, cofundador e CEO da Affinity, um profissional com vários anos de carreira no setor das tecnologias de informação que decidiu passar para o papel um conjunto de ensinamentos de gestão, fruto dos seus anos de experiência.

Na próxima semana, lança o seu “Manual de sobrevivência”, um livro que, como explicou em entrevista ao Link To Leaders, traduz uma ideia de liderança e gestão de empresa baseado numa ideia de meritocracia, um modelo que o autor acredita que funciona e que, assegura, lhe tem trazido muitos bons resultados.

O que o motivou a escrever este Manual de Sobrevivência? Foi uma resposta à pandemia?
Tenho vindo a escrever este livro nos últimos três anos, muito antes desta pandemia. O meu objetivo com este projeto foi o de poder partilhar com um publico mais alargado, CEO, líder ou aspirante, conhecimento, princípios e experiências que maximizem o sucesso na liderança de uma organização independentemente do seu tamanho. Existe pouca literatura nesta área, pouca formação. Não é comum um CEO partilhar as suas ideias, os seus sucessos ou fracassos, com receio da exposição, ou de possivelmente lhe poder ser roubada uma ideia ou modelo! Que parvoíce não é verdade? Com este livro espero que estas máximas ganhem vida própria, dando origem a novas gerações de líderes empresariais em Portugal e no mundo.

Do conjunto dos 52 princípios que partilha no seu livro, quais os que destaca como imprescindíveis?
Todos os princípios relacionados com a gestão de talento interno, e em especial os top performers, ou A-Players como os chamo, são de máxima importância. São estes que vão fazer da sua empresa uma empresa de referência, não boa, mas excelente, e mais ainda quando o CEO não está presente. O papel número 1 do CEO de 2020 em diante é contratar e promover o crescimento e a qualidade do talento da sua empresa. Se conseguir fazer bem esta parte, tudo o resto vem por arrasto!

“(…) em particular na cultura portuguesa, todos temos muita dificuldade em ser transparentes, transmitir exatamente aquilo que pensamos (…)”.

Quais os mais difíceis de colocar em prática?
Existem para mim três perfis de empresas no mercado: a empresa do tipo democracia, autocracia e a meritocracia. Tenho procurado incansavelmente desenhar e operacionalizar uma meritocracia nos projetos empresariais que tenho desenvolvido ou liderado. Uma empresa meritocrática promove rapidamente os melhores, despromove ou retira os piores, ou desalinhados, chame a isso o que quiser. Uma empresa meritocrática é como uma orquestra, em que o líder é o Maestro e cada músico deve tocar a sua partitura a roçar a perfeição. Concerto após concerto, ano após ano. Para este modelo funcionar, o feedback e o follow-up são essenciais, estes devem ser rápidos, constantes e brutalmente transparentes.

Naturalmente, e em particular na cultura portuguesa, todos temos muita dificuldade em ser transparentes, transmitir exatamente aquilo que pensamos. Esta confrontação intelectual, esta transparência na análise de performance, seja em que nível for, é muito difícil, mas é para mim, um dos fatores essenciais ao sucesso dos profissionais.

Ao longo da sua carreira, teve de reescrever o seu manual de sobrevivência enquanto gestor?
Há cerca de quatro anos, decidi avançar com o que se poderia considerar uma versão draft deste livro. Quis inicialmente sistematizar um conjunto de boas práticas intemporais que tinha vindo a registar e a desenvolver ao longo dos meus anos de leitura e experiência como CEO. Quis passá-las a escrito e poder partilhá-los com os colaboradores que trabalham mais diretamente comigo, bem como deixar o registo quando cessasse a função de CEO, transmitindo este testemunho, baseado em práticas intemporais, ao meu sucessor, a outras pessoas mais novas, e até aos meus filhos. Pelo que de há dois anos para cá, após algumas conversas com amigos autores, decidi avançar com um projeto mais estruturado de escrever um livro que pudesse servir um público mais alargado de CEOs ou líderes atuais ou futuros. Acredito que no futuro haverá novas edições com outros paradigmas.

Quais os momentos mais desafiantes desse processo?
Escrever um livro, e escrever um primeiro livro, é um processo titanesco! Estruturar as ideias, desenvolvê-las, refiná-las, absorver as notas do editor, trabalhar a cola em todo o livro, todo o processo de revisão e ilustração, rever as artes finais, foi trabalhoso e intenso! Contudo o resultado e o propósito do livro compensam amplamente todo este esforço.

Afirma que o caminho do líder é feito de escolhas, decisões e aprendizagem…o que pode falhar, ou quais as consequências, quando estas premissas não são aplicadas?
Na minha opinião, uma empresa deve ambicionar ser melhor ano após ano. Deve competir com ela própria e avaliar-se à luz dos melhores. Para que isso seja possível, o CEO deve fazer escolhas, traçar caminhos dentro das direções possíveis, tomar decisões, e aprender constantemente, quer nos momentos de sucesso, quer, e mais ainda, nos momentos de fracasso. Se isto não acontecer, a empresa naturalmente estagna ou regride. E uma empresa que estagna ou regride acaba por desaparecer do mercado, pois quem quer trabalhar numa empresa e com uma empresa que não floresça!?

“O CEO deve encontrar o justo equilíbrio entre proteger a saúde das suas pessoas, mas também (…) fazer rolar o ecossistema económico onde se insere”.

Como é ser CEO de uma empresa de tecnologias de informação numa fase como a que se vive atualmente?
O ano de 2020 tem sido um ano extraordinário para qualquer CEO em Portugal. O CEO deve encontrar o justo equilíbrio entre proteger a saúde das suas pessoas, mas também, e simultaneamente, fazer rolar o ecossistema económico onde se insere. É um exercício novo para mim, creio que para a maior parte de nós, e muito complexo. Os modelos de trabalho devem ser adaptados ao setor onde atua a empresa bem como à dinâmica dos seus processos de trabalho, e respetiva operacionalização.

A Affinity teve a “sorte” e a visão de ser proprietária da plataforma tecnológica que gere toda a sua atividade, Keywork, pelo que conseguimos agilmente desenvolver a nossa atividade em qualquer modelo, full office, full remote ou híbrido. Naturalmente em muitos processos de trabalho, nada substitui ainda a interação e o contacto pessoal. Contudo, apesar das repercursões sentidas, o setor das tecnologias tem sido o menos fustigado até ao momento.

Em oito anos de Affinity, quais as decisões de liderança que se arrepende de não ter tomado? Ou, pelo contrário, de ter feito?
Acho sinceramente que não nos devemos arrepender de nada. Os erros que cometemos e aquilo que daí recolhemos perfaz todo o processo de aprendizagem é o que nos faz verdadeiramente a crescer. Mas se tivesse que escolher algo que melhoraria, seria o timing da tomada de decisão que para mim é uma arte que só se aprende com a prática e se vai refinando ao longo da vida.

“Devemos valorizar mais o que temos, potenciar essas qualidades adicionando mais audácia, ambição, justiça social, investir mais no talento, apostar nos mercados globais.”

Globalmente, como avalia a performance das lideranças portuguesas?
A liderança portuguesa tem quanto a mim muita margem para crescer. Basta compararmos uma série de indicadores económicos com outros países europeus por exemplo, no PIB, exportações, internacionalização, a margem de progressão é grande.

Portugal e os portugueses têm muitas qualidades intrínsecas, em particular no setor das tecnologias de informação que é aquele que melhor conheço. Não é por acaso que são cada vez mais as empresas multinacionais a investir no nosso país. Devemos valorizar mais o que temos, potenciar essas qualidades adicionando mais audácia, ambição, justiça social, investir mais no talento, apostar nos mercados globais. Os líderes devem procurar a diferenciação pela qualidade, pela relação, boas margens, não tanto pelo preço.

“A missão do líder é fazer crescer a sua equipa, quanto mais ela cresce mais a sua empresa cresce mais se torna ‘inútil’.”

O que faz um bom líder?
Parafraseando as palavras de Jack Welch, o antigo CEO da GE, cujo pragmatismo sempre admirei, e que nos deixou no início de 2020 no rebentar desta pandemia – “Antes de ser um líder, o sucesso passa pelo nosso crescimento. Quando se torna um líder, o sucesso tem tudo a ver com o crescimento dos outros.” A missão do líder é fazer crescer a sua equipa, quanto mais ela cresce mais a sua empresa cresce, mais se torna “inútil”. Infelizmente a insegurança e o ego de muitos CEO’s muito raramente conduzem a este mindset.

Em que setores empresariais pode ser mais danosa uma má liderança?
Qualquer setor empresarial sofre com uma má liderança. É claro que a sofisticação dos processos de uma empresa, o seu nível avançado em tecnologias pode minimizar erros de liderança, mas as empresas são fundamentalmente pessoas. A tecnologia e os processos o seu suporte.

Que sugestões pode deixar aos aspirantes a líderes, a quem está a começar projetos, ou a quem enfrenta o desafio de gerir grandes empresas?
Em primeiro lugar deve começar por ler o livro “Manual de sobrevivência”. Este é o livro que gostaria de ter lido quando iniciei a minha caminhada de CEO. Mais a sério, deixo algumas sugestões para chegar mais rapidamente a CEO, ou começar com o pé direito na gestão de uma empresa grande ou pequena. Deve trabalhar os seguintes aspetos: visão estratégica; amar pessoas e promover o seu crescimento; à vontade com números e finanças; bom networking; o ego fica na gaveta; inteligência emocional; bom comunicador; gosto pela mudança e pelo risco associado; sonhador e ambicioso; curioso e pensar pela própria cabeça.

“Não ser transparente com o seu colaborador é faltar-lhe ao respeito, é enganá-lo! E isso, para mim, não é gerir bem”.

O que gostaria que o seu manual de sobrevivência fizesse pelos gestores e pelas empresas nacionais?
Este livro traduz uma ideia de liderança e gestão de empresa baseado numa ideia de meritocracia, modelo que acredito que funciona e que me tem trazido muitos bons resultados. Para este modelo funcionar, um processo de feedback e follow-up de qualidade são essenciais, estes devem, conforme disse anteriormente, rápidos, constantes e brutalmente transparentes.

Na cultura portuguesa, temos muita dificuldade em ser transparentes, em dizer aquilo que pensamos, mas também receber críticas de forma construtiva. E até agradecer as críticas! Muitos líderes têm dificuldade em dizer o que pensam de uma performance, um trabalho mal feito, um objetivo não cumprido, para não ferir a outra pessoa. Aceitam desculpas do mercado, da concorrência, da crise, não somos competitivos, dos astros desalinhados, a lista é longa! Não ser transparente com o seu colaborador é faltar-lhe ao respeito, é enganá-lo! E isso, para mim, não é gerir bem. Por outro lado, num modelo meritocrático, o líder, pode e deve ser também criticado, confrontado com as suas decisões ou ações desalinhadas com a estratégia ou a cultura da empresa.

Quantos lideres conhecemos capazes de ouvir críticas honestas, construtivas dos seus colaboradores mais capazes – os top performers? À primeira vista, uma meritocracia pode ser interpretada de fora como um modelo duro. Mas por trás de uma empresa verdadeiramente meritocrática está uma empresa humilde, preocupada com as suas pessoas e ao mesmo tempo exigente e ambiciosa. Qual é o melhor modelo para a sua empresa? Cada líder deve tomar essa decisão! Eu já decidi e por isso decidi desenhar essa ideia, fundamentá-la e partilhá-la.

Afirma que todos somos «CEO» nem que seja de nós próprios…. Este livro também pode ser uma ferramenta de transformação pessoal? Em que medida?
Os 52 princípios, um por cada semana do ano, que aqui abordo estão direcionados para o mundo corporativo. Contudo todos, com algumas nuances é certo, podem ser usados na nossa caminhada pessoal – tal como refere o Tim [Vieira], no prefácio do livro, a vida não deixa de ser a nossa maior empresa! Pura verdade!

Respostas rápidas:
O maior risco: Não arriscar. Aquilo em que acreditamos vale sempre o risco.
O maior erro: Não tomar as decisões que se impõem num dado momento, sejam elas vistas como positivas ou negativas.
A maior lição: Os problemas nunca terminam na nossa vida. Ganham só mais profundidade e complexidade. Aprendi nestes anos todos que a aprendizagem está intrinsecamente ligada a (algum) sofrimento. “No pain, No gain”, uma verdade universal.
A maior conquista: A minha liberdade intelectual.

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