Entrevista/ “Este ecossistema precisa de políticas públicas estáveis e contínuas que incentivem a manutenção do investimento a longo prazo”

Lurdes Gramaxo, presidente da Investors Portugal

“É provável que no futuro próximo se assista cada vez mais ao surgimento de projetos europeus no capital de risco e Espanha pode ser um primeiro passo para os investidores portugueses”, afirma Lurdes Gramaxo, recém reeleita presidente da Investors Portugal para mais um mandato de três anos.

A Investors Portugal – Associação Portuguesa dos Investidores em Early Stage, tem novos órgãos sociais, desde o início de abril, para um mandato que irá até 2028. Lurdes  Gramaxo, partner da Bynd Venture Capital, foi reeleita presidente desta associação criada em 2021 e reassume o desafio de a liderar nesta fase de crescimento e afirmação do ecossistema empreendedor.

Em entrevista ao Link to Leaders, traça o perfil do seu setor de atividade, fala dos desafios e das oportunidades e destaca que “no ano passado foram investidos cerca de 500 milhões de euros”. Lurdes Gramaxo acredita no crescimento do investimento neste segmento em 2025, impulsionado pelo surgimento de start-ups “com projetos muito interessantes e disruptivos, especialmente ligados à Inteligência Artificial”.

Reforçar a importância do setor de capital de risco early-stage no desenvolvimento da economia portuguesa, com o objetivo de promover ativamente esta classe de ativos, é um dos pilares estratégicos da sua atuação para os próximos anos.

Recém reeleita como presidente da Investors Portugal, e agora com uma bagagem de alguns anos à frente desta associação, como encara os próximos três anos de mandato?

A recandidatura da anterior direção, com uma lista renovada para representar melhor a diversidade dos atuais associados da Investors Portugal, surgiu como um passo natural que foi dado com entusiasmo renovado e com expectativa numa dinâmica e eficácia reforçadas pela experiência acumulada.

Quais os pilares da sua presidência?

Candidatamo-nos com uma estratégia baseada na entrega de valor aos associados e com uma visão de crescimento em termos de representatividade do setor. A nossa estratégia assenta em três pilares fundamentais: o desenvolvimento de ações de capacitação, numa ótica de formação contínua das equipas dos nossos associados; a promoção de soluções para os problemas que afetam o setor através de interação com os legisladores, reguladores e demais stakeholders; e a divulgação da importância do setor de capital de risco early-stage no desenvolvimento da economia portuguesa, com o objetivo de promover ativamente esta classe de ativos.

A 3.ª edição do Barómetro do Investimento Early Stage, da Investors Portugal, divulgada em março, afirmava que 71% dos investidores teve mais dificuldade em levantar capital. Perspetiva que esse cenário mude? 

Acreditamos que haverá uma evolução positiva deste parâmetro, uma vez que o ecossistema português tem mostrado vitalidade, quer através da criação de start-ups inovadoras, quer na captação de capital por parte de fundos para apoiar o seu desenvolvimento.

(…) os investidores iniciais nas start-ups normalmente aportam muito mais do que capital”.

Assistimos cada vez mais a investimentos em projetos internacionais, como por exemplo em Espanha. A internacionalização será o caminho para os investidores nacionais?

O investimento em early-stage, especialmente nas fases mais precoces do desenvolvimento das start-ups, está muito ligado a um investimento de proximidade, no sentido em que os investidores iniciais nas start-ups normalmente aportam muito mais do que capital. Para fazer o caminho da internacionalização é necessário construir uma equipa de proximidade nas geografias-alvo e competir de igual para igual em conhecimento e ferramentas com os investidores nacionais presentes.

No entanto, mesmo com estas condicionantes, é provável que no futuro próximo se assista cada vez mais ao surgimento de projetos europeus no capital de risco e Espanha pode ser um primeiro passo para os investidores portugueses.

Acredita que possa haver mais oportunidades de investimento early stage este ano?

Atualmente, em Portugal, há bastante liquidez no mercado do investimento em early-stage, especialmente para as fases Seed e Série A. Depois de um grande abrandamento nos anos da Covid-19, o mercado tem crescido e, em 2024, foram investidos cerca de 500 milhões de euros, muito ligados aos Fundos SIFIDE e às iniciativas do Banco Português do Fomento. Como temos visto uma série de start-ups a surgir com projetos muito interessantes e disruptivos, especialmente ligados à Inteligência Artificial, tudo indica que o investimento neste segmento cresça em 2025.

(…) preocupa-nos também que em Portugal continue a haver falta de uma rede de Business Angels que sistematicamente apoie projetos nas fases mais precoces (…)”

O que ainda está a faltar nas políticas públicas e de regulamentação para este setor de atividade?

Enquanto associação do setor, preocupa-nos o futuro, sobretudo quando terminarem os fundos provenientes do PRR e do SIFIDE, e não se vislumbram novas fontes de financiamento para dar continuidade ao crescimento do setor. Por outro lado, preocupa-nos também que em Portugal continue a haver falta de uma rede de Business Angels que sistematicamente apoie projetos nas fases mais precoces e que vá alimentado o pipeline do desenvolvimento do ecossistema, assim como continua a ser necessário recorrer a capital internacional para levantamento de fundos pós Série A. Na nossa opinião, o mercado precisa de previsibilidade e continuidade de políticas públicas, nomeadamente fiscais, que incentivem a manutenção do investimento e ao longo do tempo.

Neste momento, a inovação e criatividade nacionais, e o tipo de projetos que nascem no mercado, está suficientemente atrativa para os investidores?

Como disse, temos visto surgir uma vaga muito interessante de start-ups em Portugal que interessarão certamente aos investidores, pelo que acreditamos que este possa ser um fator bastante atrativo para captar investimento e continuar a dinamizar o ecossistema.

“Há escassez de operações de M&A, como existem noutras geografias (…)”.

As oportunidades de exit no mercado nacional correspondem ao desejado?

As oportunidades de exit no mercado nacional continuam a ser escassas e são um dos aspetos mais preocupantes do setor em Portugal. Há escassez de operações de M&A, como existem noutras geografias, onde as empresas definem estratégias de inovação que também passam pela aquisição e/ou associação a start-ups que possam contribuir para a sua inovação e crescimento. Além disso, também não há uma tradição de aquisição de participações dos investidores iniciais em rondas de investimento subsequentes. Isto acontece porque muito do capital disponível para investir está impedido de o fazer por obrigações contratuais de financiamento público.

Na ótica dos investidores, o que pode, ou deveria, ser feito para valorizar e dinamizar mais o ecossistema do investimento early-stage em Portugal?

Para dinamizar o ecossistema do investimento early-stage a nível nacional é necessário um esforço conjunto entre os diversos atores. Este ecossistema precisa, sobretudo, de políticas públicas estáveis e contínuas que incentivem a manutenção do investimento a longo prazo. Ademais, o estabelecimento de incentivos fiscais para investidores, em linha com as melhores práticas europeias, bem como o desenvolvimento de iniciativas que promovam as transações em mercado secundário são também outras medidas necessárias à evolução e crescimento deste ecossistema.

“Vemos também uma nova vaga de start-ups emergentes (…) com potencial disruptivo e uma ambição global (…)”.

Globalmente, como avalia o panorama nacional dos investidores em Portugal? Maiores desafios e oportunidades?

O mercado em Portugal continua com liquidez, sobretudo devido a fundos SIFIDE ou alavancados pelo Banco Português de Fomento. Vemos também uma nova vaga de start-ups emergentes, sobretudo na área da Inteligência Artificial, com potencial disruptivo e uma ambição global, o que acreditamos que são boas oportunidades para os investidores e para dinamizar este ecossistema, sobretudo o investimento em early-stage.

Os maiores desafios passam pela instabilidade económica a nível global, com impacto local, nomeadamente devido à atual guerra comercial levantada pelas tarifas implementadas pelos Estados Unidos. Esta incerteza global leva à incerteza nos mercados, o que conduz a que alguns investidores possam adiar decisões de investimento. Além disso, a nível nacional, destaca-se a falta de previsibilidade e continuidade das políticas públicas, que acaba por ser um desafio para os investidores e para o ecossistema da inovação.

E quais as iniciativas que a Investors Portugal tem planeadas para apoiar os investidores de early-stage a curto e médio prazo?

No curto prazo, temos o Investors Dinner, o evento organizado anualmente e que junta o maior número de investidores em Portugal e onde serão debatidos os desafios e oportunidades com que o setor se irá confrontar. Temos também já anunciado um novo programa de formação sobre temas de compliance assim como a organização de um novo Angels MeetUp, que irá ter lugar durante a SIM Conference, no Porto, e que visa a consolidação de uma comunidade ativa de Business Angels em Portugal.

Continua a ser um desafio ser-se mulher no setor do investimento ou essa questão já nem sequer se coloca?

No mundo de hoje, cheio de nuvens negras no horizonte, os desafios são imensos para todos.

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