Entrevista/ “As competências humanas vão fazer a diferença porque são insubstituíveis”

Daniel Traça, diretor da Nova SBE

A Nova SBE está em contagem decrescente para inaugurar o novo campus em Carcavelos e para receber primeira edição da conferência SingularityU Portugal Summit Cascais, que trará ao nosso país líderes internacionais e figuras influentes da ciência, tecnologia e inovação.

No final deste mês, a Nova School of Business and Economics (Nova SBE) vai inaugurar o novo campus de Carcavelos, que irá receber 3 mil alunos e cerca de 130 docentes. Para Daniel Traça, diretor da nova instituição de ensino, “o nosso mote é ser a escola do futuro e tentar testar, planear, experimentar”, para perceber o impacto das novas tecnologias emergentes, de forma a preparar os líderes do futuro.

Um tema que também estará em cima da mesa na primeira edição da conferência SingularityU Portugal Summit Cascais, um evento do qual a Nova SBE é corganizadora juntamente com a Câmara de Cascais e a Beta-i e que reúne, pela primeira vez, no país líderes e especialistas nacionais e internacionais para debater como as sociedades se devem preparar para aproveitar a inovação tecnológica.

Quais são as suas expetativas para esta primeira edição da grande conferência SingularityU Portugal Summit Cascais?
Acima de tudo o que queremos trazer é a ideia do que será a grande disrupção que a mudança tecnológica trará nos próximos 10 – 15 anos em áreas como a energia, blockchain, inteligência artificial e quantum computing. Queremos destacar quais serão as grandes alterações e as grandes revoluções tecnológicas que estão a ser pensadas na fronteira do conhecimento, e discutir os impactos que trarão à sociedade e a forma como nós, enquanto seres humanos, vamos ter de reagir, ajustar e preparar-nos para lidar com as consequências desta mudança. Uma mudança que tem um imenso potencial para resolver os grandes problemas da Humanidade e para criar uma sociedade de abundância.

Queremos trazer para Portugal a consciencialização de que vai haver mudança, da sua velocidade e mostrar que não é passivamente que se vai gerir todo o potencial que esta revolução tecnológica trará. Essa ligação entre a revolução tecnológica e o impacto na sociedade e nas pessoas é aquilo que a SingularityU Portugal quer trazer à realidade nacional.

Para além desta, que outras parcerias tem a Nova SBE com a Singularity University?
Integrámos a Singularity University Portugal em conjunto com a Beta-i e contamos com o apoio da Câmara Municipal de Cascais. E para além de organizar esta conferência – que será anual ou bianual -, a Singularity University Portugal organizará uma série de programas específicos para os nossos outros parceiros, com vista a promover o empreendedorismo e o fomento de start-ups.

Na sua opinião, qual é o impacto das tecnologias emergentes na educação?
Vai ser radical e de imensas dimensões. E tem a ver, no fundo, com a forma como se ensina e sobre o que se ensina.

Sobre a forma como se ensina: hoje vejo muitos dos meus alunos a irem ao YouTube e ao Facebook aprender muitas das coisas que, na altura, aprendi na sala de aula e há professores que colocam os materiais todos online. Portanto, aquilo que ensinamos tem de se tornar relevante e não pode ser uma cópia dos filmes que vemos no YouTube. A sala de aula vai deixar de ser uma sala onde se ensina para ser uma sala onde se aprende. Queremos que os alunos reflitam mais. A forma como se ensina vai-se alterar e temos de começar a preocupar-nos com a aprendizagem e a reflexão dos alunos.

Sobre o que se ensina: aqui, há duas grandes mudanças. A primeira é, obviamente, que tudo vai ter tecnologia. A forma como se vende, se faz trading e se gere qualquer sistema numa organização. Tudo vai ter tecnologia. Portanto, os gestores – que são o tipo de profissionais que estamos a formar – vão ter de perceber que a fronteira entre saber de gestão e saber de tecnologia desapareceu. Vamos ter de alterar os nossos currículos não só para dar aos alunos essa capacidade de gerir, mas também de perceber a tecnologia de uma forma profunda. No fundo, o gestor também vai ter aqui uma componente de engenheiro no seu dia a dia e é nisso com que estamos preocupados.

Mas esta mudança não ficará por aqui…
Muitas das coisas que hoje são feitas por pessoas – mesmo com cursos superiores – vão passar a ser feitas por máquinas. Há muitos exemplos, como os advogados ou os radiologistas. E tudo isto a uma velocidade enorme. Se hoje aprendemos alguma coisa, daqui a cinco anos aquilo que aprendemos pode não ser útil porque já apareceu uma nova teoria, uma nova máquina que é capaz de fazer o mesmo e essa competência já deixou de ser útil. Para além de ensinar os alunos a lidar com as máquinas, teremos de lhes dar competências para que sejam capazes de se ajustarem a esta mudança. Vamos ter de ensinar a desaprender, ou seja, ensinar os alunos a esquecer um bocado aquilo que lhes foi ensinado para que consigam aprender uma coisa nova. E isso é uma competência diferente e é algo em que nos vamos ter de focar.

Por último, é preciso ensinar a lidar com a tecnologia, a aprender e a desaprender, a lidar com a mudança e ensinar a sermos muitos mais humanos. Isto porque, no fundo, tudo o que não for especificamente humano vai ser feito por máquinas.

E os gestores, também terão de se adaptar?
Cada vez mais, do ponto de vista dos profissionais de gestão, serão as competências humanas que vão fazer a diferença porque essas são insubstituíveis. Isto é, a diferença não vai ser feita para quem sabe fazer contas ou por quem sabe fazer uma folha de balanço. A diferença vai ser feita por quem sabe gerir, incentivar, motivar e inspirar pessoas. Isto é um mundo completamente novo para as universidades e ao qual nos vamos ter de ajustar, porque é este o desafio que vai ser colocado às universidades do século XXI.

Por último, é preciso ensinar a lidar com a tecnologia, ensinar a aprender e a desaprender, a lidar com a mudança e ensinar a sermos muitos mais humanos. Isto porque, no fundo, tudo o que não for especificamente humano vai ser feito por máquinas.

Estarão as universidades portuguesas, no geral, e a Nova SBE, em particular, preparadas para formar os alunos quanto às novas tecnologias emergentes?
Estamos todos pouco preparados em Portugal, na Europa e no mundo. Ainda estamos a tentar perceber exatamente o que se vai passar. O desafio é não nos sentarmos à espera que as coisas aconteçam, mas sim estarmos à frente do nosso tempo, desafiarmo-nos e criar ideias novas para estarmos na dianteira. Portanto, isto é como se fosse um comboio muito grande em andamento em que a única forma de sobreviver é estar à sua frente. Temos de correr rapidamente e olhar para o futuro – e por isso é que o nosso mote [o da Nova SBE] é ser a escola do futuro – e tentar testar, planear, experimentar, para perceber o que é que essa realidade vai trazer e sermos capazes de preparar as pessoas para liderar nesse futuro. Isto não significa só ter uma carreira de sucesso, mas também ser capaz de formar líderes que consigam ajudar a Humanidade a assegurar que esse futuro é um minimamente estável, coeso e inclusivo.
A responsabilidade aqui já não é só uma questão de sucesso profissional. É uma questão de formar líderes que ajudem a Humanidade a tirar o máximo de partido da tecnologia e a lidar com as consequências menos boas que esta pode trazer.

Há uma dificuldade nas universidades em Portugal que é a questão dos orçamentos. [A inovação tecnológica] é uma questão que exige recursos.

Quais são os maiores desafios que as universidades, como a Nova SBE, terão que enfrentar no que diz respeito à inovação tecnológica?
Há uma dificuldade nas universidades em Portugal que é a questão dos orçamentos. [A inovação tecnológica] é uma questão que exige recursos. Há uma segunda dimensão que todas as universidades vão ter de fazer: vamos ter de ser muito mais abertos. Na Nova SBE, estamos a fazer esse esforço, a trazer mais empresas e mais reflexão para dentro da organização. O último desafio que eu referiria é, obviamente, ter a coragem para correr riscos.

Acho que vamos ter de arriscar. Muitas coisas não vão correr bem e vamos ter de aceitar que vamos falhar. O futuro será daqueles que arriscam. O prémio vai para aqueles que, de facto, arriscarem e para aqueles que saírem da caixa e trouxerem soluções novas. Ou seja, há que abrir cada vez mais a universidade, arranjar os recursos que nos permitam financiar o investimento que é necessário e fazer um esforço para criar escolas com uma vontade muito grande de arriscar e inovar.

A nossa grande aposta é motivar os alunos, professores e toda a comunidade de antigos alunos e empresas a criarem um ecossistema em que uns falam com os outros com a ambição de criar soluções novas para os problemas das pessoas, das organizações e da sociedade e relações internacionais.

Qual é o compromisso da Nova SBE com a inovação?
Absoluto. É um compromisso que tem muitas dimensões. Passa por percebermos que não temos só de inovar na forma como trabalhamos, mas temos também de ajudar a sociedade a inovar. A tecnologia traz desafios e isso implica que temos de ultrapassar os desafios como:

Indivíduos: com as competências que precisamos, a coragem que temos de criar e a resiliência que tem de se desenvolver.
Organizações e empresas: cada vez mais aparecem concorrentes em sítios que não se estava à espera e, de repente, aquilo que achavam que era o seu negócio deixou de ser.
Sociedade: cada vez mais com fenómenos políticos que não conseguimos perceber em que entra a tecnologia [como o Facebook] e, de repente, até as próprias eleições estão em risco.
Relações internacionais: que estão cada vez mais difíceis entre os países.

E a Nova SBE quer fazer parte disso porque tem os melhores inovadores do mundo. Os melhores alunos de toda a parte do mundo, aqueles com mais vontade de fazer a diferença, aqueles com mais energia para criar soluções. A nossa grande aposta é motivar os alunos, professores e toda a comunidade de antigos alunos e empresas a criarem um ecossistema em que uns falam com os outros com a ambição de criar soluções novas para os problemas das pessoas, das organizações e da sociedade e relações internacionais.

São este tipo de iniciativas que podem tornar a Nova SBE numa escola do futuro?
São estas iniciativas que vão ser criadas não só por nós, mas também pelos nossos alunos e por toda a rede de parceiros que criámos nos últimos tempos e que vão encontrar uma casa neste novo campus. São essas iniciativas de toda a comunidade à nossa volta, que acho que vão fazer a diferença naquilo que nós queremos fazer aqui neste novo espaço.

Este novo campus da Nova SBE é importante porque é o sítio onde esperamos que todos estes parceiros, que eu sei que desconfiam uns dos outros porque estou com eles constantemente, se encontrem – sob a inspiração daquilo que é a universidade – e comecem a conversar para construir soluções e inovação.

Qual o papel que as universidades devem assumir enquanto plataformas de novas ideias?
É um papel absolutamente fulcral porque estas novas ideias que temos falado só serão implemantadas numa plataforma que tenha todos os parceiros juntos. Isto quer dizer que vamos ter de por as empresas a falar com o governo, com as câmaras municipais, com as ONG e com as fundações. Um dos problemas que existe na nossa sociedade é que essas organizações desconfiam umas das outras. Uma ONG vai falar com uma empresa e acha logo que há uma tentativa de exploração de alguma coisa. Infelizmente, todas estas entidades encontram-se de costas voltas e a universidade é o melhor terreno para eles se encontrarem porque é o espaço mais neutro desta relação. É também por isso que este novo campus da Nova SBE é importante porque é o sítio onde esperamos que todos estes parceiros, que eu sei que desconfiam uns dos outros porque estou com eles constantemente, se encontrem – sob a inspiração daquilo que é a universidade – e comecem a conversar para construir soluções e inovação.

Por isso é que eu acho que a Nova SBE vai ser um lugar de inovação. Porque, por um lado, temos os jovens, o futuro, as ideias e a capacidade de criar, e, por outro, temos um campus em que todos estes parceiros se vão sentir à vontade de conversar uns com os outros para terem ideias novas. Eu acho que é isso que, no fundo, queremos que a escola seja e acho que é isso que a universidade do futuro vai acabar por ser.

De que forma é possível assegurar que a inteligência artificial, as energias renováveis e baterias, impressão 3D, blockchain ou quantum computing podem criar uma sociedade da abundância que seja para todos?
Essa é a pergunta que vale um milhão de euros. Esse é o grande desafio, mas não depende das máquinas. Aí vai depender fundamentalmente das pessoas. Para isso é preciso liderança, é preciso que os líderes políticos percebam o desafio e assumam essa responsabilidade. Eu sou um otimista porque acho que os seres humanos quando estão sob pressão acabam sempre por assumir essas responsabilidades, mas acho que aquilo que podemos fazer na Nova – e é isso que fazemos já – é explicar a estes novos alunos, às gerações que têm passado e às que vão passar – que eu acho que vão ser os grandes líderes – a responsabilidade que significa ser-se líder no século XXI.

Este mundo [com todas estas tecnologias emergentes] é muito idêntico ao do Star Trek em que há uma sociedade igualitária, mas que estamos todos juntos para ser descobridores e ir explorar o espaço. É nesse mundo que todos temos esperança. Para haver essa realidade é preciso que haja liderança e vontade por parte das pessoas de fazer acontecer e a alternativa de um mundo onde haja desenvolvimento tecnológico e toda esta abundância não só para alguns, mas para todos. Eu acho que é um mundo que vai ser absolutamente insuportável e imaginar essa alternativa espero que seja suficiente para motivar e inspirar para que os líderes assumam essa responsabilidade e façam acontecer o melhor cenário.

O futuro é daqueles que exploram. A maior competência humana – que nenhuma máquina vai ser capaz de substituir – é a capacidade de criar problemas, de explorar.

O futuro é daqueles que resolvem os problemas?
O futuro é daqueles que exploram. A maior competência humana – que nenhuma máquina vai ser capaz de substituir – é a capacidade de criar problemas, de explorar. E criar problemas não é ser-se picuinhas. É trazer novos desafios e novas coisas que é preciso resolver para chegar mais longe. No fundo, vamos voltar àquele grande tempo em que os portugueses foram muito grandes, em que se decidiu explorar. Isto é bom para Portugal: temos uma alma e história de exploradores. E como o mundo vai ser para essas pessoas que vão “por mares nunca antes navegados”, acho que vai ser um bom século para Portugal.

Qual é a sua visão para a educação do futuro?
Uma educação que será capaz de criar estes exploradores e possivelmente bastante diferente daquilo que estamos a fazer hoje. Menos regras, formatação, certezas, instruções e mais espaço para um indivíduo encontrar o seu propósito, para explorar, para cada um ter tempo para si e para sermos mais humanos.

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