Entrevista/ Como vê a ANJE o papel das jovens líderes portuguesas

Inês Campos Costa e Patrícia Patrício, da ANJE

O Dia Internacional da Mulher celebrou-se pela primeira vez a 8 de março de 1975. Desde então, o que mudou? Falámos com Inês Campos Costa e Patrícia Patrício, da ANJE, sobre os estímulos e as barreiras à entrada das mulheres na vida empresarial, e sobre as iniciativas da associação que promovem a sua inclusão.

Progressos, compromissos e poucos resultados reais. Até hoje, nenhum país do mundo conseguiu alcançar a igualdade de género, apesar de todos os esforços e propostas para a igualdade nos campos da política, da saúde, da educação e do trabalho, de acordo com a ONU.

Na Europa, Portugal é o sexto país com maior desigualdade, de acordo com os dados do Eurostat. Em 2018, a taxa de emprego das mulheres subiu, mas continua a ser menor que a dos homens, com 72,1% face à taxa de 78,9% dos homens. Relativamente aos salários, na Europa as mulheres ainda ganham, em média, 16% menos do que os homens. Para promover a igualdade salarial, o Parlamento Europeu exigiu a adoção de regras comunitárias com “metas claras” para os próximos cinco anos.

A propósito do Dia Internacional da Mulher, o Link To Leaders falou com Inês Campos Costa e Patrícia Patrício, membros da Direção Nacional da ANJE – Associação Nacional de Jovens Empresários, sobre as jovens líderes portuguesas, para entender que oportunidades existem e qual a sua situação atual, no mundo do trabalho e na sociedade.

Como vê a ANJE o papel das jovens líderes portuguesas?
O crescente nível de qualificação das mulheres traz ao tecido empresarial conhecimento altamente especializado, qualidade de gestão e elevada preparação técnica em áreas cruciais para o sucesso dos negócios. A participação das mulheres, mais ou menos jovens, nas administrações das empresas complementa-as com diferentes visões, sensibilidades, valores e competências na gestão dos negócios. Diversos estudos indicam que a presença das mulheres em lugares de liderança promove o bom governo das sociedades, melhora o desempenho das equipas, favorece a racionalidade e eficiência empresariais, e contribui para a sustentabilidade social das empresas.

Acresce que a criação de empresas por mulheres é um fator de desenvolvimento subaproveitado em Portugal e com repercussões económicas importantes. A crescente qualificação da nossa população feminina não se traduz cabalmente em negócios, investimento e valor acrescentado. Importa canalizar o potencial humano que as jovens mulheres representam (são mais de 50% do universo de estudantes do ensino superior português) para a atividade empreendedora, de forma a promover o seu crescimento e competitividade.

“A ANJE foi uma das primeiras instituições portuguesas a criar um programa de formação empresarial exclusivamente para mulheres”.

Qual tem sido o apoio da ANJE na promoção da igualdade de género juntos dos mais jovens?
A ANJE foi uma das primeiras instituições portuguesas a criar um programa de formação empresarial exclusivamente para mulheres. Referimo-nos ao JENE – Jovens Empreendedoras para Novas Empresas, um projeto âncora da ANJE lançado em 2004 com o objetivo de reforçar e valorizar a participação das mulheres no mercado de trabalho, apoiando o empreendedorismo feminino com ações de formação e mentoria especializada. Desta forma, promoveu-se a criação de empresas e, consequentemente, o autoemprego, por via de um reforço de competências. Numa lógica integrada de atuação, o JENE possibilitava às destinatárias o desenvolvimento de um percurso de formação-ação.

O contributo da ANJE para a promoção da igualdade de género tem incidido, sobretudo, em projetos de natureza formativa e tutorial dirigidos a mulheres, que servem para reforçar competências orientadas para a criação de negócios e para a gestão de empresas. As competências que procuramos transmitir visam promover o empreendedorismo feminino, mas também preparar as mulheres para a progressão na carreira dentro das empresas.

Quais os desafios de ser mulher no mercado de trabalho?
Embora os dados dos últimos anos indiquem que possa estar a ocorrer uma ligeira mudança destas tendências, como reporta um estudo recente da Informa D&B, as mulheres em Portugal continuam a ocupar menos cargos executivos ou de responsabilidade nas empresas (só 29,8% dos quase 500 mil cargos, diz a referida consultora), as suas remunerações são em média mais baixas do que as dos homens (- 14,4% da remuneração média mensal base, segundo um relatório do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social)  e a progressão na carreira tende a ser mais demorada.

Para este cenário podem contribuir a persistência de preconceitos e estereótipos de género no mundo do trabalho e algum viés cultural e social em relação às expectativas de progressão na carreira das mulheres, que atrasam a mudança do status quo. Este viés diminui as probabilidades de, em face de duas opções equivalentes em termos de currículo e competências, uma mulher ser selecionada para um cargo de liderança em detrimento de um homem, reforçando o preconceito e a cultura vigentes. O grande desafio passa pela mudança de mentalidades e perceções sociais em relação às mulheres, de modo a que as suas competências, aptidões e profissionalismo sejam valorizados da forma o mais imparcial possível.

As desigualdades são mais pronunciadas no tempo gasto a cuidar da casa e da família. Como podem as empresas contribuir para alcançar este equilíbrio na distribuição de responsabilidades?
Obviamente que a repartição de tarefas domésticas é algo que, pela sua natureza, deve competir à família. Mas, antes de mais, importa referir que, ainda que haja desigualdades pronunciadas no que diz respeito ao género, também as famílias monoparentais se deparam potencialmente com os mesmos desafios. Ao proporcionarem boas condições de trabalho, perspetivas de carreira e remunerações justas e adequadas, as empresas podem servir como referência para uma sociedade mais paritária, tendo em vista uma maior equivalência entre géneros também no que respeita à organização doméstica e logística familiar.

Além disso, o contexto em que vivemos veio mostrar às empresas como os seus colaboradores podem ser igualmente produtivos, ou até mais, em teletrabalho. As empresas podem facilitar o equilíbrio entre a gestão de carreira e a gestão familiar, reconhecendo o seu papel na criação de condições que permitam essa conciliação. E também reconhecendo o impacto do bem-estar na produtividade, ou seja, assumindo que os colaboradores que consigam esse equilíbrio serão mais felizes e tenderão, por isso, a contribuir de forma mais impactante para um bom trabalho em equipa e para os resultados da empresa.

“Este processo de equiparação entre géneros pode passar, por exemplo, por remover do procedimento de avaliação de CVs qualquer referência a género, bem como por eliminar outros dados que possam promover a discriminação positiva ou negativa, como a data de nascimento, a morada ou a fotografia”.

Que ações concretas podem as empresas ativar com o objetivo de garantir uma igualdade efetiva entre mulheres e homens no que toca ao acesso ao emprego e às condições de trabalho, remuneração e proteção na parentalidade?
Em primeiro lugar, os processos de recrutamento e gestão dos recursos humanos devem ser transparentes e partilhados com todos os colaboradores. As chefias são também responsáveis por incutir os valores da igualdade de tratamento entre géneros, por promover o acesso igualitário a oportunidades de carreira e por assegurar as mesmas condições de trabalho a mulheres e homens. Tudo isto se repercutirá, necessariamente, na cultura das suas organizações e até para além destas, noutras empresas e na sociedade.

Este processo de equiparação entre géneros pode passar, por exemplo, por remover do procedimento de avaliação de CV qualquer referência a género, bem como por eliminar outros dados que possam promover a discriminação positiva ou negativa, como a data de nascimento, a morada ou a fotografia. Os modelos organizacionais das empresas têm também de estar orientados para a valorização do capital humano, das competências pessoais e da capacidade profissional, independentemente do género. Por exemplo, quanto mais estruturado for o processo de gestão de carreira dentro de uma empresa, com critérios de avaliação claros e transparentes, mais próximos estaremos de um contexto laboral que promova efetivamente a igualdade entre géneros.

Pode também ser necessário conceber e implementar planos formais de promoção de igualdade nas empresas, que garantam a transversalidade dos princípios de não discriminação entre mulheres e homens em todos os sectores da estrutura organizativa e que permitam a conciliação da vida pessoal, familiar e profissional. O tipo de linguagem aparentemente inofensiva e inconsequente que por vezes usamos quando nos referimos a alguns estereótipos (de género e outros), e que promovem a sua perpetuação, é o exemplo claro do papel importante que as empresas podem ter não só no que se refere ao contexto laboral, mas também em termos de influência social pró-paridade.

O que é preciso fazer para que as jovens empresárias sejam players ativos no mercado?
As jovens empresárias já são players ativos no mercado, embora a sua participação no tecido empresarial apresente um grande potencial de crescimento. Para isso, é necessário criar um ambiente que favoreça a atração de mais mulheres para o mundo dos negócios, apoiando-as na criação de empresas e, eventualmente, desenvolvendo mais medidas ou programas dirigidos ao empreendedorismo feminino. Em alternativa à adoção de medidas de discriminação positiva, podem ainda adotar-se medidas de neutralidade de género, por exemplo.

Outra medida importante é a criação de fóruns que promovam a interação entre jovens empresárias, numa lógica de partilha de experiências e conhecimento. Tal como os exemplos descritos anteriormente, há outros em que se pode pensar de forma a promover condições iguais de acesso ao emprego, gestão de carreira, equilíbrio da vida familiar e profissional, etc.

Enquanto líderes na ANJE, onde consideram que há oportunidades para melhorias imediatas ao nível da igualdade de género, nomeadamente nas camadas mais jovens?
Parece-nos importante criar mecanismos para atrair mais mulheres para os cursos de engenharia e de tecnologias em geral. As mulheres estão em maioria no ensino superior português, mas a sua presença é mais visível nas áreas menos tecnológicas. A atual transformação digital dos vários setores de atividade constitui, sem dúvida, uma oportunidade para atrair mais jovens mulheres para as áreas tecnológicas.

“Parece-nos ainda útil que as jovens empreendedoras se inspirem nos bons exemplos de liderança feminina, que são cada vez mais frequentes no mundo dos negócios e não só. e encontrem apoio umas nas outras”.

Que sugestões deixam às empreendedoras para serem protagonistas num universo ainda “dominado” por homens?
É importante que confiem nas suas competências, acreditem no seu potencial e não se deixem intimidar perante eventuais discriminações, mantendo-se firmes nos seus objetivos profissionais, nas suas ambições de carreira e nas suas iniciativas empresariais. Parece-nos ainda útil que as jovens empreendedoras se inspirem nos bons exemplos de liderança feminina, que são cada vez mais frequentes no mundo dos negócios e não só. e encontrem apoio umas nas outras.

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