Opinião
Empréstimos participativos: uma tentativa frustrada de capitalização das empresas?
Os empréstimos participativos apresentam-se como um instrumento de financiamento híbrido, estando regulados de forma autónoma em Portugal com a entrada em vigor do DL n.º 11/2022, de 12 de janeiro (RJEP).
Este regime insere-se na estratégia de diversificação e modernização das fontes de financiamento das sociedades, procurando colmatar a insuficiente diversificação das fontes de investimento e promover a capitalização empresarial.
Contudo, a utilização do RJEP enquanto medida lançada pelo legislador para incentivar a capitalização das empresas, especialmente de PME e start-ups, considera-se que possa ter ficado aquém do seu propósito. Efetivamente, a aplicabilidade prática deste instituto surge fortemente condicionada por três ordens de razão:
Em primeiro lugar, aponta-se a restrição feita quanto às entidades que podem conceder empréstimos participativos. Ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, o legislador português restringe o acesso a instituições de crédito, sociedades financeiras, sociedades de capital de risco, investidores institucionais e outras entidades especialmente habilitadas para o efeito. Assim, ao excluírem-se pessoas singulares, sociedades comerciais comuns ou investidores privados não qualificados, é o próprio regime que se boicota a si mesmo.
Em segundo lugar, deteta-se um desalinhamento contabilístico-jurídico evidente. Ao ler o diploma legal, é possível compreender uma clara ausência de harmonização entre a letra do mesmo e as normas contabilísticas, designadamente no que respeita à qualificação dos empréstimos participativos. Embora aquele diploma determine que, para efeitos da legislação comercial, estes possam ser considerados capital próprio, do ponto de vista contabilístico as regras apontam no sentido de os mesmos continuarem a ser reconhecidos, pelo menos parcialmente, como passivo da mutuária. De acordo com o n.º 2 do artigo 2.º do RJEP, a qualificação do valor mutuado como capital próprio não parece compatível com a definição contabilística, uma vez que subsiste uma obrigação de remunerar e reembolsar o mutuante (verificados certos pressupostos).
Por último, não pode deixar de ser referida a existência de instrumentos alternativos cuja utilização deve ser ponderada — como os mútuos parciários — ou até mesmo a mera criação ad hoc de contratos semelhantes celebrados ao abrigo do princípio da liberdade contratual.
Esta conclusão é particularmente desanimadora, sobretudo tendo em conta o panorama económico-empresarial português, no qual mais de um quarto das empresas apresenta capitais próprios negativos e um número significativo das mesmas depende de financiamento bancário. O RJEP poderia representar uma importante solução, ao oferecer um novo mecanismo de financiamento para empresas com menor sofisticação económico-financeira, permitindo-lhes reforçar os seus capitais próprios sem implicar (pelo menos de forma imediata) a diluição da sua estrutura acionista.
Apesar da reduzida adesão verificada até ao momento, espera-se que o RJEP incentive a reflexão sobre novas formas de financiamento que contribuam para mitigar o problema do endividamento excessivo que afeta muitas empresas portuguesas — um problema que, em círculo vicioso, compromete a vitalidade e o crescimento sustentado do tecido económico nacional.
*Departamento de Direito Comercial e Societário
Sara Oliveira Mendes é advogada associada do Departamento de Direito Comercial e Societário. Exerce a sua atividade profissional nas áreas do Direito Societário, Comercial e Imobiliário.
Com licenciatura em Direito (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), tem uma Pós-Graduação Avançada em M&A e Corporate Litigation e outra em Direito das Sociedades Comerciais, e um Mestrado em Direito e Gestão (Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa).
Centra a sua atividade na assessoria em restruturações societárias e operações relacionadas com ativos imobiliários, tendo acompanhado clientes nacionais e internacionais das mais diversas áreas de atividade, em operações de fusões e aquisições, constituição de empresas, compras e vendas de ativos, reestruturações societárias e due diligences.








