Opinião
Distante não significa sozinho
Agora que nos aproximamos do final de mais um ano, é certo que nenhum de nós pensaria que 2020 seria como está a ser. Todos nós traçámos planos, construídos em cima de uma realidade que seria tomada de rompante logo no início do ano.
Dizer que 2020 foi um ano virado “ao contrário” é claramente insuficiente, a verdade é que este me parece um ano que não deixou de “andar às voltas”. Desde um confinamento forçado com medo do que pudesse estar a acontecer, até uma tentativa de obter uma nova normalidade durante o verão e ao culminar de uma nova vaga, muito mais agravada que a anterior, que ainda não tem fim à vista. E por muito que existam vários sucessos a celebrar nesta luta de um Mundo à procura de soluções, como é o caso das vacinas desenvolvidas em tempo recorde, há um tema que ganhou muita relevância e cujo verdadeiro impacto não seremos capazes, a curto prazo, de avaliar: a saúde mental.
Cada um de nós lidou com esta pandemia da sua maneira, numa procura muito individual de um sentido para tudo o que estava a acontecer – e do plano que mais se adequasse ao estilo de vida de cada um de nós. Se pensarmos um pouco seremos capazes de encontrar casos de amigos e familiares que descobriram formas criativas – ou até caricatas – de encontrar alguma sanidade num mundo que, de repente, parecia insano. Essa procura, na minha opinião, é positiva. É um espelho da nossa capacidade, enquanto seres humanos, de nos adaptarmos. E adaptámos, mas a que custo?
Não há verdades absolutas no que diz respeito a tudo o que estamos a viver. Muito se escreve sobre um tema do qual muitos não têm conhecimento suficiente – eu incluo-me neste grupo de pessoas. Ainda assim, acho que se cada um de nós partilhar a sua visão e a forma como está a lidar com as coisas, talvez outros se possam rever e tirar algo de bom de uma luta que apesar de ser individual, é também em grupo.
Acredito que a primeira coisa a fazer é trazer o tema ao centro da conversa. Fiz isso em conjunto com a minha equipa numa tentativa de criar um espaço seguro em que cada um de nós pudesse falar, sem medo de julgamentos ou vulnerabilidades. Fui, aliás, o primeiro a partilhar com todos o que tinha sido este carrossel de emoções: desde o nascimento de mais uma filha (que não pude ver nascer) até ao acometer de um novo problema oncológico no seio da família mais próxima (que, se tudo correr bem, já estará ultrapassado).
Partilhei tudo, sem medos nem vergonhas. Se somos uma equipa temos de nos ver como tal. E quem tem um papel de liderança tem de liderar em tudo, mesmo quando isso significa assumir que não se sabe tudo e que estamos a decidir com base no que vemos – mas com uma determinação tremenda em fazer o que está certo por todos, e a confiança de que no fim, sairemos mais fortes. Assumir que somos vulneráveis não é mostrar que somos fracos – é mostrar que somos tão fortes que, mesmo nas alturas de fraqueza, não temos medo de o partilhar com outros. Porque sabemos o caminho. Porque, como digo em equipa, o segredo é só um: corre. Faz acontecer.
O espaço que se criou permitiu saber muito sobre muitas pessoas. Ouvi pessoas descreverem como criaram estratégias de ir mudando de sítio onde trabalhavam porque a mudança de ares os ajudava – e permitia que fugissem a uma corrente infindável de bolos caseiros, feitos pela mãe. Outras que encontraram novos hobbies, que fizeram a vontade à sua cara metade e deram largas à sua veia de carpinteiro para fazerem aqueles melhoramentos há tanto tempo adiados. Vi de tudo um bocadinho, e certamente vi pouco, mas havia sempre uma força que sentia renovada por partilhar com outros o que se fez, e como cada estratégia ajudou.
A nível pessoal, procurei respostas em rotinas. Uma mudança de casa e (muito) apoio familiar tornaram possível a retomada em força de hábitos como a meditação e o exercício – bom, talvez o exercício com menos força do que devia, considerando os desafios alimentares ao longo de uma pandemia! Ainda assim, e como falava com um amigo há dias, que me dizia que “a meditação não era para ele” por se identificar mais com o exercício físico, o importante é que cada um encontre a sua forma. E que fale sobre ela, que a partilhe e encontre também nos outros uma boa conversa.
Daqui a uns anos vamos olhar para trás e contar várias histórias sobre tudo o que se passou. Vamos chorar quem perdemos e celebrar tudo o que ganhámos. E vamos perceber que, no final de tudo, e apesar de todas as adversidades, ficámos mais fortes. E que para que isso tenha acontecido, foi muito importante termos tido companheiros de viagem com quem vivemos tudo, o bom e o mau. Porque podemos estar distantes, mas certamente não estamos sozinhos.
Sérgio Viana é Partner & Digital Experience Lead na Xpand IT, onde é responsável pela definição da estratégia e oferta da unidade, focada na criação de experiências digitais com uma base tecnológica. É também Board Member da IAMCP Portugal, o capítulo português da associação de Parceiros Microsoft, e docente no MBA de SI na Universidade Lusófona. É um adepto fervoroso do desenvolvimento pessoal e da melhoria contínua e um ávido consumidor de conteúdos relacionados com gestão de equipas e cultura organizacional. Além de tudo isto, é marido e pai de quatro filhas que tornam os dias muito mais cheios e gratificantes.