Opinião

Como uma brincadeira na praia se tornou numa galeria de arte online

Isabel Brazão e Alice Brazão, fundadoras da Akin Gallery

O projeto que começou com uma brincadeira de praia acabou por se transformar numa galeria de arte online, criada por Alice e Isabel Brazão. No Dia Mundial das Artes, conheça a história e o projeto das duas irmãs que querem ter uma galeria de arte disruptiva e adaptada às transformações tecnológicas dos dias de hoje.

“Não somos o site de uma galeria, mas sim uma galeria inteiramente digital”. É assim que Alice e Isabel Brazão posicionam a Akin Gallery, uma start-up que criaram no final do ano passado e que se posiciona como uma galeira de arte disruptiva, que apoia artistas emergentes.

Nascidas numa família desde sempre ligada ao empreendedorismo e com background tecnológico, Alice, 24 anos, licenciada em Gestão Industrial e Logística (e com um Mestrado em International Events Management), e Isabel, 22 anos, licenciada em Audiovisual e Multimédia, com Graduate Diploma em Design Gráfico (e prestes a finalizar um Mestrado em Design), abraçaram com dedicação o desafio de entrarem no mundo empreendedor.

Assumem que nenhuma delas é especialista, nem em cultura nem no digital, mas que estão “sempre dispostas a ouvir os conselhos, a estudar o mercado e a pensar fora da caixa”. Em entrevista a Link To Leaders, Alice e Isabel falam do modelo de negócio da Akin Gallery, do lado social do projeto, das ambições que as movem e de como sendo irmãs, com personalidades diferentes, conseguem conjugar e equilibrar o lado pessoal e profissional. As duas irmãs empreendedoras acreditam que “ter a capacidade de admitir que não se consegue fazer algo sozinho é um passo importante no caminho para o sucesso”.

O que as motivou a lançar a Akin Gallery? O que é exatamente este projeto?
Alice Brazão (A.B.)
: A Akin Gallery é a revolução do conceito tradicional de galeria de arte. Através de visitas virtuais e do aproveitamento de novas ferramentas tecnológicas, como o 3D, tencionamos transformar a convencional visita a uma galeria numa experiência única e inovadora. Daí o nosso propósito: “We are an entirely digital hub where undiscovered creative minds can find, explore and develop their unique artistic expressions”.

Na nossa galeria, as pessoas poderão descobrir mais sobre os artistas, experienciar visitas virtuais às galerias das suas coleções e ainda comprar as respetivas obras de arte. Para além disso, temos também disponível um ponto de contacto para novos artistas proporem coleções e parcerias.

No entanto, a Akin Gallery nem sempre foi uma galeria. A ideia nasceu na praia de Monte Gordo. Um dia, um dos nossos primos estava a desenhar, como ele tem o hábito de fazer, com um estilo artístico muito próprio e invulgar, mas ao mesmo tempo muito atrativo, e meio a sério meio a brincar, alguém sugeriu que dariam ótimas peças de roupa. E de repente, esta brincadeira de praia, revelou-se poder ser na verdade o potencial de um negócio que, de início, se limitaria apenas a imprimir umas t-shirts e sweatshirts com os desenhos dele.

Curiosamente, entre os quatro irmãos (Marta, Alice, Isabel e Luís), primos e amigos conseguimos reunir as diferentes especialidades necessárias à conceção de uma start-up: começámos a avaliar em que condições e sobre que modelo poderia ser um negócio potencialmente rentável. Porém, ao analisarmos o mercado em que nos estávamos a inserir, percebemos que uma loja de roupa não seria algo inovador. Queríamos apoiar artistas emergentes, mas teríamos de descobrir uma outra maneira de o fazer. Sendo assim, chegámos ao que somos hoje: uma galeria de arte disruptiva, adaptada às transformações tecnológicas dos dias de hoje.

Depois, à medida que o projeto se foi desenvolvendo, a equipa foi-se reduzindo, e eu e a Isabel fomos conhecendo cada vez melhor o mercado de galerias de arte e as suas necessidades, tanto a nível nacional como global. Com esse conhecimento, ficamos confiantes que conseguimos contribuir ao lançar esta nova maneira de pensar em galerias e em arte no geral.

“(…) temos a sorte de vir de uma família dedicada ao empreendedorismo e com background tecnológico”.

O investimento é próprio ou tiveram investidores externos?
A.B.:
Felizmente, temos a sorte de vir de uma família dedicada ao empreendedorismo e com background tecnológico. Sempre tivemos um apoio incondicional em todas os nossos projetos, e este não foi exceção. O investimento foi próprio, de família, com a promessa de que, apesar de sermos bastante novas e com pouca experiência no mercado de trabalho, conseguimos desenvolver um projeto bem definido e sustentável, que tem tudo para ter sucesso.

Qual o modelo de negócio do projeto?
A.B:
O nosso modelo de negócio é inovador, sendo que se baseia em introduzir artistas emergentes ao mercado da arte. Não somos o site de uma galeria, mas sim uma galeria inteiramente digital. Somos um espaço que permite visitas virtuais a coleções de artistas ainda por descobrir. Além disso, criamos também uma espécie de hub, onde participamos na curadoria das coleções, e apoiamos os artistas nos seus processos criativos. Queremos dar voz e oportunidade a quem não as tem. O nosso objetivo é quebrar quaisquer barreiras no que toca à criação e consumo de arte: sejam elas temporais, físicas ou financeiras. Queremos, em conjunto com os artistas, ser uma galeria de referência.

Começaram por criar uma linha de roupa, depois conceitualizam uma marca de roupa com designs de diversos artistas, apresentam várias formas de expressão artística… até onde vão os vossos objetivos?
Isabel Brazão (I.B).:
O projeto tem vindo a mudar muito ao longo dos meses. Hoje em dia, olhamos para o que éramos em setembro e o único elemento que permaneceu foi o nome. Passámos de uma pequena coleção de roupa, a uma marca de roupa, e a, finalmente, uma galeria. Os nossos objetivos passam muito por esse processo: o de mudança. O nosso maior propósito é o de sermos capazes de nos adaptarmos ao que a cultura precisa.

Tencionamos impactar e abalar este mercado, que está lentamente a modernizar-se, não só tecnologicamente, mas de uma forma positiva e fora da caixa. Queremos que a arte seja acessível a qualquer hora do dia, em qualquer canto do mundo, e queremos dar a conhecer ao mundo o talento incansável que existe em Portugal. Mas, para além disso, tencionamos ser um apoio incondicional aos artistas que passarão pela Akin Gallery. Hoje em dia, esse apoio reflete-se na criação e venda de coleções das suas peças, assim como na criação de uma experiência inovadora e disruptiva. Quem sabe se, daqui a um tempo, não chegamos à conclusão que o mundo da cultura precisa de algo novo. Nesse caso, vamo-nos adaptar.

Como é que os artistas podem chegar à Akin Gallery e expor as suas propostas?
I.B:
Estaremos abertos a novos artistas, de qualquer canto de Portugal, a qualquer momento. A galeria está adaptada a essa mesma necessidade, com um contact form específico para que os artistas possam propor parcerias e entrar em contacto connosco. A par disto, estamos mais do que disponíveis a que os artistas nos contactem por mensagem privada tanto no Instagram, como no Facebook ou Linkedin.

Acima de tudo, queremos que os artistas façam tag da página da Akin Gallery nas stories, posts, reels, etc, de maneira a que possamos partilhar o seu trabalho, mesmo que estes não façam parte da nossa comunidade – ainda! Ao mesmo tempo, tencionamos também estar constantemente à procura de novas vozes e caras para juntar a esta nova comunidade!

“Queremos eliminar o estigma e as barreiras impostas pela sociedade de que a arte deve ser exclusiva, inatingível e fora do alcance”.

Afirmam que a Akin Gallery tem um caráter social. Em que aspeto?
I.B.: Acreditamos que, quando um artista cria algo, ele faz uma declaração sobre o seu mundo, as suas visões, valores. Faz uma declaração só dele. Independentemente de ser uma declaração política ou social, há sempre uma mensagem a ser transmitida. Nós tencionamos apoiar causas que representem essas mensagens.
Na nossa primeira coleção, por exemplo, o artista é muito vulnerável no que diz respeito à sua saúde mental. É um ponto fulcral da sua coleção: ele fala da sua maneira de lidar com estes problemas complexos e difíceis através dos seus desenhos.

Posto isto, para esta coleção específica vamos apoiar, doando um euro pela venda de cada peça, a uma instituição de apoio à saúde mental, mas na próxima coleção poderá ser uma causa completamente diferente. Os artistas serão os únicos responsáveis por nos guiar na escolha destas causas sociais. Para além disso, queremos tornar a arte e a cultura em algo aberto a todos. Queremos eliminar o estigma e as barreiras impostas pela sociedade de que a arte deve ser exclusiva, inatingível e fora do alcance. Acreditamos que a sociedade floresce mão em mão com a cultura, e queremos tornar esse processo disponível a todos.

Sendo um projeto apenas digital, sem presença física, qual a vossa estratégia de dinamização?
A.B.
: Para nós, começar um projeto inteiramente tecnológico sem utilizar redes sociais não faria muito sentido. Depois de grandes debates sobre quais seriam as redes sociais adequadas, tanto para a Akin Gallery como para os nossos futuros clientes, chegámos à conclusão que, por enquanto, o Instagram, o Facebook e o LinkedIn são os locais onde conseguimos mais facilmente chegar aos mesmos.

Isto porque, ao sermos uma start-up, o nosso objetivo, por enquanto, é o de dinamizar o mais rapidamente possível para conseguirmos formar uma comunidade de espalhar cultura. Porém, mesmo não tendo presença física com espaço para a galeria, acho que não podemos afirmar que nunca a iremos ter. Pois a componente física nunca pode ser retirada da equação totalmente e de uma só vez. Esta inovação requer claro um planeamento estratégico, mas que, por enquanto, vai ter de permanecer surpresa, pois tem de ser maturado.

“(…)Ter a capacidade de admitir que não se consegue fazer algo sozinho é um passo importante no caminho para o sucesso”.

Quais as bases para conjugar eficazmente num projeto cultural e digital?
I.B.:
Uma das práticas mais importantes que sempre fomos incentivadas a ter é a de estar constantemente a aprender com os outros. Nenhuma de nós é especialista, nem em cultura nem no digital. Mas estamos sempre dispostas a ouvir os conselhos, a estudar o mercado e a pensar fora da caixa. Mais do que isso, estamos a aprender também, aos poucos, em como pedir ajuda quando precisamos. Acredito que ter a capacidade de admitir que não se consegue fazer algo sozinho é um passo importante no caminho para o sucesso.

Além disso, principalmente depois de uma pandemia cheia de confinamentos, achamos que é importante referir que a cultura já está pronta para o digital e vice-versa. O que é necessário, neste momento, são novos modelos criados com esse propósito em mente. São plataformas feitas para envolver a criação e o consumo de arte com as novas tecnologias que se vão desenvolvendo ao longo do tempo.

A.B.: Eu aprendi bastante cedo, com os meus pais, que o mundo se desenvolve todos os dias, e todos os dias existem coisas novas que devemos aprender e explorar. Tendo em conta que à nossa volta, entre amigos e família que trabalham no setor da cultura e arte, apercebemo-nos que este estava bastante antiquado. Quando comparamos o desenvolvimento tecnológico mundial que existiu, principalmente como resultado da pandemia, com a maneira que tal desenvolvimento ajudou o setor cultural, os artistas, os jovens, os atores, entre outros, existe aqui um gap. É precisamente a potenciação dos bens materiais que tipicamente constituem a arte, com as técnicas digitais que permitem a sua virtualização e disseminação do que pensamos. Queremos chegar mais longe e mais próximo. Desenvolvendo, assim, uma nova dimensão de viver a arte.

“Aprendi mais, provavelmente, nestes últimos seis meses de lançamento do projeto, do que nos quatro ou cinco anos que estive a estudar”.

Sendo a Alice e Isabel ainda muito jovens, 24 e 22 anos, sem tempo ainda para grandes experiências no mundo laboral, que dificuldades têm sentido neste caminho de empreendedoras?
A.B.: Dificuldades e desafios novos nunca faltam! Todos dias fazemos um ponto de situação de manhã e definimos o que cada uma vai fazer durante o dia, e todos os dias, sem falta, chegamos à hora do almoço e o que foi planeado já deu uma volta de 180 graus. Isto para mim, pessoalmente, foi um dos maiores choques de realidade que tive.

A frase que mais ouvi durante esta fase foi “imprevistos acontecem”. A grande diferença entre a realidade que se aprende de uma forma teórica numa universidade e a dinâmica de mudança constante e a sua necessidade de adaptação é o que faz a grande diferença entre a teoria e a prática. Aprendi mais, provavelmente, nestes últimos seis meses de lançamento do projeto, do que nos quatro ou cinco anos que estive a estudar. A experiência real de estarmos entregues a nós próprias, de sermos responsáveis por todas as decisões tomadas, e todos os dias termos de lutar com os constrangimentos de orçamento e tempo, dão-nos uma capacidade de amadurecimento e de consolidação de conhecimentos que nenhum curso pode transmitir.

“Eu e a Alice somos completamente diferentes. Eu sou procrastinadora, ela planeadora. Eu sou desenrascada, ela é calculada. Tentar balancear estas duas personalidades tão diferentes, num só projeto, acaba por ser bastante exigente”.

I.B.: As dificuldades e desafios são muitos, na verdade. Este conceito de trabalhar por conta própria sempre me interessou bastante. Mas apenas depois de ter começado este caminho na Akin Gallery é que me apercebi o quão desafiante iria ser. Eu e a Alice somos completamente diferentes. Eu sou procrastinadora, ela planeadora. Eu sou desenrascada, ela é calculada. Tentar balancear estas duas personalidades tão diferentes, num só projeto, acaba por ser bastante exigente. Para além disso, criar um projeto de raiz implica um nível de autonomia que, apesar de expectável, me apanhou de surpresa. Lidar com pessoas, imprevistos, empresas, entregas, transportes, materiais e tudo o que fica nas entrelinhas tem sido desafiante, mas, ultimamente, incrivelmente gratificante.

É fácil ser empreendedora conjuntamente com uma irmã? Ou seja, conseguem ter o distanciamento necessário para colocar em primeiro plano a objetividade necessária para o sucesso de um negócio
A.B.:
Este não é o único projeto em que estamos envolvidas. Ter uma família tão ligada à tecnologia torna-se o terreno ideal para se desenvolverem novos projetos. A nossa irmã mais velha, a Marta, por exemplo, que é enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica, lançou, com o nosso apoio, a Gamine.org. Visa prestar apoio na gravidez, puerpério e no bem-estar do recém-nascido. Sempre fomos incentivadas a criar e aproveitar as diferentes skills que cada um de nós tem. No entanto, isso não implica que esse aproveitamento seja um processo fácil.

I.B.: É, na verdade, bastante difícil. Eu e a Alice sempre tivemos uma relação complexa: sempre fomos muito próximas – não só pela idade, mas também pela proximidade que partilhar um quarto traz. No entanto, essa proximidade também resulta em muitos conflitos. Sempre nos foi dito que somos iguais: as duas teimosas, donas da verdade, inteligentes e sem nunca querer ceder na discussão. Isso acabou por criar alguma competitividade entre as duas nos nossos anos formativos. No entanto, hoje em dia, depois de termos ambas vivido no estrangeiro, depois de muita aprendizagem sobre nós próprias, chegámos finalmente a um entendimento.

Hoje a nossa relação é baseada em comunicação e respeito mútuo. Sabemos quando a outra precisa de um intervalo, mas também sabemos quando chamar a atenção por algo mal feito. Esta capacidade de não só expressar o que precisamos, mas também de prever o que a outra precisa acaba por criar um ecossistema que funciona muito bem dentro de uma empresa. Conseguimos depender uma da outra, confiar uma na outra e ser capazes de debater e chegar a compromissos que beneficiem a Galeria. E acima de tudo, ambas acreditamos no sucesso que este projeto vai trazer.

Quais os principais desafios que enfrentam atualmente?
I.B.:
Com a aproximação do lançamento do projeto, gerir com serenidade o urgente sem esquecer o importante tem-se vindo a tornar um dos nossos maiores desafios. Nesta reta final, por mais que tentemos planear os nossos dias e criar um plano de ação, surpresas e imprevistos continuam a aparecer.

“Esperamos que este novo modelo de galeria permita que Portugal seja reconhecido por proporcionar a artistas nacionais uma plataforma que os projete internacionalmente”.

Que planos têm para a Akin Gallery para este ano? Novas funcionalidades da plataforma, novas áreas de intervenção, captar investidores…?
A.B.
: Este ano e todos os que se seguirão, os nossos planos passam por tornar a Akin Gallery numa galeria de referência. Queremos que este projeto seja revolucionário e o exemplo a seguir. Um dos nossos focos é o de garantir que artistas emergentes portugueses ganhem voz, não só em termos nacionais como internacionais. Esperamos que este novo modelo de galeria permita que Portugal seja reconhecido por proporcionar a artistas nacionais uma plataforma que os projete internacionalmente. Para além disso, queremos também conseguir quebrar as barreiras e estigmas que impedem tanta gente de participar no mercado artístico.

O futuro das atividades criativas como a vossa passa por este tipo de projetos?
I.B.:
É inevitável que a digitalização da sociedade terá uma forte influência em todas as suas vertentes artísticas e não só. Sentimos que o analógico e tradicional têm um valor cultural inconcebível. No entanto, para garantir a sua sobrevivência no mundo digital de hoje em dia, é necessário adaptar, inovar e conjugar. Guiamo-nos muito por uma frase, que achamos que se alinha inteiramente com os nossos valores: “The digital space has become a space where culture is made” – Sophie Perceval. É necessário uma reestruturação do que conhecemos como espaço cultural.

Respostas Rápidas
O maior risco: Que o mercado não esteja preparado para este modelo de negócios.
O maior erro: Queremos fazer tudo só nós.
A maior lição: Que, no contexto empresarial, ter soft skills é tão ou mais importante que ter as hard skills que aprendemos na faculdade.
A maior conquista: Ver todo o nosso esforço a tornar-se realidade, no dia do nosso lançamento.

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