Opinião
Cambridge Analytica: a Ponta do Icebergue

No artigo anterior escrevi sobre, adivinhem só… Capitalismo dos dados. E na última semana não se falou de outra coisa. Ao contrário do que possam pensar, não sou adivinho.
Este caso específico foi uma mera coincidência. No entanto, o estudo deste tema que me levou a escrever o artigo, já tem alguns anos. Algum trabalho de monitorização, recolha e análise de dados sobre determinado tópico, leva a que se identifiquem tendências e se consiga prever o que vai acontecer com uma maior probabilidade. A isto chama-se Competitive Intelligence (CI) e permite-nos estar a par do que se passa no nosso ambiente competitivo para melhor nos adaptarmos a ele.
O tema do nem sequer é novo. Já tinha havido um artigo igualmente relevante sobre o em maio de 2017. Mas desta vez teve contornos de novela mexicana, com um whisteblower de cabelo cor-de-rosa. O ponto principal é que…
… isto é apenas a Ponta do Icebergue.
O “Princípio de Icebergue” afirma que em muitos casos, se não mesmo na maioria, apenas uma pequena parte da informação sobre a situação ou fenómeno é visível ou está disponível. A isto chama-se a Ponta do Icebergue. A informação que verdadeiramente interessa, ou está escondida, ou não é possível ter-lhe acesso. São várias as hipóteses, para não lhes chamar insights, que podemos retirar da Ponta do Icebergue:
1. Se a Cambridge Analytica é apenas a Ponta do Icebergue… quem, o quê e quais são as organizações que estão por identificar nesta situação?
2. Se esta é apenas a Ponta do Icebergue onde o Facebook permitiu o uso dos dados dos seus usuários por terceiros, quer seja para investigação, quer seja para uso comercial… em que outras situações e com que objetivos foram disponibilizados?
3. Se o Facebook é apenas a Ponta do Icebergue no que toca a plataformas que têm uma quantidade enorme de dados sobre o nosso comportamento… então e a Apple, a Amazon, o Google e a Microsoft, o que fazem com os nossos dados?
4. Se as saídas anunciadas do Chief Security Officer (CSO) do Facebook, do CISO (Informação e Segurança) e do Diretor de Information Security do Twitter é a Ponta do Icebergue… quais serão, e por que razão, vão sair outros CSOs das suas empresas?
5. Se uma empresa privada conseguir realizar PsyOps – operações planeadas para transmitir informação e indicadores selecionados a uma determinada audiência com o objetivo de influenciar as suas emoções, motivos e pensamento objetivo, em última instância, o comportamento de Governos, organizações, grupos e indivíduos – com informação do Facebook, é a Ponta do Icebergue… imagine-se o que se consegue se tiverem acesso a informação ainda mais relevante como os nossos dados médicos ou as nossas contas bancárias?
6. Se as eleições dos EUA em 2016 são apenas a Ponta do Icebergue… será que conseguiram fazer funcionar um projeto destes à primeira vez? Em que outras eleições, anteriores ou posteriores foram utilizados estes métodos?
Todos apontam o dedo à Cambridge Analytica e ao Facebook em busca do bode expiatório.
Parece-me, no entanto, que a “culpa” disto tudo, é mesmo de todos nós…
Alguém confia em almoços grátis? Então porque haveria o Facebook de nos “dar” uma plataforma para socializarmos, sem receber nada em troca? Atenção que não estou a legitimar a situação, apenas a alertar para o facto de que…
…sem os nossos dados, o Facebook não existiria.
E sem o aval dos Governos também não. Veja-se o caso da China. Parece-me, assim, que estamos perante um ponto de inflexão estratégico na relação dos Governos, das empresas e de todos nós com a tecnologia e as grandes empresas tecnológicas, e isso vai marcar a agenda nos próximos anos.
O que podemos nós fazer? O que sempre pudemos, mas que raramente fazemos.
Usar o pensamento crítico!
Analisar e avaliar objetivamente um problema ou questão para formar um julgamento o mais correto possível sobre o mesmo. De uma forma geral…
…a ética, o pensamento crítico e uma cultura de informações serão as traves mestras da resolução de todo este problema que é a gestão e o negócio na atualidade.
E não adianta entrar em histerismos sobre a tecnologia, ou o que fazem com os nossos dados. Qualquer tecnologia tem sempre um lado bom e um lado mau. A tecnologia sempre foi, e sempre será, parte da forma como evolui a humanidade. Vale a pena refletir no seguinte:
“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” – Fernando Pessoa
A grande questão vai ser o que vamos fazer com todos estes ensinamentos.