Opinião

Bilhete? Só na internet…

Rosário Pinto Correia, Católica Lisbon School of Business and Economics

Isto é a resposta que os habitantes de muitas das cidades deste país ouvem quando querem comprar um bilhete. Não, não é para a ópera, nem para um concerto de rock ou de rapp, nem para o futebol! Porque esses todos têm bilheteiras. É para comprar um bilhete de autocarro!

Sim, de autocarro! Para irem do sítio onde vivem para o sítio onde precisam de ir. Visitar família ou amigos, trabalhar, médico, advogado, notário, tratar de assuntos pessoais, de família ou profissionais. Critérios de racionalização de custos, de gestão de recursos e outros que tais determinaram que as bilheteiras em muitas das cidades (isso, cidades…!) de Portugal fossem encerradas. E que quem quer apanhar um autocarro (muitas vezes a única forma de se deslocar) tem de comprar o bilhete online e pagar por meios digitais.

Para não faltar à verdade, há uma alternativa – telefonar e receber códigos para fazer o pagamento multibanco do bilhete no email… fácil e simples também!

Estamos em 2021.O processo de digitalização começou há pouco…
Alguém acredita que toda a população desta pais é digitalmente proficiente? Que todos têm computador, internet e a capacidade de nela navegar sem se perder? Será possível que pensem que não há cidadãos sem capacidade para fazer pagamentos por meios digitais? E que somos uma população 100% capaz no mundo digital?

Como se isto não chegasse, e mesmo que fossemos todos capazes de fazer compras online ou no processo telefone / mail / multibanco, esta compra tem de ser feita com antecedência! Ou seja, não pode haver urgências, não pode haver distrações, não podemos falhar no planeamento das nossas viagens, porque se em cima da hora precisarmos de nos deslocar, nada há a fazer

De facto, tudo isto não é bem assim. Há formas “simples” de resolver o problema, tanto da complicação como da antecedência da compra! O motorista da camionete pode aceitar dar boleia até à próxima localidade onde haja uma bilheteira aberta, para que aí possa comprar o seu bilhete. Uma coisa que o motorista não pode fazer, mas que se for simpático até faz!

Ou, em alternativa, arranjar forma de ir ao povoado mais próximo onde haja uma bilheteira e aí comprar o seu bilhete. Só tem de arranjar forma de lá chegar!

Assusta este esquecimento das pessoas a que a racionalidade económica obriga. Esta é a historia das camionetes, mas quantas mais haverá que se lhe assemelham?

Pessoas sentadas em salas com ar condicionado, com internet e computadores a funcionar sem falhas, usam folhas de Excel bem estruturadas e construídas e dados confirmados e verdadeiros para tomar decisões economicamente corretas.

E não estarão erradas! É esse o seu papel, é para isso que são pagas pelas empresas que as contratam.
E as empresas também estarão certas. Existem para dar rentabilidade a quem nelas investiu, rentabilidade que decorre destas decisões tomadas em cima das folhas de Excel. Mas o facto destas decisões impedirem as pessoas de se deslocar para chegar onde e quando precisam, não pode ser ignorado! Nem por quem prepara as decisões, nem por quem as toma, nem pelo Estado de direito em que vivemos.

A noção de prestação social a que alguns serviços deveriam ser obrigados está esquecida? Não haverá forma de alterar esta realidade? Será possível equacionar a venda de bilhetes pelo motorista, na tabacaria mais próxima da estação ou até num café próximo?

Com alguma imaginação tem de ser possível uma solução. Mas tem de ser procurada!

Nota
Este texto foi escrito com base numa experiência real e nas informações que foram recolhidas ao telefone e na própria estação de camionetes. Apresentamos desde já as nossas desculpas se nela houver alguma imprecisão. Mas a dificuldade do processo foi confirmada por várias pessoas que vivem nestas cidades onde deixou de se podem comprar bilhete na estação das camionetes.

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Maria do Rosário Pinto Correia

Maria do Rosário Pinto Correia

Maria do Rosário Pinto Correia é Founder e CEO da Experienced Management e regente da disciplina de Marketing in The New Era (licenciatura em Business Management) na CLSBE. Coordena, ainda, três programas de Executive Education - PGV - Programa de Gestão de Vendas, EI - Estratégias de Internacionalização e CE – Comunicação Estratégica, e é responsável pelo desenvolvimento de atividades da Executive Education da CATÓLICA-LISBON no Brasil e na Ásia. Licenciada em Ciências Económicas e Empresariais pela Universidade Católica Portuguesa,... Ler Mais..

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