Opinião

Aprendizagens reais na construção de uma start-up num setor incerto

João Augusto Teixeira, Chief Compliance Officer da Bit2Me

Começar uma start-up num setor tradicional já é desafiador. Fazer isso num setor novo, ainda em construção – como o das criptomoedas – exige não apenas coragem, mas convicção. Convicção de que vale a pena enfrentar a ausência de regras claras, a desconfiança do mercado e os altos riscos operacionais. Essa foi a realidade que vivi nos últimos anos.

Entendemos rapidamente que ter um bom produto ou uma ideia inovadora não bastava. Era preciso lidar com algo mais profundo: a construção de confiança num cenário de incertezas.

Fundamentos silenciosos de uma start-up sólida

Pouco se fala sobre os pilares invisíveis de uma start-up que sobrevive: ética, paciência e capacidade de escutar antes de escalar. Muitas vezes, a pressa por crescer atropela a consistência. E foi justamente quando paramos para entender o que estávamos a construir – e para quem – que conseguimos dar os passos mais firmes.

Não fomos pelo caminho mais fácil. Decidimos internalizar responsabilidades, encarar auditorias voluntárias, formar uma equipa técnico-jurídico robusta e criar processos que fossem sustentáveis a longo prazo. Isso, muitas vezes, significava abrir mão de atalhos e de crescimento imediato. Mas hoje, olhando para trás, vejo que isso nos deu um diferencial mais importante do que qualquer campanha de marketing: resiliência operacional e reputacional.

Crescer num mercado que muda todos os dias

Lidar com clientes num mercado com mudanças regulatórias, volatilidade de ativos e pouca clareza institucional exige sensibilidade. O utilizador não quer apenas uma solução, quer sentir-se seguro. Isso só acontece quando a empresa tem coragem de comunicar com honestidade, inclusive reconhecendo os riscos.

Aprendi que o crescimento mais duradouro vem de uma base que confia. Essa confiança constrói-se em pequenos gestos: responder a um e-mail com atenção, assumir um erro antes que ele se torne público ou, simplesmente, manter uma postura transparente mesmo quando não se tem todas as respostas.

Uma marca constrói-se com coerência, não com slogans

Ninguém constrói uma reputação duradoura com promessas. A credibilidade nasce da coerência entre o discurso e a prática, entre os valores declarados e as decisões do dia a dia. Já vi empresas prometerem descentralização e operarem com opacidade total. Outras, defenderem a liberdade e agirem com autoritarismo interno.

Se há um conselho que deixo, é este: os valores da empresa não podem estar na parede, precisam estar nas escolhas reais. Inclusive naquelas difíceis.

Conselhos para quem está a dar os primeiros passos

Para quem está no início da jornada, partilho alguns conselhos práticos, não de um manual, mas da experiência real:

  • Cuide da estrutura interna desde o início. Não espere crescer para se preocupar com controlos, processos ou responsabilidades legais. Quando eles fazem falta, já é tarde.
  • Saiba dizer “não”. Algumas parcerias e oportunidades podem parecer irresistíveis, mas podem comprometer a cultura e os princípios da empresa.
  • Ouça mais do que fala. O mercado, os clientes, os próprios colaboradores, todos dão sinais. Ignorar isso custa caro.
  • Aceite que o erro faz parte. Mas aprenda rápido. E assuma a responsabilidade sem terceirizar a culpa.
  • Lembre-se porque começou. Ter um propósito é o que ajuda a atravessar os dias em que tudo parece ruir.

Construir uma start-up sólida não é uma linha reta. É uma sucessão de decisões difíceis, noites mal dormidas e recomeços. Mas também é uma oportunidade única de fazer parte da transformação real de um setor. E isso, por si só, já vale o caminho.

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