Entrevista/ “A propriedade industrial também constitui um importante ativo económico”
“Muitas empresas e empreendedores perdem os seus direitos de exclusividade sobre um sinal, um produto ou uma invenção devido à falta de proteção dos mesmos”. A afirmação é de Luís Caixinhas, agente oficial da propriedade industrial e mandatário europeu de marcas e desenhos ou modelos na Inventa International, que em entrevista ao Link To Leaders explicou a importância dos registos e como o novo Fundo de apoio às PME pode facilitar o processo.
O Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) e a Comissão Europeia uniram esforços para lançar um Fundo de apoio às pequenas e médias empresas (PME) com o propósito de financiar registos, marcas, desenhos ou modelos em Portugal e em qualquer país da União Europeia. Luís Caixinhas, agente oficial da propriedade industrial e mandatário europeu de marcas e desenhos ou modelos na Inventa International, uma empresa especializada em consultoria de propriedade intelectual, explicou ao Link To Leaders a a necessidade das empresas registarem as suas marcas, desenhos ou modelos, que considera como importantes ativos económicos.
Em que consiste o novo Fundo europeu lançado pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia e pela Comissão Europeia?
Este Fundo consiste num apoio financeiro para as PME sediadas na União Europeia registarem as marcas e/ou desenhos ou modelos (proteção do design de produtos) em Portugal e na União Europeia.
O que motivou a sua criação?
Foi criado pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (IPIUE) e pela Comissão Europeia e teve como motivação combater o impacto negativo causado pela pandemia de Covid-19 nas PME europeias.
De que forma o Fundo vai apoiar as empresas? Como será feita a seleção dos projetos apoiados?
O Fundo vai apoiar as empresas através do apoio financeiro direto sob a forma de vales de reembolsos de 50% das despesas feitas com a apresentação de um ou mais pedidos de registo de marcas e desenhos ou modelos (taxas bases dos pedidos) e aplica-se a nível nacional através dos Institutos de cada país. Em Portugal, com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A nível regional, através do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (IPIUE) até ao montante máximo de 1.500,00 € por PME.
As próximas candidaturas irão decorrer de 1 a 31 de março de 2021. Posteriormente, estão previstas mais três fases para a apresentação de candidaturas: 1 a 31 de maio de 2021; 1 a 31 de julho de 2021; e de 1 a 30 de setembro de 2021. Por outro lado, as subvenções serão concedidas por ordem de chegada, pelo que é recomendado que os candidatos não esperem até ao último minuto para enviarem o formulário.
Como funciona o processo?
O processo de candidatura ao Fundo, que é efetuado online e sujeito à aprovação das informações e da documentação apresentadas, terá de ser concretizado no prazo de um mês, sendo que os beneficiários serão notificados por correio eletrónico. No caso de a candidatura de uma PME ser aceite numa determinada fase e a mesma pretender candidatar-se a uma fase subsequente, não poderá fazê-lo novamente, uma vez que não é permitido que a mesma PME solicite o reembolso duas vezes.
Antes da apresentação da respetiva candidatura ao Fundo, como forma de acautelar a concessão dos respetivos pedidos de registo de marcas na UE ou em Portugal e, consequentemente, de evitar gastos desnecessários em pedidos de registo, é sempre aconselhável que sejam realizadas pesquisas de marcas em Portugal, na União Europeia e em cada um dos países, à data, vinte sete Estados-membros da União.
Para além dos já citados gastos desnecessários em pedidos de registo, as pesquisas de marcas vão também garantir que uma PME não desperdice a única candidatura que seja aceite e à qual se pode candidatar. Deste modo, no caso de uma candidatura ser aceite para o registo de uma determinada marca e, consequentemente, seja recusado o respetivo pedido de registo de marca, a PME não pode apresentar uma nova candidatura para o registo de outra marca.
O Fundo começa com um valor de 20 milhões de euros. Prevê-se que esse montante aumente nos próximos anos?
Não está previsto que o montante de 20 milhões de euros aumente.
“Um dos fatores mais importantes para o crescimento das empresas/ empreendedores passa pelo desenvolvimento de marcas distintivas, de produtos diferenciadores (…).
Qual a importância do registo de marcas, desenhos ou modelos?
Um dos fatores mais importantes para o crescimento das empresas e dos empreendedores passa pelo desenvolvimento de marcas distintivas, de produtos diferenciadores, os quais têm de ser devidamente protegidos através dos respetivos mecanismos legais de proteção como é o caso, entre outros, do registo de marca, do registo de desenhos ou modelos e das patentes (proteção das invenções técnicas).
A falta de proteção dessas marcas distintivas, dessas embalagens diferenciadoras e desses novos produtos ou processos, pode levar a que os seus criadores e/ou titulares percam a exclusividade sobre os mesmos e, deste modo, estejam impossibilitados de impedirem a sua exploração indevida por terceiros.
A proteção de um sinal, da aparência de um produto e/ou de uma invenção através de uma das citadas modalidades da propriedade industrial (PI) confere ao seu titular um direito de impedir que terceiros, sem o seu consentimento, explorem economicamente a marca, o desenho ou modelo ou a invenção. É assim concedido um monopólio exclusivo que visa não só proteger o titular, mas também a sã concorrência entre empresas ou particulares.
Os registos de desenhos ou modelos e as patentes, que também constituem mecanismos legais de proteção pela atribuição de direitos privativos, comparativamente com as marcas, apresentam um menor número de pedidos.
“(…) um direito de PI também constitui um importante ativo económico de uma empresa ou de um particular (…)”.
Como é que esta vertente deveria ser encarada pelos empresários/empreendedores?
A proteção de uma invenção através de uma patente vai conferir ao empresário/ empreendedor um direito para impedir terceiros de explorar a sua invenção sem o seu respetivo consentimento. A transação total ou parcial de uma patente de invenção constitui uma das formas mais seguras de transferência de uma determinada invenção em quaisquer domínios da tecnologia, evitando que terceiros se apropriem indevidamente da mesma. Por outro lado, uma patente de invenção também constitui uma mais-valia para quem adquire uma determinada invenção em quaisquer domínios da tecnologia, devido ao facto de ter uma presunção emitida por um instituto de um país ou de uma região sobre a efetiva novidade da invenção. Atualmente, diversos desses citados institutos têm propositadamente taxas oficiais mais reduzidas para fomentar o aumento do número de pedidos de patentes requeridos por empreendedores.
Para além da proteção conferida por uma das modalidades da propriedade industrial (PI) um direito de propriedade industrial também constitui um importante ativo económico de uma empresa ou de um particular, na medida em que pode ser transacionado, seja através da concessão de licenças, sujeita ao pagamento de royalties, seja através da transferência do ativo.
Muitas empresas e empreendedores perdem os seus direitos de exclusividade sobre um sinal, um produto e ou uma invenção, devido à falta de proteção dos mesmos.
Deste modo, os empresários/empreendedores deveriam encarar a proteção dos ativos de PI como prioritária não só pela efetiva proteção dos respetivos direitos de PI, mas também pela possibilidade de poderem transacionar os mesmos.
Na sua opinião, quais as principais lacunas na proteção da propriedade intelectual das empresas?
As principais lacunas na proteção da propriedade intelectual das empresas estão relacionadas com a falta de um planeamento e gestão estratégica para a proteção dos ativos de PI, respetivamente marcas, desenhos ou modelos e patentes.
De que forma as novas tecnologias podem ser uma ferramenta fundamental no processo de registo (de marcas)?
As novas tecnologias são atualmente indispensáveis para o sucesso dos pedidos de registo de marcas, como é o caso, entre outros, do acesso online às bases de dados de marcas dos respetivos Institutos de PI das diferentes jurisdições. Como referi anteriormente, as pesquisas de marcas são indispensáveis para identificar marcas iguais ou semelhantes e, deste modo, estimar as probabilidades da concessão dos pedidos de registos de marcas.
A título meramente exemplificativo, antes da apresentação de um pedido de registo de marca da União Europeia, é possível realizar uma pesquisa nas bases de dados de marcas do INPI, da União Europeia, bem como dos outros respetivos Institutos dos restantes 26 Estados-membros para identificar se existem marcas registadas iguais ou semelhantes à marca a registar.
Como se protegem as marcas online onde a velocidade a que a informação se propaga é muito veloz?
O acesso online às bases de dados de marcas dos respetivos Institutos de PI das diferentes jurisdições vai também permitir que os titulares de marcas possam fazer a vigilância online das suas marcas registadas. Deste modo, o acesso em tempo real das publicações dos pedidos de registo de marcas vai permitir aos titulares de marcas registadas apresentarem dentro dos períodos previstos para o efeito as devidas oposições aos pedidos de registo de marcas iguais ou semelhantes às suas marcas registadas.
O acesso online também vai permitir aos titulares de marcas registadas vigiarem se as mesmas estão a ser indevidamente usadas por terceiros. Através da vigilância em sites e redes sociais, os titulares de marcas registadas podem verificar se as mesmas estão a ser eventualmente infringidas por terceiros.
“As empresas e as start-ups, caso seja possível, devem proteger os seus produtos através das diferentes modalidades da propriedade industrial (…)”.
Como podem as empresas, e em particular as start-ups, proteger a sua propriedade intelectual? Que aspetos não devem descurar?
As empresas e as start-ups, caso seja possível, devem proteger os seus produtos através das diferentes modalidades da propriedade industrial, concretamente marcas, desenhos ou modelos e patentes.
As marcas, designs (desenhos ou modelos) ou invenções constituem um importante ativo para as empresas e start-ups. Contudo, a única forma de terem exclusividade sobre o mesmo, é, inevitavelmente, pela sua proteção ao nível da propriedade industrial. Um registo de uma marca confere ao seu titular uma presunção de que não irá, indevidamente e, em alguns casos, também involuntariamente, colidir com outra marca igual ou semelhante anteriormente registada.
As divulgações de um produto, como é o caso, entre outras, das apresentações realizadas em seminários, redes sociais, papers científicos, por parte das empresas e das start-ups, podem impedir que sejam concedidos os respetivos registos de desenhos ou modelos e as respetivas patentes. Deste modo, antes da divulgação as empresas e as start-ups não devem descurar a proteção das respetivas marcas, desenhos ou modelos e patentes.
“(…) as PME nacionais devem delinear uma estratégia de proteção dos produtos tendo em conta os países onde pretendem comercializar, produzir ou desenvolver os seus produtos e serviços”.
Numa altura em que a globalização de produtos, serviços e ideias é uma realidade, que sugestões pode deixar às PME nacionais para no futuro protegerem os seus direitos nesta matéria?
Muitas marcas nacionais registadas, são indevidamente registadas por terceiros em diversos países estrangeiros, não permitindo que os respetivos titulares dessas marcas nacionais possam registar e comercializar as mesmas nesses respetivos países. O registo das marcas nacionais por parte de requerentes estrangeiros, pode impedir os respetivos titulares das marcas nacionais de registarem, de produzirem e de comercializarem os seus respetivos produtos nos respetivos países estrangeiros.
Tendo em consideração a globalização e a exportação, as PME nacionais devem delinear uma estratégia de proteção dos produtos tendo em conta os países onde pretendem comercializar, produzir ou desenvolver os seus produtos e serviços.
Os direitos de PI têm uma proteção de âmbito territorial: a proteção só irá vigorar para os países onde o direito for protegido. Este princípio da territorialidade é hoje atenuado por diversos acordos regionais, onde um único registo será válido numa região que engloba diversos Estados, como é o caso da marca e do desenho ou modelo na União Europeia, ou através de convenções internacionais que facilitam, em grande medida, o registo em diversos territórios, como acontece no pedido de registo internacional de marcas ou de desenhos ou modelos ou, no caso das invenções, no pedido internacional de patentes.
* Agente oficial da propriedade industrial e mandatário europeu de marcas e desenhos ou modelos na Inventa International.








