Entrevista/ “A IA deve servir para aumentar a dignidade humana, gerar valor económico sustentável e respeitar princípios éticos e democráticos”

Bruno Tavares, Chief Technology Officer da Devoteam Portugal

“O impacto que gostaríamos que o Fusion 2025 tivesse é o de elevar a qualidade do debate público sobre Inteligência Artificial em Portugal”, afirma Bruno Tavares, Chief Technology Officer da Devoteam Portugal, empresa responsável pela realização da conferência que se realiza dia 18, em Lisboa.

A primeira edição do Fusion 2025 realiza-se quinta-feira, no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, e vai reunir especialistas da cultura, da tecnologia, da banca, da energia e da administração pública para discutir os dilemas, as oportunidades e os limites da Inteligência Artificial.

Com um painel de oradores que cruza tecnologia, ciência, cultura e ética, a conferência promete redefinir o papel da Inteligência Artificial na sociedade, e por isso quer discutir de forma séria e profunda o impacto da IA na sociedade, desde a forma como trabalhamos e consumimos, até às questões éticas, culturais e de cidadania que moldarão o nosso futuro coletivo.

Em entrevista ao Link to Leaders, Bruno Tavares, Chief Technology Officer da Devoteam Portugal, fala dos objetivos e do impacto que espera que a iniciativa tenha na comunidade tecnológica nacional e na sociedade.

O que é exatamente o Fusion 2025? E qual propósito desta primeira edição do evento?

O Fusion 2025 é uma conferência organizada pela Devoteam Portugal dedicada à tecnologia. Esta primeira edição, em particular, será sobre Inteligência Artificial e tem como objetivo ser um ponto de encontro entre vários polos aparentemente antagónicos, como a indústria, a academia, os decisores políticos e a sociedade civil.

O propósito é simples e ambicioso: encurtar o espaço entre o hype e o medo, e criar um espaço de discussão informada, com casos concretos, evidências e ética. Queremos apoiar a adoção responsável da IA nas organizações portuguesas com benefícios mensuráveis para os negócios e para as pessoas.

Quais os temas centrais em discussão?

Esta primeira edição está estruturada em torno de quatro grandes eixos – Humanidade e Tecnologia, Utopia e Pragmatismo, Ética e Inovação e Academia e Indústria.

Teremos um painel dedicado ao tema “Humanidade e Tecnologia” que abordará como a tecnologia está a transformar fundamentalmente a sociedade, o tecido empresarial e os modelos de liderança, e de que forma é possível colocar a inovação ao serviço das pessoas. Haverá também um painel sobre “Ética e Inovação”, onde o debate incidirá sobre temas como a proteção de dados, a transparência dos algoritmos e a responsabilidade de empresas e developers no desenvolvimento de soluções que mantenham no seu centro os princípios éticos.

Outro painel em destaque será “Utopia e Pragmatismo”, que explorará as visões frequentemente utópicas da IA em contraste com as realidades da sua aplicação empresarial e como medir o seu impacto e retorno. Por fim, o painel “Academia e Indústria” servirá como uma ponte entre os avanços teóricos na academia e as aplicações práticas na indústria. Será explorado como os esforços colaborativos entre universidades, instituições de pesquisa e empresas podem acelerar o ciclo de inovação para a IA em Portugal, promovendo um ecossistema vibrante e impulsionando o progresso tecnológico.

Tratando-se de uma conferência centrada na Inteligência Artificial, o que é que o Fusion espera trazer de know how para o mercado?

O Fusion é mais do que um palco de reflexão, é um espaço de partilha e uma mostra de casos práticos. O nosso objetivo é que quem participe possa sair com um know-how útil para aplicar nas suas organizações já no dia seguinte. Neste sentido, diria que há três grandes entregáveis concretos.

Em primeiro lugar, boas práticas que podem ser aplicadas de imediato, através da apresentação de vários casos de sucesso de empresas que já estão a utilizar Inteligência Artificial de diferentes formas, com o intuito de inspirar outras a seguir o mesmo caminho. Em segundo lugar, casos de uso com retorno comprovado, que ilustram ganhos reais em produtividade, qualidade e time-to-value, explicando também os fatores que permitiram tornar esses resultados sustentáveis. Por fim, a capacitação das equipas, reconhecendo que a adoção da IA não é apenas tecnológica, mas também organizacional, e destacar as competências críticas que tanto os perfis técnicos como os de negócio devem desenvolver para liderar esta transformação.

“A Inteligência Artificial não é apenas um tema tecnológico. É um tema de impacto sistémico”.

De que forma a diversidade de oradores do Fusion e as diferentes áreas de atuação – tecnologia, ciência, cultura e ética – pode ajudar a olhar para a IA de uma forma mais holística?

A Inteligência Artificial não é apenas um tema tecnológico. É um tema de impacto sistémico. Em especial, a chegada da IA Generativa trouxe uma adoção muito grande e rápida por parte de toda a sociedade, e sem que as várias implicações da mesma sejam claras para todos os utilizadores.

Por isso, a diversidade de oradores no Fusion não é um detalhe, é uma necessidade. Ao juntarmos especialistas de áreas tão distintas como tecnologia, ciência, cultura e ética, conseguimos alargar o campo de visão para uma reflexão mais ampla que inclui impacto social, cultural e económico; conseguimos ter uma diversidade de perspetivas que nos ajuda a identificar riscos e dilemas antes de escalar soluções e aumentar a adoção responsável da IA. Quando as soluções são tecnicamente sólidas, socialmente aceitáveis e economicamente viáveis, geram mais confiança e, por isso, mais tração junto de empresas, reguladores e cidadãos.

Quais os principais dilemas e oportunidades da IA neste momento?

A IA abre oportunidades únicas: ganhos claros de produtividade, experiências de cliente mais ricas, aceleração de I&D, modernização dos serviços públicos e até novas categorias de produto. A grande questão é como gerimos os riscos sem travar a inovação.

Contudo, ao mesmo tempo, também existem dilemas importantes: da privacidade vs personalização, à velocidade de inovação vs governação, passando pela automação vs requalificação e pelos desafios da propriedade intelectual e do enviesamento algorítmico.

E quais os limites da Inteligência Artificial, na sua opinião?

Embora a IA Generativa tenha tido um salto considerável na interface com as pessoas e possa muitas vezes parecer que consegue pensar e decidir autonomamente, na realidade é ainda o que consideramos, como toda a inteligência artificial que temos disponível hoje, o que designamos por “Narrow AI”. Portanto, temos inteligência artificial disponível para uma utilização em domínios e tarefas específicas, por mais complexas que pareçam, como é o caso da geração de conteúdo.

Esta especificidade vem maioritariamente de reconhecimento de padrões em dados históricos, o que traz um limite ao que podemos modelar e aos ‘bias’ que podem estar contidos nestes dados. Por último, o custo computacional (e implicitamente energético) de treinar estes modelos é também muito alto e limita a democratização dos modelos mais complexos. Ou seja, atualmente, temos soluções que nos complementam e apoiam em domínios particulares, mas ainda não temos a capacidade de ter sistemas e modelos globais e autónomos.

Para onde caminha a IA, quais as tendências que se podem perspetivar com o conhecimento que temos nesta altura?

Embora seja muito complexo fazer projeções para lá do médio prazo, dada a velocidade de evolução deste espaço, temos algumas tendências gerais que começam a aparecer. Vamos passar de simples copilotos para agentes capazes de executar fluxos ponta-a-ponta com supervisão humana, especialmente em todos os processos críticos que precisem de escala, disponibilidade contínua ou velocidade. Veremos também, à medida que os casos específicos e mais verticais de utilização forem ganhando maturidade, modelos e soluções cada vez mais especializadas.

Com o crescimento destas soluções em processos de negócio e principalmente nos processos com interface com utilizadores, a literacia em IA vai ser uma competência que se vai tornar global. O que ainda é muito difícil de perceber é a que velocidade – e a que extremo – essas tendências se vão instalar.

“A recetividade da IA em Portugal (…) é positiva e a adoção cresce em vários setores”.

Na sua opinião, como está a ser a recetividade da sociedade portuguesa (empresas, consumidores, etc..), a esta tecnologia? Estarão a usá-la de forma eficaz, ou aquém das expetativas?

A recetividade da IA em Portugal, como no resto do mundo, é positiva e a adoção cresce em vários setores. Mas ainda existem dois grandes desafios: dados e processos pouco preparados, e a velocidade da mudança organizacional, que nem sempre acompanha a tecnologia. Onde há investimento, casos de uso bem definidos e equipas multidisciplinares, já vemos resultados consistentes e escaláveis e é exatamente esse o caminho que queremos reforçar.

Que impacto gostaria que o Fusion 2025 tivesse no debate público sobre a forma como IA está a moldar a sociedade, desde a forma como trabalhamos e consumimos, até às questões éticas, culturais e de cidadania?

O impacto que gostaríamos que o Fusion 2025 tivesse é o de elevar a qualidade do debate público sobre Inteligência Artificial em Portugal. Queremos contribuir para aprofundar o debate e fomentar uma discussão baseada nas evidências e experiência prática e que permita avaliar este tema para lá do hype.

Paralelamente, queremos estimular a ação informada. Isto é, a ambição é que cada participante saia do Fusion não apenas com inspiração, mas com dois ou três casos concretos que possa aplicar na sua organização – seja em governação, em casos de uso ou em capacitação de equipas.

Acreditamos que a IA deve servir para aumentar a dignidade humana, gerar valor económico sustentável, e respeitar princípios éticos e democráticos. Esta visão é central para nós e queremos que o Fusion seja um catalisador desse compromisso coletivo.

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