Entrevista/ “A inovação está a deixar de ser periférica para ser o centro da estratégia das empresas”

António Valente, Country Manager da Ayming em Portugal

“Faltam-nos perfis altamente especializados em inteligência artificial, cibersegurança e engenharia de dados, mas também competências de gestão de inovação, capazes de transformar boas ideias em projetos de valor”, afirma António Valente, Country Manager da Ayming em Portugal.

A inovação deixou de ser apenas um motor de crescimento para se tornar numa questão de segurança nacional. A 7.ª edição do Barómetro Internacional da Inovação 2026, da Ayming, mostra que, em todo o mundo, as empresas estão a integrar a proteção de cadeias de abastecimento e a gestão de riscos geopolíticos nas suas estratégias de inovação. Ao mesmo tempo, 96% das empresas já possuem equipas dedicadas à inovação, embora a escassez de talento continue a ser o maior obstáculo — em Portugal, 41% das empresas identificam a falta de competências como o principal desafio.

Nesta entrevista, António Valente, Country Manager da Ayming em Portugal, analisa os resultados do Barómetro, comenta o papel crescente da inteligência artificial, a relevância das parcerias com as universidades e os centros de investigação, e sublinha a urgência de investir em competências críticas para assegurar inovação sustentável e competitiva.

O Barómetro Internacional da Inovação 2026 destaca que a inovação é hoje uma prioridade global, mas que a escassez de talento é a principal barreira. O que distingue esta 7.ª edição das anteriores, tanto a nível global como em Portugal?

A grande novidade desta edição é a forma como a inovação deixou de ser apenas um motor de crescimento e passou a estar ligada à segurança nacional. Quase todas as empresas já integram este fator no seu planeamento estratégico. Ao mesmo tempo, vemos uma mudança positiva: mais estabilidade nas prioridades, com 96% das empresas a reportarem ter equipas dedicadas à inovação, face a 78% no ano passado. Em Portugal, esta tendência confirma a maturidade crescente das nossas empresas, mas também evidencia a urgência em ultrapassar a barreira que mais cresceu este ano: a escassez de talento.

O estudo identifica que 41% das empresas apontam a falta de competências como o maior obstáculo, com destaque para o setor da Energia. Na sua opinião, quais são as competências mais críticas que faltam às empresas portuguesas para inovar eficazmente?

O estudo mostra que a falta de competências é hoje a barreira número 1 à inovação. Em Portugal, isto reflete-se sobretudo em áreas ligadas à transição digital e energética. Faltam-nos perfis altamente especializados em inteligência artificial, cibersegurança e engenharia de dados, mas também competências de gestão de inovação, capazes de transformar boas ideias em projetos de valor.

“Temos visto três movimentos para superar a escassez de talento: reforço da formação interna para capacitar as equipas existentes; aposta em práticas de trabalho mais flexíveis (…) e parcerias com universidades e centros de investigação (…)”.

Que estratégias ou soluções têm adotado as empresas em Portugal para superar esta escassez de talento?

Temos visto três movimentos para superar a escassez de talento: reforço da formação interna para capacitar as equipas existentes; aposta em práticas de trabalho mais flexíveis, que ajudam a atrair e reter talento; e sobretudo parcerias com universidades e centros de investigação, que se tornaram um canal vital de acesso a conhecimento especializado.

“Impulsionar a inovação” passou a ser a segunda prioridade, atrás da expansão do negócio, enquanto a redução de custos caiu para quarto lugar. O que está a motivar esta mudança de foco?

Depois de anos de instabilidade marcada por pandemia, conflitos e choques energéticos, as empresas percebem que apenas inovando conseguem crescer e manter-se competitivas. A redução de custos deixou de ser o único caminho. Hoje, inovação e eficiência operacional andam de mãos dadas, permitindo às empresas aumentar a sua resiliência.

“(…) áreas como tecnologia, saúde e até agroalimentar têm liderado a inovação em Portugal, com maior aposta em I&D e colaboração internacional”.

Este reposicionamento é uniforme em todos os setores ou há áreas específicas em Portugal que estão a liderar a inovação?

Não é uniforme. Em setores como a energia, que estão particularmente expostos à instabilidade geopolítica, ainda vemos uma visão de curto prazo. Mas áreas como tecnologia, saúde e até agroalimentar têm liderado a inovação em Portugal, com maior aposta em I&D e colaboração internacional.

Hoje, 96% das empresas têm equipas dedicadas à inovação, um crescimento face aos 78% do ano passado. Como avalia a evolução destas equipas e a sua integração na estratégia global das empresas?

O crescimento de 78% para 96% em apenas um ano é muito significativo. Já não falamos de estruturas pontuais, mas de equipas robustas, muitas vezes com mais de 10 elementos. Em Portugal, ainda existe o desafio de integrar estas equipas na estratégia global, mas nota-se um caminho claro: a inovação está a deixar de ser periférica para ser o centro da estratégia das empresas.

A Inteligência Artificial surge como a grande prioridade tecnológica para inovação. Que impactos concretos prevê para as empresas portuguesas nos próximos anos?

A IA será transversal: desde a automatização de processos até ao desenvolvimento de novos modelos de negócio. Vai permitir ganhos de eficiência e acelerar o time-to-market. O desafio será garantir competências internas para adotar a tecnologia de forma ética, escalável e alinhada com os objetivos estratégicos.

“Vemos já empresas a integrar a cibersegurança como uma proposta de valor, sobretudo em setores industriais e de serviços digitais”.

A cibersegurança é simultaneamente risco e oportunidade para 54% das empresas. Como é possível transformar esta preocupação em vantagem competitiva e oportunidade de inovação?

A cibersegurança é hoje tanto ameaça como oportunidade. As empresas portuguesas podem diferenciar-se ao investir em soluções robustas que não apenas protegem, mas também criam confiança junto de clientes e parceiros. Vemos já empresas a integrar a cibersegurança como uma proposta de valor, sobretudo em setores industriais e de serviços digitais.

Embora o financiamento continue relevante, o estudo mostra que o autofinanciamento permanece elevado e o recurso a incentivos fiscais mostra sinais de recuperação tímida. Que conselhos daria às empresas portuguesas para equilibrar financiamento e inovação?

O autofinanciamento continua demasiado elevado. O meu conselho é claro: não desperdiçar oportunidades de incentivos fiscais (SIFIDE, RFAI, Patent Box) e financeiros (PT2030, PRR, Banco de Fomento) disponíveis, sejam nacionais ou internacionais. É fundamental diversificar fontes de financiamento e garantir que a inovação não fica dependente apenas da tesouraria. E, para isso, ter parceiros especializados faz a diferença.

A colaboração com universidades, agências governamentais e ONGs surge como essencial. Na sua visão, que tipo de parcerias têm maior impacto na inovação corporativa em Portugal?

As parcerias com universidades continuam a ser decisivas, mas cresce o papel das agências governamentais de inovação e até de ONGs. O maior impacto surge quando conseguimos juntar empresas, academia e setor público em projetos conjuntos, porque é nessa interseção que nascem soluções transformadoras.

Quais são as principais aprendizagens que Portugal pode retirar do panorama global apresentado pelo Barómetro?

Diria três aprendizagens: primeiro, a necessidade de antecipar riscos geopolíticos e usá-los como motores de inovação; segundo, a importância de profissionalizar as equipas de inovação; e terceiro, a urgência de integrar a inovação numa lógica colaborativa, intersetorial e internacional.

“Agora, o desafio é acelerar a adoção da inteligência artificial e reforçar a colaboração internacional, para não ficarmos para trás no contexto europeu”.

Como avalia a capacidade das empresas portuguesas de se adaptarem a este cenário de inovação, inteligência artificial e colaboração internacional?

Apesar das limitações, vejo uma evolução clara. As empresas portuguesas já provaram, em ciclos anteriores de crise, que sabem adaptar-se. Agora, o desafio é acelerar a adoção da inteligência artificial e reforçar a colaboração internacional, para não ficarmos para trás no contexto europeu.

Para concluir, que três conselhos estratégicos daria às empresas portuguesas que querem reforçar a inovação em 2026?

O primeiro conselho seria investir em competências críticas, sobretudo nas áreas digitais e de sustentabilidade; depois, diversificar fontes de financiamento, aproveitando todos os instrumentos disponíveis e, finalmente, construir parcerias sólidas, porque a inovação em 2026 será, acima de tudo, colaborativa.

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