Opinião

Entre a experiência e a inovação: porque o teu próximo colega pode ser um senior advisor

Isabel Viegas, Talent Advisor na Semapa*

Poucas empresas têm um modelo de gestão do conhecimento robusto, capaz de assegurar a transferência de know-how entre gerações. A pressão do dia a dia, o foco no resultado imediato e as equipas muitas vezes “à pele”, empurram este tema para segundo ou terceiro plano. Só quando alguém sénior, com profundo conhecimento da empresa, das pessoas e dos negócios sai, é que se percebe a sua verdadeira criticidade.

Há pouco tempo, um CEO de uma reconhecida empresa partilhava comigo que, se soubesse o impacto que determinadas saídas “provocadas” tiveram na sua organização, teria feito tudo para as evitar.

Construir uma cultura que preserva e valoriza o conhecimento não se faz de um dia para o outro. Implica múltiplas abordagens: equipas que documentam e mantêm os processos atualizados, ferramentas digitais robustas (hoje, invariavelmente com Inteligência Artificial incorporada) e modelos de formação que aproveitem a riqueza existente dentro da empresa, disponibilizando-a a todos. É preciso criar condições (tempo, espaço e recursos) para que nada da história e do legado de uma organização se perca.

Ainda assim, há um tipo de conhecimento que não é facilmente mapeado, nem se transmite apenas num memorando ou num documento de passagem de testemunho: o know-how “vivido”. É aqui que a figura do “Expert”, ou “Senior Advisor” pode ser uma mais-valia para as empresas.

Trata-se de profissionais que chegam a uma fase em que querem “abrandar” (não gosto do termo reforma, que considero cada vez menos ajustado aos dias de hoje), mas que se mantêm próximos da empresa, permitindo que esta continue a beneficiar do seu know-how e experiência acumulada.

Esta é uma prática que algumas empresas já estão a ensaiar, com benefícios claros para ambas as partes.

O valor para as organizações é claro: previnem-se ruturas na continuidade de processos, relações e negócios. Saber que se continuará a contar, por mais algum tempo, com o know-how e experiência de alguém que conhece bem a empresa e que pode continuar a contribuir, de uma forma diferente, é, em si, um enorme valor acrescentado.

Estar próximo das novas gerações de colaboradores, com o respeito de quem fez um percurso sólido e a quem podem recorrer sempre que necessário, é outro benefício claro deste modelo. Além disso, apoiar a integração de um sucessor a partir da posição de mentor técnico, alguém que dá feedback honesto e genuíno, pode acelerar significativamente este processo, trazendo ganhos visíveis tanto para a empresa como para o próprio.

Também para estes “experts” a iniciar uma nova fase na sua vida, esta modalidade de colaboração pode ser muito importante. Permite-lhes continuar a sentir-se úteis, partilhando aquilo que assimilaram ao longo de anos, enquanto têm a oportunidade de redesenhar a sua rotina e entrar numa espécie de soft landing, que evita ruturas bruscas. Este período ativo traz ainda outros condimentos de valor: mantendo-se próximos da sua empresa, estes profissionais renovam energia e motivação, mantendo-se curiosos, aprofundando temas e explorando conhecimento útil para a empresa, que muitas vezes quem está na execução não tem tempo para investigar de forma consistente.

Naturalmente, esta “nova” função exige um enquadramento diferente e claro dentro das empresas. Passar de uma função executiva que ocupou muitos anos para uma posição de conselheiro ou expert nem sempre é fácil.

Do lado da organização, é fundamental clarificar junto da equipa qual será o novo papel deste quadro, reforçando o valor dos seus contributos. Importa também definir regras básicas de colaboração, como o tempo de dedicação, momentos de interação regulares, participação em alguns fóruns, projetos sob sua alçada e os entregáveis esperados.

Já do lado do senior advisor, é necessário fazer um verdadeiro exercício de humildade. Por um lado, continua próximo da realidade da empresa, mas as decisões deixam de passar por si e o rumo da organização segue em frente, independentemente da sua presença. Por outro, precisa de desenvolver sensibilidade para perceber qual a “dose certa” das suas contribuições, evitando sobreposição ou excesso de intervenção.

Numa altura em que todos falamos da importância do novo ”colega” que chegou de forma quase abrupta – a Inteligência Artificial – talvez seja altura de as empresas ensaiarem também a entrada de outro “novo” colega: o Senior Advisor!

Num mundo empresarial em que a complexidade cresce a um ritmo vertiginoso, as empresas precisam de todos os que acrescentam valor, independentemente da idade ou do estatuto dentro da organização.

 

*Isabel Viegas, Talent Advisor Semapa, administradora não executiva da Navigator e docente na Católica Lisbon

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Isabel Viegas

Isabel Viegas

Isabel Viegas é atualmente Talent Advisor na Semapa, Administradora Não Executiva Navigator e professora na Católica Lisbon School of Business & Economics. Foi Diretora-Coordenadora de Recursos Humanos do Grupo Santander em Portugal, de 2003 a 2016, bem como Diretora de Recursos Humanos da Jazztel Portugal, entre 1999 e 2003. Anteriormente, desempenhou vários cargos de responsabilidade na Direção de Recursos Humanos da Marconi. É Licenciada em Psicologia e Mestre em Políticas e Gestão de Recursos Humanos (ISCTE). Tem uma vasta experiência... Ler Mais..

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