Entrevista/ “Reforçar a literacia digital e mostrar que cibersegurança não é custo, mas proteção de negócio, é crucial”

Carlos Carvalho, CEO da Adyta

“É preciso criar mecanismos que aproximem investigadores de empresas desde o início, garantindo que a inovação responde a necessidades concretas do mercado”.  A afirmação é de Carlos Carvalho, CEO da Adyta, start-up que nasceu com ADN académico, mas que rapidamente conquistou o mercado nacional, com olhos postos na Europa, África e América Latina.

Start-up tecnológica 100% portuguesa e especializada em comunicações seguras e serviços de cibersegurança, a Adyta nasceu através da Universidade do Porto e, desde então, tem conquistado espaço no ecossistema nacional e crescido sem depender de rondas de investimento externas, apostando na inovação e na criação de soluções críticas para a proteção de informação sensível. Exemplo de como a união entre academia e o mundo empresarial pode ser uma união de sucesso, a Adyta planeia alargar o seu raio de ação e está de olhos postos na Europa, África e América Latina.

Numa análise ao mercado nacional, CEO da Adyta não deixa de lamentar que em Portugal ainda exista, “infelizmente, uma perceção enraizada de que o que vem de fora é automaticamente melhor. Essa “tacanhez” prejudica a soberania tecnológica e desvaloriza talento e inovação que já demonstraram capacidade para competir internacionalmente”. Mais, lembra que “apostar em soluções nacionais não é protecionismo: é uma estratégia inteligente para garantir segurança, independência e, ao mesmo tempo, criar valor económico e exportador”. Leia a entrevista.

Quais as vantagens de nascer no ambiente universitário? O que é que essa realidade trouxe de mais-valia para o percurso que a Adyta tem feito desde 2015?

O ambiente da Universidade do Porto foi determinante para a criação da Adyta. Deu-nos acesso a talento de excelência em criptografia e cibersegurança e a um ecossistema científico que valoriza rigor, validação e inovação. Esse ADN académico, que ainda hoje mantemos, moldou a disciplina de testar, comprovar e construir com solidez. Foi essa base que nos permitiu, desde cedo, responder a requisitos técnicos e regulatórios muito exigentes, transformando investigação em produto validado e competitivo. Essa solidez ajudou-nos a crescer de forma orgânica, 100% bootstrapped, sem recorrer a investimento externo até agora.

Quais as apostas estratégicas da Adyta neste momento em termos de produtos/serviços?

A nossa estratégia assenta em duas áreas. Primeiro, a AdytaPhone, solução de comunicações seguras certificada pelo Gabinete Nacional de Segurança, que está a evoluir para integrar funcionalidades, como integração com ambientes híbridos de trabalho e resiliência pós-quântica. Segundo, os serviços de cibersegurança, hoje ainda mais críticos com a NIS2: auditorias técnicas, gestão de vulnerabilidades, resposta a incidentes e conformidade regulatória.

O foco é reforçar a confiança conquistada e expandir internacionalmente, sobretudo em mercados onde regulação e privacidade são fatores determinantes. Além disto, mantemos um foco nos projetos de I&D, onde temos vindo a participar em consórcios relevantes cofinanciados pelo Fundo Europeu de Defesa. Neste momento, além dos projetos em curso, temos outros em fase inicial.

E quais os principais clientes/setores de atividade?

Trabalhamos com entidades públicas que lidam com informação classificada e com setores privados onde a proteção de dados é vital, como saúde, advocacia, consultoria e tecnologia. Nestes contextos, a confiança numa solução certificada, desenvolvida em Portugal e que não assenta na exploração de dados para fins comerciais, é uma clara vantagem competitiva.

“No mercado internacional, estão a surgir oportunidades interessantes que estamos a tentar agarrar”.

Quais as “dores” de crescimento de uma start-up tecnológica, 100% portuguesa, especializada em comunicações seguras e serviços de cibersegurança, num mercado altamente competitivo?

Os desafios são reais. Os ciclos de decisão longos, sobretudo no setor público, atrasam a adoção de soluções maduras e certificadas. A escassez de talento especializado obriga-nos a inovar na atração e retenção de pessoas – algo que conseguimos em parte graças à ligação próxima à academia. E ainda temos de educar o mercado: explicar que plataformas gratuitas têm custos ocultos e que soberania digital não é um luxo, mas sim um pilar da competitividade e segurança. No mercado internacional, estão a surgir oportunidades interessantes que estamos a tentar agarrar.

Já foram abordados por algum dos grandes players do setor para uma eventual parceria/compra?

Temos parcerias tecnológicas e colaboramos em auditorias e certificações com grandes fornecedores globais. Quanto a cenários de aquisição, não comentamos. O que é público é que crescemos com meios próprios, de forma sustentável. Sabemos, no entanto, que para entrar numa fase nova, para escalar e para internacionalizar pode fazer sentido avaliar novos instrumentos de crescimento, incluindo capital externo, desde que acrescentem valor estratégico.

A ligação entre academia de mundo empresarial deve ser o futuro?

Acreditamos que sim, mas ainda há um longo caminho a percorrer em Portugal. A nossa experiência mostra que a ponte entre investigação e mercado pode gerar resultados sólidos – no caso da Adyta, conseguimos transformar conhecimento académico em produto certificado e competitivo. Mas essa não é a regra. Ainda existe demasiado trabalho de excelência que fica nas prateleiras, desligado da realidade empresarial. Para que a ligação seja realmente estruturante, é preciso criar mecanismos que aproximem investigadores de empresas desde o início, garantindo que a inovação responde a necessidades concretas do mercado. Quando isso acontece, todos ganham: a academia vê a sua investigação aplicada, as empresas reforçam a competitividade e o país retém talento qualificado em vez de o perder para fora.

“O papel da inovação nacional deveria ser central, mas em Portugal – e até na Europa – ainda estamos longe disso”.

Qual deve ser o papel da inovação nacional na proteção da informação crítica de empresas e organizações?

O papel da inovação nacional deveria ser central, mas em Portugal – e até na Europa – ainda estamos longe disso. O recente relatório Draghi mostra de forma clara que a Europa continua demasiado dependente de soluções americanas e asiáticas em áreas críticas. E no caso português, o Estado não tem sido o acelerador que poderia e deveria ser na adoção de tecnologia nacional. Ainda se investe pouco no que é desenvolvido cá dentro e existe, infelizmente, uma perceção enraizada de que o que vem de fora é automaticamente melhor. Essa “tacanhez” prejudica a soberania tecnológica e desvaloriza talento e inovação que já demonstraram capacidade para competir internacionalmente. Apostar em soluções nacionais não é protecionismo: é uma estratégia inteligente para garantir segurança, independência e, ao mesmo tempo, criar valor económico e exportador.

Na sua opinião, as empresas, organizações e entidades oficiais portuguesas já estão verdadeiramente conscientes dos riscos que correm com o não investimento em comunicações seguras, em cibersegurança?

A consciência tem aumentado, impulsionada pela NIS2 e por incidentes mediáticos. Mas ainda é desigual. No setor público há vontade, mas também lentidão nos processos. No privado, áreas como saúde, legal e tecnológica avançam mais rapidamente. O maior desafio está nas PME, que continuam a acreditar que “não são alvo”. Na verdade, são frequentemente as mais expostas. Reforçar a literacia digital e mostrar que cibersegurança não é custo, mas proteção de negócio, é crucial.

“(…) sabemos que escalar globalmente pode justificar abrir a porta a financiamento“.

Quais as próximas etapas do percurso da Adyta? Alguma ronda de investimento no horizonte para escalarem, para internacionalizarem?

Os próximos passos passam por reforçar a evolução da AdytaPhone, incluindo novas funcionalidades para equipas em mobilidade e interoperabilidade com diferentes ambientes críticos, e consolidar a oferta de serviços de cibersegurança, agora mais exigida pela NIS2.
Em paralelo, avançamos com a internacionalização, com foco na Europa, África e América Latina. Até hoje crescemos totalmente bootstrapped, mas sabemos que escalar globalmente pode justificar abrir a porta a financiamento. A diferença é que agora temos produto validado, clientes ativos e certificações, o que nos dá condições sólidas para escolher bem o caminho.

Qual o papel que as soluções nacionais, o talento, inovação e expertise portuguesas devem ter na soberania digital portuguesa?

As soluções nacionais, o talento, inovação e expertise portuguesas devem ter um papel decisivo. A soberania digital não se assegura apenas com legislação, mas exige capacidade tecnológica própria. Quando dependemos apenas de soluções externas, transferimos confiança e dados. As soluções nacionais, alicerçadas em talento formado nas nossas universidades, permitem proteger informação crítica sem dependências. Mas são também uma oportunidade: criar uma indústria exportadora de alto valor, que coloca Portugal no mapa global da cibersegurança.

Para que desafios futuros a Adyta se está a preparar? Que tendências se perspetivam no vosso setor de atividade?

Neste momento, identificamos três grandes tendências. Primeiro, a aplicação da NIS2, que elevará padrões de segurança em setores estratégicos. Segundo, a sofisticação crescente dos atacantes, que já recorrem a automação e inteligência artificial. Terceiro, a proteção de ambientes híbridos, cada vez mais expostos.
A resposta da Adyta passa por reforçar certificações, evoluir a AdytaPhone como plataforma de comunicações seguras de referência, expandir serviços de auditoria e resposta a incidentes, e acelerar a internacionalização. O objetivo é claro: que clientes em Portugal e fora dele enfrentem os novos cenários com confiança, independência tecnológica e vantagem competitiva.

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