Entrevista/ “A literacia financeira é um motor direto da inovação e do empreendedorismo”

“A falta de literacia financeira pode manifestar-se de diferentes formas e comprometer a trajetória de uma start-up”, alerta Tomás Penaguião, Partner da Bynd Venture Capital. Em entrevista, enumera os problemas mais frequentes, ao nível da expertise financeira, no relacionamento entre capital de risco e empreendedores.
Numa altura em que a falta de literacia financeira dos portugueses domina a atualidade, falamos com Tomás Penaguião para averiguar como está o ecossistema empreendedor nacional nesta matéria. O Partner da Bynd Venture Capital analisa os desafios que as start-ups enfrentam em termos de literacia financeira e como a falta desta pode impactar a capacidade de levantarem capital. Sem esquecer o “papel formativo” que os investidores podem desempenhar, em várias frentes, para ajudar “os fundadores a ganhar competências determinantes para a gestão e escalabilidade do negócio”.
Tomás Penaguião destaca que “uma maior literacia financeira gera mais confiança na hora de tomar decisões de investimento e ajuda a reduzir a aversão ao risco”. Além de contribuir “para reforçar a confiança nas instituições, ao garantir relatórios mais claros, regras cumpridas e estabilidade fiscal”. Em suma, assegura, “a literacia financeira é um motor direto da inovação e do empreendedorismo”.
Considerando que o conhecimento financeiro dos portugueses é muito reduzido, que análise é possível fazer hoje da literacia financeira do nosso ecossistema empreendedor?
A literacia financeira dos empreendedores portugueses tem evoluído de forma positiva, mas ainda há um caminho a percorrer. É muito frequente vermos fundadores com grande domínio técnico sobre produto e tecnologia, mas que tendem a subestimar áreas importantes como planeamento fiscal e laboral, gestão de caixa ou a definição de uma estratégia de investimento. Nota-se, no entanto, uma crescente familiaridade com conceitos comuns ao universo das start-ups, como termos e instrumentos de investimento e métricas financeiras, o que demonstra uma crescente maturidade do ecossistema. A literacia financeira impacta também diretamente a capacidade de levantamento de capital – sobretudo nos estágios mais iniciais, onde ainda há poucos investidores individuais preparados ou interessados em avaliar esta classe de ativos.
De que forma a falta de literacia financeira pode ser um entrave para um empreendedor vingar? Levá-lo a perder dinheiro?
A falta de literacia financeira pode manifestar-se de diferentes formas e comprometer a trajetória de uma start-up. Desde logo, pode levar à aceitação de termos de investimento desvantajosos, com diluições ou cláusulas contratuais agressivas, como preferências de liquidação múltiplas. Outro risco frequente é a perda de controlo financeiro, que se traduz em gastos descontrolados e numa gestão de caixa deficitária. Além disso, uma definição incorreta dos preços de venda pode levar à erosão de margens e comprometer a sustentabilidade do negócio a longo prazo.
Quais os problemas mais frequentes, ao nível da expertise financeira, no vosso relacionamento, enquanto empresa de capital de risco, com os empreendedores?
Os desafios mais comuns que encontramos dividem-se em três grupos. Em primeiro lugar, as estruturas acionistas desalinhadas, resultado de diluições excessivas nas primeiras rondas, que acabam por reduzir a margem de controlo da empresa e a motivação dos fundadores. Em segundo, métricas financeiras de negócio incompletas ou mal calculadas – por exemplo, custos de aquisição de clientes que não refletem a realidade e se traduzem numa falsa ideia de rentabilidade. Por último, falhas de controlo financeiro, como a ausência de fechos de contas mensais, reconciliações bancárias ou relatórios de caixa fiáveis, que dificultam a gestão da empresa e transmitem insegurança aos investidores. Estes problemas não são apenas operacionais, mas estratégicos, já que comprometem a transparência e a qualidade da tomada de decisão.
“O investidor pode, e deve, desempenhar um papel formativo, ajudando os fundadores a ganhar competências (…)”
Qual o papel que um investidor pode desempenhar na “educação” financeira de uma start-up? Na relação entre empreendedor e investidor há espaço para esse tipo de abordagem?
O investidor pode, e deve, desempenhar um papel formativo, ajudando os fundadores a ganhar competências determinantes para a gestão e escalabilidade do negócio. Isto pode traduzir-se em várias frentes: workshops sobre temas como unit economics, cap tables, diluição ou termos de rondas; a partilha de templates e modelos práticos de P&L, gestão de caixa, cohorts/LTV ou fundraising; e ainda a ligação a parceiros especializados de contabilidade, CFOs externos ou apoio na contratação de perfis financeiros adequados.
Esta abordagem contribui não apenas para o sucesso financeiro da start-up, mas também para alinhar expectativas e reforçar a relação de confiança entre empreendedores e investidores.
Considerando que Portugal está na lista dos países europeus com um dos piores desempenhos em literacia financeira, o que pode ser feito para contornar esta lacuna num setor tão importante para a economia nacional como o ecossistema empreendedor?
Do lado dos fundadores, é essencial investir na própria formação e aproveitar os recursos disponíveis para reforçar competências nesta área. Do lado dos investidores, é importante continuar a apostar na educação do mercado e demonstrar que investir em start-ups não só pode ser altamente rentável, como também um pilar fundamental para o crescimento da economia nacional. À medida que mais casos de sucesso forem surgindo no ecossistema português, esta mensagem será ainda mais clara, facilitando a criação de uma cultura de investimento sólida e atrativa.
Que sugestões dá a um empreendedor com fragilidades nesta área do conhecimento e que precisa de captar investimento e de “falar a mesma linguagem” de um investidor?
Hoje em dia, existem inúmeros recursos online que permitem, de forma rápida, aprender os conceitos financeiros básicos utilizados pelos investidores. Apenas quem não deseja aprender não o fará. Além disso, é essencial falar com outros fundadores mais experientes, que já passaram por processos de captação de capital, para entender de forma prática o que é esperado numa ronda. Finalmente, é fundamental preparar muito bem os materiais da empresa antes de iniciar conversas com investidores, garantindo clareza e consistência.
Globalmente, como é que a literacia financeira influencia a perceção de risco em Portugal?
A baixa literacia financeira tende a traduzir-se numa maior aversão ao risco. Quem não compreende as opções de investimento disponíveis acaba por optar por soluções mais conservadoras, mesmo quando existem oportunidades de elevado potencial. No caso das start-ups, que já são ainda um setor de nicho e sem tradição histórica de investimento em Portugal, esse efeito é ainda mais acentuado, dificultando o fluxo de capital para o ecossistema, sobretudo em estágios mais iniciais.
Uma sociedade educada e informada sobre temas financeiros está mais capacitada para atrair investimento?
Sem dúvida. Uma maior literacia financeira gera mais confiança na hora de tomar decisões de investimento e ajuda a reduzir a aversão ao risco. Contribui também para reforçar a confiança nas instituições, ao garantir relatórios mais claros, regras cumpridas e estabilidade fiscal. Ao mesmo tempo, promove transparência e comparabilidade de métricas entre empresas, o que facilita e acelera processos de análise dos negócios. Em conjunto, estes fatores tornam o país mais atrativo para investidores nacionais e internacionais.
De que forma este conhecimento pode impulsionar a inovação e o empreendedorismo?
A literacia financeira é um motor direto da inovação e do empreendedorismo. Uma maior compreensão destes temas promove maior disponibilidade de capital em fases iniciais, permitindo aos empreendedores dar os primeiros passos com mais solidez. Paralelamente, reduz a aversão ao risco e aumenta a compreensão do potencial de retorno associado a investimentos em start-ups disruptivas. Este shift de mentalidade é determinante para criar um ecossistema mais dinâmico e inovador.
E o setor empresarial/empreendedor nacional está a saber tirar partido daquilo que o setor financeiro lhe pode dar?
Em parte, não. Existem instrumentos financeiros relevantes – desde produtos bancários de tesouraria e garantias mútuas até programas de apoio público e comunitário – mas a maioria destes só se torna acessível em fases mais avançadas da vida da empresa. Em early-stage, os business angels e os fundos de capital de risco continuam a ser peças críticas para garantir o financiamento necessário ao crescimento das start-ups.