Opinião

Registo Comercial: uma reflexão urgente

Rui Góis, advogado associado no Departamento de Comercial, Societário e M&A da Fieldfisher Portugal

O registo comercial é, por natureza, um instrumento de transparência, segurança e confiança no comércio jurídico e económico.

Através dele são publicitados factos societários essenciais para a vida empresarial (desde a constituição de uma sociedade até às alterações estatutárias, à designação de gerentes ou administradores, ou mesmo à sua dissolução) os quais conferem previsibilidade e fiabilidade a todos os que com ela se relacionam, como instituições bancárias, investidores, clientes, fornecedores ou até mesmo entidades públicas.

Já pertencem aos livros de História as medidas do Plano Tecnológico que, há cerca de 20 anos, permitiram a constituição de empresas online, bem como a promoção online de atos registrais.

Infelizmente, durante um longo hiato de tempo pouco foi feito para desenvolver e melhorar estas medidas. Nos últimos anos, apenas medidas pontuais tentaram modernizar este sistema. A título de exemplo, em março de 2024, por portaria, regulamentou-se a interoperabilidade eletrónica entre tribunais, Ministério Público e serviços de registo comercial e predial, com o objetivo de simplificar e agilizar as comunicações, dando assim cumprimento ao princípio da boa administração, na sua vertente da eficiência, e do princípio de “uma só vez”, que pressupõe a dispensa de entrega de documentação que já se encontra em poder das instituições públicas.

Por outro lado, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência foi também lançado um investimento de cerca de 21 milhões de euros até 2025 para reformular os sistemas informáticos do Instituto dos Registos e Notariado, prevendo-se a criação de novas plataformas digitais mais céleres eficientes, designadamente, a “Empresa Online 2.0”.

No entanto, apesar do quadro normativo avançado, a realidade prática continua a revelar ineficiência. Em 2025, são inúmeras as reclamações que apontam para atrasos significativos no registo da maioria dos atos societários.

A lei estabelece, por defeito, um prazo de 10 dias para a transcrição dos registos. Porém, sei, de experiência própria, que há registos que ficam pendentes por mais de quatro meses, sendo que, decorrido esse tempo, ainda corremos o risco de sermos notificados para realizar suprimentos, o que atrasa, ainda mais, um processo que já foi demasiado longo. São situações que, frequentemente, afetam operações de financiamento e decisões estratégicas de empresas, e que causam sério impacto nas suas atividades económicas.

O contraste entre a modernização legislativa e a realidade operacional é, portanto, revelador. As ferramentas digitais existem, mas os atrasos continuam a surgir. A disparidade de critérios entre conservatórias e a falta de uniformização são um obstáculo, mesmo após investimentos significativos.

No fundo, Portugal enfrenta um paradoxo: promove-se como país inovador e atrativo para o investimento, mas falha num dos pontos fundamentais da vida empresarial: o registo que assegura a própria existência jurídica e a capacidade de agir das sociedades.

As consequências são palpáveis: empresas cuja constituição tarda, empresas impedidas de contratar ou obter financiamento por falta de atualização do registo, insegurança relativamente a quem tem poderes de representação perante as mais diversas entidades, perda de credibilidade junto de investidores nacionais e estrangeiros, aumento de custos e um desgaste administrativo constante. O que deveria ser um instrumento de previsibilidade transforma-se, assim, num fator de incerteza e, muitas vezes, de bloqueio.

Mais do que novos instrumentos legislativos sem aplicabilidade, o futuro exige: um reforço em recursos humanos especializados, monitorização e redução de tempos médios de resposta, uniformização de procedimentos entre conservatórias, a criação de equipas especializadas dentro das conservatórias para lidar com diferentes temas, uma melhoria da eficácia prática da “Empresa Online 2.0”, e, eventualmente, a implementação de mecanismos de registo automático para atos de menor risco que poderiam ser sujeitos a fiscalização posterior (como por exemplo, o registo da designação e de cessação de funções de membros de órgãos sociais).

O registo comercial não deve ser encarado como uma mera formalidade burocrática. É, na verdade, um pilar da estabilidade empresarial. Quando falha, fragiliza os negócios, trava os investimentos e prejudica a confiança no sistema. Se pretendemos um tecido empresarial competitivo e um país apetecível e capaz para o investimento nacional e estrangeiro, é urgente que o sistema funcione com a rapidez necessária e que a modernização legislativa se traduza em eficácia concreta e real.


Com mais de 18 anos de experiência em direito societário e imobiliário em Portugal, Rui Góis é atualmente advogado associado no Departamento de Comercial, Societário e M&A da Fieldfishe. Presta assessoria a empresas nas áreas do direito societário e imobiliário, com especial incidência em reestruturações societárias e operações de investimento de média e grande dimensão, em particular no setor imobiliário. Os clientes vão desde empresas individuais a grupos empresariais, e presta apoio em transações nacionais e internacionais. Tem duas pós-graduações em Direito Imobiliário pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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